Biografia: 1960-1995

Em 1960, é publicado Histoire et utopie, um livro de ensaios, não de aforismos, como La tentation d’exister, o livro anterior. Pelo que ele conta nas entrevistas, foi por um golpe de sorte, graças a uma leitora e admiradora, que tinha gostado muito de História e utopia, recém-publicado, que Cioran e Mme. Boué conseguiram a mitológica mansarda onde morariam pelo resto de suas vidas, e cujo interior aparece em muitas fotografias. A leitora era uma profissional do mercado imobiliário e, de alguma maneira, sabendo da procura de Cioran por imóveis, ajudou-o a encontrar o apartamento na Rue l’Odéon, 21.

Em 1961, Cioran recusa mais um prêmio, desta vez oferecido por Combat, tendo Henri Thomas como um dos jurados. A propósito, História e utopia é o segundo livro premiado de Cioran premiado na França com repercussão na imprensa brasileira. A notícia chegará aqui desatualizada: os jornais brasileiros anunciam o prêmio dando a entender que Cioran o aceitara, quando este é apenas um dentre tantos, à exceção do primeiro, o Rivarol, que o autor romeno de expressão francesa recusará. Visita a Inglaterra, a Espanha e a Áustria. Neste mesmo ano, morre Lucian Blaga.

Em 1963, Cioran abandona o cigarro e o café, dois indispensáveis companheiros em sua atividade de escritor. Quase três anos depois, escreverá num caderno: “Faz hoje trinta e cinco meses que renunciei ao tabaco e ao café, faz trinta e cinco anos que eu perdi minha alma.” Talvez seja por isso que o café e os cigarros sejam evocados em História e utopia, publicado em 1960, num texto em que Cioran relata suas dificuldades escrevendo no novo idioma, ao mesmo tempo em que tenta parar de fumar e beber café.

Quanto café, quantos cigarros e dicionários para escrever uma frase mais ou menos correta nesta língua inabordável, demasiado nobre, demasiado distinta para o meu gosto! E só me dei conta disso depois, quando, infelizmente, já era tarde demais para afastar-me dela; de outra forma, nunca teria abandonado a nossa, da qual às vezes sinto saudades do cheiro de frescor e de podridão, da mistura de sol e de bosta, da feiura nostálgica, da soberba descompostura. Não posso mais voltar para ela; a língua que tive que adotar me prende e me subjuga por causa dos próprios incômodos que me custou. Sou um “renegado”, como você insinua? “A pátria é apenas um acampamento no deserto”, diz um texto tibetano.

“Sobre dois tipos de sociedade: carta a um amigo longínquo”, História e utopia

Em 1964, publicação de seu quinto livro em francês, La chute dans le temps (como os anteriores, um livro de ensaios, ensaístico). No ano seguinte, reedição do Breviário em formato de bolso (livre de poche). Em 1966, Cioran passa uma temporada de férias no balneário espanhol de Talamanca, onde terá crises de insônia e será tentado pela ideia do suicídio. Dessa experiência resultará o Cahier de Talamanca. Este é um ano trágico: em um intervalo de pouco mais de 1 mês, morrem, na Romênia, sua mãe (18 de outubro) e sua irmã (23 de novembro). Cioran segue escrevendo para a N.R.F. e outras publicações francesas.

Em 1969, é publicado Le mauvais démiurge, mais um livro de ensaios, intercalados com aforismos. Por causa do Démiurge, Cioran é saudado por Jacques Lacarrière como um gnóstico contemporâneo, extraviado em um século XX tecnocrático, “um bogomilo edulcorado em contato com o Ocidente”. Em 28 de junho de 1969, o jornal Le monde publica, para o desagrado de Cioran, um especial de 2 páginas intitulado “Cioran ou le Nihilisme contemplatif”. Um dos textos é de Gabriel Marcel, filósofo existencialista católico e um dos melhores amigos de Cioran: “Um aliado na contracorrente“.

1970-1979 – Cioran segue publicando na N.R.F. e outras revistas literárias francesas. Em 1970, dois amigos se suicidam: Arthur Adamov, com quem havia concorrido ao prêmio Rivarol, vindo a dividir o prêmio com o dramaturgo russo, e Paul Celan, poeta alemão de origem romena e tradutor do Précis de décomposition na Alemanha (Die Lehre vom Zerfall). Cioran vai ao seu funeral. Nesses anos, viaja à Áustria, Suiça e Inglaterra. Em novembro de 1973, De l’inconvenient d’être né é publicado. No ano seguinte, Le mauvais démiurge é o primeiro livro de Cioran a ser traduzido ao espanhol e publicado na Espanha, por Fernando Savater, em plena ditadura franquista: El aciago demiurgo. O livro será banido pela censura e só voltará a ser publicado 5 anos mais tarde. Além das viagens para países vizinhos, ao longo desta década Cioran recorrerá inúmeras vezes ao seu retiro em Dieppe, no litoral norte da França (alta Normandia), onde ele e Simone mantinham uma pequena casa de veraneio. Em 1977, Cioran recusará mais um prêmio: desta vez, o prêmio Roger-Nimier, oferecido pelo conjunto de sua obra, recusando ao mesmo tempo 10.000 francos. Em 1979, é a publicação de Écartèlement, também composto de ensaios combinados com aforismos.

