A obra de Heidegger, leitor de Nietzsche, apresenta um paradoxo que é o mesmo de boa parte do pensamento contemporâneo: “Nela, com efeito, parecem tocar-se e conviver dois extremos incompatíveis: de um lado, um niilismo radical; de outro, o convite a uma visão inspirada, senão mesmo ao misticismo.”[i] Daí, segundo Volpi, em face dos escritos heideggerianos, “quanto mais se espera de uma perspectiva, tanto mais problemas a outra perspectiva descortina.”[ii]
Até aqui, guardadas as diferenças, a mesma característica encontramos na obra de Cioran: quanto mais se espera encontrar o cético, mais se flagra a presença do metafísico. Sabe-se que ele foi, em sua juventude universitária, um ávido leitor de O Ser e o Tempo (1927), e que se voltaria contra o filósofo de Heidelberg por considerar a sua linguagem uma verdadeira engenharia conceitual desnecessária, uma escamoteação da coisa em si, do ser, do real, em proveito do símbolo, do conceito, da palavra. Se Kierkegaard escreveu O Conceito de Angústia, seria Heidegger quem cometeria o sacrilégio de transformar a angústia em conceito, em detrimento da experiência mesma da angústia. Neste sentido, todo o oposto de Bergson, cujo intuicionismo metafísico é uma ciência que pretende dispensar os símbolos.[iii] Dois autores bastante importante na formação filosófica e acadêmica do jovem estudante de Filosofia romeno, e com os quais ele romperia, por razões diversas que possuem algo em comum, notadamente aquilo que, nele, o levará a decepcionar-se com estes filósofos. Cioran comenta essa dupla decepção na entrevista a Sylvie Jaudeau.[1] Ao mesmo tempo que os renega, retém de ambos alguma influência, impossível sendo apagar por completo as marcas em relevo profundo que as leituras diversas, e algumas mais do que outras, imprimem na alma. Sobre o paradoxo da obra de Heidegger (entre niilismo radical e visão inspirada, convite ao misticismo), paradoxo que será herdado, na forma de divisa, pelos pensadores existenciais:
A radicalização do questionamento filosófico, que tudo atropela e dissipa, acelera o processo destrutivo, potencializando o niilismo. Mas, por outro lado, no curso dessa destruição, o pensamento se abre à expectativa do totalmente outro, àquilo que está, radicalmente, além de tudo o que foi desmoronado. A desconstrução dos conceitos e dos teoremas da filosofia tradicional leva à abertura da problemática do sagrado e do divino. O questionar que Heidegger denomina “a piedade do pensar” implica a problematização e, ao mesmo tempo, a busca, a dissolução e a espera. Leva àquele Nada que é a extrema purificação da finitude, a qual almeja despojar-se de tudo para aceder ao divino, leva àquele ponto extremo que Mestre Eckhart chamava, em termos quase blasfemos, o ponto “onde anjo, mosca e alma são a mesma coisa”.[iv]
Percebe-se o ar de família. Não esqueçamos que, desde a infância até a vida adulta, Cioran teve uma formação e influência filosófica muito mais alemã do que francesa (aos 10 anos, mudaria, a contragosto, para Sibiu, para estudar num renomado liceu e hospedar-se na casa de duas governantas alemãs, para que aprendesse cedo o alemão; Cioran já era fluente em alemão muito antes de chegar perto de dominar o francês, oral e escrito). Quanto a isso, remeto o leitor à rigorosa análise feita por Ciprian Vălcan da germanofilia da geração de intelectuais de Cioran (geração de 1927, capitaneada por Eliade), em contraste com a geração anterior, mais afrancesada.[v]
Segundo Volpi, o paradigma gnóstico é o melhor filtro hermenêutico, aquele que mais bem desempenha a função mediadora entre uma coisa e outra, para compreender a possibilidade de convivência entre niilismo e misticismo – seja em Heidegger, seja em Cioran. O nosso autor mesmo reconhece a afinidade não só de Heidegger (ausente neste comentário), mas de grande parte da filosofia alemã, com o paradigma gnóstico: “Os grandes sistemas do século XX – Hegel, Schelling, Schopenhauer, Hartmann – se parecem aos sistemas gnósticos” (Cahiers) É precisamente disto que trata Volpi no capítulo sobre “niilismo, existencialismo, gnose”, a partir de Heidegger. A radicalização do questionamento filosófico – que em Cioran está ligada à essa “obsessão do Essencial” de que trata o Breviário – conduz-nos a um ponto cego em que “toda interrogação parece acidental e periférica, quando o espírito busca problemas sempre mais vastos”, tropeçando apenas “no obstáculo difuso do Vazio. […] Todo problema, quando se toca seu fundo, leva à bancarrota e deixa o intelecto a descoberto: não há perguntas nem respostas em um espaço sem horizonte.” (Breviário) A radicalização do questionamento, o problematizar infinito, o exercício da lucidez, enfim, engendra o niilismo, isto é, uma experiência radicalmente negativa, experiência do nada, niilista. O que significa que talvez seja, para a Razão, mais prudente manter-se no interior de um domínio de dúvidas habituais, aceitar “a limitação e o conforto de um grau razoável de inquietude” (Breviáario). Dito de outro modo, “os que não permanecem no interior da realidade que cultivam, os que transcendem o ofício de existir devem ou pactuar com o inessencial, voltar atrás e integrar-se na eterna farsa, ou aceitar todas a consequências de uma condição separada, e que é superabundância ou tragédia, conforme a olhemos ou a soframos” (Breviário).
