Buda buscou salvação na extinção do self; mas, se não há self, o que existe para ser salvo?
Nirvana é o fim do sofrimento; mas isso promete não mais do que nós todos alcançamos, usualmente sem muito esforço, no próprio curso da natureza. A morte traz a todos a paz que Buda prometeu após vidas de esforços.
Buda buscou a liberação da roda do renascimento. E. M. Cioran escreve:
A busca da salvação só se justifica se acreditarmos na transmigração, na indefinida peregrinação do self, e se aspirarmos a lhe dar um fim. Mas, para aqueles de nos que não acreditam nisso, o que existe para se dar um fim? Essa singular e infinitesimal duração? É, obviamente, breve demais para merecer o empenho de sairmos dela.
Por que outros animais não buscam libertar-se do sofrimento? Será porque ninguém lhes disse que têm que viver novamente? Ou será porque, sem precisar pensar nisso, sabem que não viverão? Cyril Connolly escreveu: “Imagine uma vaca ou um porco que rejeitassem o corpo em troca de um ‘nobre caminho óctuplo de auto-iluminação’. Pensaríamos que as bestas haviam feito um cálculo equivocado.”
O budismo é uma busca da mortalidade. Buda prometeu a seus seguidores a liberdade que vem com não ter que viver de novo. Para aqueles que se sabem mortais, o que Buda buscava está sempre à mão. Já que a salvação está assegurada, por que nos negarmos o prazer da vida?
GRAY, John. Cachorros de palha. Trad. de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2007, p. 144-5.
[…] Gray, aliás, cita Cioran, em seu Cachorros de palha, numa reflexão mortalista acerca da “busca pela mortalidade“. Cioran tinha plena consciência da assimetria, entre Oriente e Ocidente, em matéria de […]
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[…] Gray, aliás, cita Cioran, em seu Cachorros de palha, numa reflexão mortalista acerca da “busca pela mortalidade“, em diálogo com o budismo. Cioran tinha plena consciência da assimetria, entre Oriente e […]
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[…] em chave oriental, ao anatman do budismo (não-imortalidade, não-absoluto, mortalidade, destrutibilidade absoluta). É possível que o autor romeno tenha tido, ao longo da vida, e em momentos distintos, a […]
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[…] e do desespero em face de sua impossibilidade, na juventude, ao anseio, na velhice, pela mortalidade absoluta, na linha do budismo. Ao final, seu desassossego ia no sentido contrário do desespero inicial: era […]
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