1980-1989 – Em 1981, a Securitate lança o programa “Recuperação”, na tentativa de trazer Cioran de volta à Romênia. Para tanto, aproxima-se do seu irmão, que se recusa a colaborar, assim que descobre do plano. Mais publicações na N.R.F. e outras revistas literárias francesas. Viagens à Alemanha, Suíça, Itália, Grécia e Inglaterra. Em 1984, falece Henri Michaux. Cioran comparece ao funeral. Dois anos mais tarde, Cioran publicará o livro que o consagrará como escritor e estilista de língua francesa, dentro e fora da França: Exercícios de admiração: ensaios e perfis, no qual ele assina, pela primeira vez, apenas CIORAN.

Em novembro de 1986, Des larmes et des saints (Lágrimas e santos) é traduzido pela amiga e compatriota Sanda Stolojan, sendo o seu primeiro livro romeno publicado na França. No ano seguinte, 1987, será publicado o último livro de Cioran, ainda inédito em português: Aveux et anathèmes (“Confissões e anátemas”), outro sucesso editorial, de público e de crítica. No mesmo ano, um episódio curioso: uma jovem mulher se aproxima de Cioran, apresentando-se como leitora, mas ao descobrir que se tratava de uma enviada do prêmio Nobel, que sondava premiar a sua obra, ele a rechaçou.

Em 1988, outro episódio curioso: a agência Associated Press espalha uma falsa notícia de que Cioran teria se suicidado em seu apartamento por envenenamento. Dias depois, ele reaparece em público, desmentindo o boato. Cioran toma a decisão não mais escrever. Ainda em 1988, recusa o prêmio Paul-Morand da Academia francesa, que lhe agraciaria com 3000.000 francos. “Esse prêmio é incompatível com o que estou escrevendo, com a minha visão das coisas. Você não pode aplaudir as coisas que escrevi. Meu trabalho é uma obra de negação, não posso ter um preço “, declarou ele por telefone, aos 77 anos, à AFP. Em 1989, a queda do ditador romeno Nicolae Ceauşescu: a alegria de Cioran não é muito efusiva. No mesmo ano, em 22 de dezembro, morre seu amigo Samuel Beckett.

1990-1995 – A Bibliothèque nationale française (B.N.F.) apresenta o manuscrito do Breviário de decomposição em uma importante exposição intitulada: En français dans le texte. Dix siècles de lumières par le livre. Após o fim da Guerra Fria, é reeditado, em Bucareste, pela Humanitas, Schimbarea la faţă României. A partir de então, seus livros romenos começarão a ser reeditados e traduzidos, primeiro na França, depois em outros países, assim como seus livros franceses começarão a ser traduzidos e editados na Romênia. Em 1991, Îndreptar pătimaş (“Breviário dos vencidos”) é editado em Bucareste, também pela Humanitas. Em 1993, os primeiros sintomas inequívocos do Alzheimer: em meados de fevereiro, encontram Cioran sentado na calçada, perdido e confuso; tentava voltar para casa do escritório da Gallimard, mas não se lembrava o caminho. Além disso, já vinha sofrendo de varizes e de cálculo renal. Mais ou menos um mês depois, fratura o fêmur em uma queda sofrida em casa: é hospitalizado no hospital Cochin. Alguns dias mais tarde, é diagnosticado com uma grave úlcera e transferido para o hospital geriátrico Broca. Em outubro de 1993, é publicado seu último artigo pela N.R.F.

Em 20 de junho de 1995, Cioran falece no hospital Broca, após ter entrado em coma na véspera. Seu estado já era crítico há algumas semanas. Muito embora estivesse ao seu lado, no hospital, a maior parte do tempo, Simone Boué estava ausente no momento de sua morte. Em 23 de junho, a igreja romena de Paris providenciou seu funeral, de acordo com o rito ortodoxo, no cemitério de Montparnasse, em que o casal já havia reservado uma tumba. A esposa de Eugène Ionesco, Marie-France Ionesco, ajudou a organizar as solenidades.

Após a morte de Cioran, Simone Boué encontraria, perdidos ou escondidos no apartamento, uma dezena de cadernos de Cioran, que ela prontamente tratou de datilografar para providenciar sua publicação. Além das obras publicadas de son vivant, estes Cahiers, mantidos de 1957 a 1972, contam com mais milhares de páginas de fragmentos. Dois anos após o falecimento do companheiro, e pouco depois de ter entregado o material dos cadernos para serem publicados, Simone morreria afogada no litoral da Vendée, perto de sua cidade natal. Os Cahiers: 1957-1972 (Paris, Gallimard, 1997) seriam publicados poucas semanas após sua morte, e ela infelizmente não pôde ver o resultado de seu esforço concretizado. Simone Boué e Emil Cioran estão enterrados juntos no cemitério de Montparnasse, em Paris.

REFERÊNCIAS:

  • CAVAILLÈS, N.; DEMARS, A., “Chronologie”, in: CIORAN, E.M., OEuvres. Paris: Gallimard (Bibliothèque de la Pleïade), 2011
  • LIICEANU, Gabriel. Itinéraires d’une vie: E. M. Cioran. Paris: Michalon, 2007.
  • ZARIFOPOL-JOHNSTON, Ilinca. Searching for Cioran. Indiana: Indiana University Press, 2009.

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