Estreia em 18 de janeiro de 2013, na Casa das Rosas (São Paulo) o espetáculo dramatúrgico E.M. Cioran – Palestra sobre Nada, que ficará em cartaz até 22 de fevereiro de 2013. Abaixo, um pouco do que o leitor de Cioran, e o apreciador de teatro de modo geral, pode esperar da peça.
O ator e diretor Euler Santi apresenta uma adaptação dramatúrgica baseada nas obras do pensador romeno E. M. Cioran. Ainda pouco conhecido no Brasil, Cioran nasceu na Transilvânia em 1911, região da Romênia. Mudou-se para Paris em 1937, onde escreveu a maioria dos seus trabalhos e morou até a sua morte em 1995. É considerado um dos maiores prosadores da língua francesa, conhecido pelo extremo pessimismo e ironia corrosiva.
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Rodrigo Menezes – Poderia contar um pouco sobre a sua trajetória até a idealização de adaptar Cioran para o teatro? O que te motivou a desenvolver uma peça sobre o romeno?
Euler Santi – Cioran me ocorreu como um encontro fatal. Quando tive contato com seus primeiros textos, eu suspirava ao ler, foi como se tudo o que eu conhecia deixasse de ter importância, principalmente dentro da filosofia. Só na Poesia e na literatura encontro algo compatível. Cioran me parece poesia e filosofia de mãos dadas com o desespero. Quando acabei de ler “Breviário de Decomposição”, pensei: isso dá cena! Só não sabia como. Depois li seus outros livros traduzidos no Brasil, (traduções feitas por José Thomaz Brum e Fernando Klabin). E então tive a certeza de que todos precisavam ouvir aquilo. Então busquei um formato de peça que pudesse ser adaptável a qualquer ambiente, sem prender–se a um formato de teatro convencional. Tive então a idéia de fazer um contraponto, subversivo em relação a essas palestras motivacionais, tão em voga nesses tempos de livros de auto-ajuda. Pensei então em “uma palestra desmotivacional” por isso o nome: “Palestra Sobre Nada”. Minha vida se resume em antes e depois de Cioran, e agora talvez será antes e depois dessa peça que na verdade, faz parte de uma série de projetos que idealizo relacionados a autores “marginais”, “malditos” ou sei lá como podemos defini-los sem simplificá-los. Começo por Cioran, depois já tenho pronto um roteiro para um curta-metragem, baseado nas obras de Jacques Rigaut – Poeta dadaísta francês que se matou em 1929, que de tão “niilista”, chegava a confundir-se com uma “poltrona” como mostra um de seus poemas. É conhecido também como “poeta do suicídio” – A vida toda planejou a própria morte, dormia com um revolver debaixo do travesseiro, até conseguir realizar o feito. Rigaut e Cioran possuem muitas semelhanças, aprendi muito de um com o outro, gostaria de ter visto um encontro entre os dois em Paris… como não foi possível, talvez terei que criá-lo em um outro projeto… Penso também em montar outros autores na mesma linhagem e já tenho alguns em mente, como Lautreamont, e também brasileiros geniais como Augusto dos Anjos, entre outros. A minha intenção com tudo isso, é expor não simplesmente as obras desses gênios, mas suas almas e o mundo que enxergavam…
Rodrigo Menezes – Como você enxerga o potencial dramatúrgico da obra de Cioran? Como traduzi-la em linguagem teatral?
E. S. – Tudo o que é humano gera dramaturgia e arte. E poucos vão tão fundo no infinito humano como Cioran; sem falar que é um prosador genial, obviamente que tive dificuldade em tentar transformar suas preciosidades escritas em algo falado, fiquei com medo de destruí-lo, mas encontrei a maioria das falas prontas, e a clareza das suas idéias também ajudam muito. A dificuldade maior nesse caso, é o trabalho de ator, em alcançar e absorver tamanhos abismos e tornar tudo orgânico, como um bate-papo com o diabo…
R. M. – Isso me faz lembrar de um artigo do filósofo alemão Peter Sloterdijk, em que ele interpreta o caráter paradoxal e, em última instância, inclassificável do pensamento de Cioran, na forma de uma metáfora notável: “todas as posições de um homem sem posição.” Os leitores de Cioran poderiam imaginar Cioran debruçado sobre a escrivaninha, caminhando pelas ruas de Sibiu ou Paris, ou ainda deitado na cama, com os olhos pregados no teto. Ou um pouco de cada. Qual destas situações te parece a mais emblemática do autor?
E. S. – Na verdade até posso imaginá-lo em todas essas situações, mas o Cioran que imagino, está pra dentro, em seu inferno interior, causado pela overdose de lucidez, no desespero da impossibilidade de iludir-se, Cioran via e admitia o cru, sem convenções, sem formatos ilusórios confortantes. Parecia não estar em lugar nenhum, apenas preso ao corpo, enxergando em demasia. Para Cioran, o trauma do parto nunca cessou, como ele mesmo diz: “É a inconveniência de se ter nascido.”
R. M. – Por fim, você poderia falar um pouco, no sentido de atiçar as curiosidades, o que leitores de Cioran e o público em geral podem esperar de uma Palestra sobre Nada?
E. S. – A intenção é que ninguém saia como entrou! Aliás, não acredito em obra artística que não tenha essa função. Gosto da arte que se apresenta como “o fora”. Deleuze mostra bem isso, no sentido de encontros que tragam afectos e perceptos: outras formas de sentir e perceber. Blanchot, Flusser entre outros, cada um a sua forma também me ensinaram muito sobre isso. É gerar movimentos, mutações, aniquilação de formatos acomodatícios, seguros, alienantes, que insistem em imperar culturalmente. Cioran não nos permite possibilidades, nem fuga. Há somente a queda, o abismo o vazio, só nos resta a insignificância… Não uso alegorias nesse trabalho, cenicamente é tudo muito simples, porque a única coisa que precisa aparecer é a corrosão “ciorânica”.
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