Até meados do século passado, o doutor J. M. Honigberger assombrou o mundo científico relatando a história do yogin Hari-dâs. Em Láhaor [Lahore], na presença do marajá Ránjit Sing do Punjab e da sua corte, Hari-dâs se pôe em estado cataléptico e foi enterrado num jardim. Durante quarenta dias, uma guarda rigorosa vigiou a sua tumba. Quando o yogin foi exumado, estava inconsciente, rígido e frio. Aplicaram nele toalhas quentes na cabeça, friccionaram-no, insuflaram-lhe ar por uma espécie de respiração artificial, e finalmente Hari-dâs voltou à vida.
Já não temos meios de verificar a autenticidade dessa história. Tal façanha, contudo, não é impossível. Certos yogin são capazes de reduzir a sua respiração a tal ponto que aceitam ser enterrados vivos durante um determinado lapso. Mas a história de Hari-dâs é significativa também por outra razão: o seu domínio do yoga não implicava de modo algo uma espiritualidade superior. Hari-dâs era antes conhecido como um homem de costumes dissipados; acabou fugindo com uma mulher e se refugiou nas montanhas, onde morreu e foi devidamente enterrado segundo os usos do seu país (J. M. Honigberger, Thirty-five years in the East, Londres, 1852 págs., 126 y sigs).
Para Hari-dâs, o yoga parece ter sido antes de tudo uma técnica de faquirismo. Mas, evidentemente, o verdadeiro yoga não se deve confundir com a posse de poderes de faquir. O Buda já prevenia os seus discípulos contra a posse e exibição de tais poderes: “Justamente porque vejo o perigo na prática dos poderes maravilhosos (iddhi; literalmente: “maravilhas mágicas”), eu os execro, os abomino e me envergonho deles” (Dîghanikâya, 1, 212 e segu.) Entretanto, o próprio Buda havia praticado durante um longo tempo o yoga, e o budismo é incompreensível sem os métodos de concentração que o yoga prescreve. Mais ainda: não se conhece sequer um movimento espiritual da Índia que não dependa de uma das numerosas formas do yoga. Pois o yoga é uma dimensão específica do espírito indiano. Ao final de contas, uma parte importante da história espiritual da Índia está constituída precisamente pela história das múltiplas formas e aspectos do que se denomina a prática do yoga.
Isto se compreende facilmente se recordamos que, desde a época dos Upanishad, a Índia só se preocupou seriamente de um único e grande problema: a estrutura da condição humana. Com um rigor não igualado em todas as partes, os filósofos, os contemplativos, os ascetas se dedicaram a analisar os diversos “condicionamentos” do ser humano. Apressemo-nos a acrescentar que não o fizeram para chegar a uma explicação exata e coerente do homem (como, por exemplo, na Europa do século XIX, quando se acreditava explicar o homem pelo seu condicionamento hereditário e social), senão para saber até onde se estendiam as zonas condicionadas do ser humano e ver se existe algo para alé de tais condicionamentos. Por esta razão, os sábios e ascetas indianos, muito antes da psicologia profunda, se viram levados a explorar as zonas obscuras do inconsciente: verificaram que os condicionamentos fisiológicos, sociais, culturais e religiosos, eram relativamente fáceis de delimitar e, por conseguinte, de dominar; os grandes obstáculos para a vida ascética e contemplativa surgiam da atividade do inconsciente, dos samskâra e dos vàsanâ, “impregnações”, “resíduos”, “latências” que constituem o que a psicologia profunda designa como conteúdos e estruturas do inconsciente. Por outro lado, o altamente valioso não é esta antecipação pragmática de certas técnicas psicológicas modernas, mas a sua utilização com vistas a um “descondicionamento” do homem. Pois o conhecimento dos sistemas de “condicionamento” não poderia constituir, para a Índia, um fim em si: o importante não era conhecê-los, mas submetê-los ao domínio; trabalhava-se sobre os conteúdos do inconsciente para “queimá-los”.
Veremos por que métodos o yoga considera que se alcançam resultados surpreendentes. Mas é impossível não ter em conta uma das maiores descobertas da Índia: a da consciência-testemunho, a consciência desprendida das suas estruturas psicofisiológicas e do seu condicionamento temporal: a consciência do “liberto”, isto é, de quem conseguiu libertar-se da temporalidade e conhece portanto a liberdade verdadeira e inefável. A conquista desta liberdade absoluta constitui o objetivo de todas as filosofias e de todas as técnicas místicas da Índia, a qual acreditou poder alcançá-la sobretudo por meio do yoga em qualquer uma das suas múltiplas formas.
Por esta razão certos yogin da alta antiguidade merecem ser situados entre os “mestres espirituais”. Mas, como deles se ignora inteiramente a biografia, e até o nome, incluímos o de Patandjáli no título desta obra. Patándjáli não é menos fabuloso que tantas outras figuras da antiguidade hindu, mas atribui-se a ela a composição do primeiro tratado sistemástico sobre o yoga.
ELIADE, Mircea, Patanjali y el yoga. Trad. de Juan Valmard. Buenos Aires: Paidos, 1978.