Volpi cita Eric Voegelin, cuja visão do gnosticismo é diametralmente oposta à de Ion Culianu: enquanto o primeiro interpreta a modernidade como essencialmente gnóstica, o a crise do cristianismo e triunfo da heresia, de modo que todo o moderno é gnóstico,[vi] o segundo nos alerta para o erro (que facilmente se torna paranoia e teoria conspiratória) de ver “gnosticismo” em toda parte e em tudo: “Filósofos decisivos para a modernidade, como Hegel, Marx e Nietzsche deveriam ser considerados ‘gnósticos’, porque em seu pensamento atuava um esquema especulativo de origem gnóstica.”[vii] Cioran, então, dispensa comentários. Outra opinião ainda é a de Hans Blumenberg, que
tomou a defesa da modernidade, sustentando que ela, mais que a secularização do cristianismo, é o processo da afirmação autônoma do homem no mundo. Absolutizando a dimensão terrena, a modernidade nega o dualismo gnóstico, ainda presente na especulação teológica da Idade Média, que separava radicalmente Deus e o mundo. Por consequência, a modernidade não é a vitória da gnose, mas a sua segunda e definitiva derrota (cf. Faber, 1984; Taubes, 1984).[viii]
Ela também bastante pertinente, em oposição à tese de Voegelin. Como decidir-se? Na dúvida, lembremos sempre do alerta cético de Culianu: não enxergar gnosticismo em tudo e gnósticos por toda parte. Assim como a obra cioraniana repercute o paradoxo identificado por Volpi na obra de Heidegger (o niilismo radical em tensão com um apelo igualmente radical à transcendência), ela também evoca a possibilidade dessa dupla interpretação da relação modernidade-gnosticismo (Voegelin, Blumenberg), da antítese entre “triunfo” e (segunda) “derrota” do gnosticismo na época moderna (secular, cientificista, materialista, imanentista). Este novo paradoxo, suplementar, nos remete à noção, de significação autobiográfica em Cioran, da “queda do tempo”, conforme tematizada no último ensaio de La chute dans le temps: uma segunda queda, assevera o autor, muito pior do que aquela primeira, imemorial, patrimônio de todos nós, em que a experiência gnóstica toma o aspecto de uma experiência negativa, dir-se-ia-mesmo anti-gnóstica, não gnóstica: não exatamente uma saída do tempo, no sentido da sua superação, mas a sua perda, descompasso em relação a ele, cair do tempo em direção a uma “eternidade negativa”, abaixo do tempo, no subsolo da existência, numa relação de alteridade, não-participação, não-coincidência com a duração, que deixa assim de durar… Em Amurgul gândurilor [O Crepúsculo do Pensamento] (1938), ele escreve: “A vida e eu: duas linhas paralelas que se reencontram na morte”, de modo que “vida” implica, aí, a qualidade de ser em devir, no tempo, na duração do tempo que passa. Uma leitura atenta dos textos de Cioran nos levará a admitir a abertura a (ambivalência entre) entre essas duas leituras da modernidade e da experiência moderna: gnóstica e não gnóstica, radicalmente espiritualista e radicalmente materialista, transcendente e imanente, inspirada e desencantada, triunfante e impotente, mística e niilista, etc.
Há uma enorme distância entre reconhecer certo revival da gnose nos tempos modernos – em muito da sua produção cultural, da filosofia à literatura, do cinema ao teatro – e corroborar o absolutismo gnóstico da modernidade profetizado por Voegelin. Não é o que parece sustentar Cioran, ele que, ademais, nunca fez uma menção sequer ao filósofo político alemão (1901-1985), nem nos seus livros, nem nos Cahiers, nem tampouco nas Entretiens. Mas, convenhamos que Voegelin esteja certo em seu diagnóstico: a modernidade é gnóstica, ela representa o triunfo da gnose, antiga heresia cristã, e veio para ficar. Se assim for, isso em nada retira a legitimidade da era moderna: ela é gnóstica, e nisso se funda a sua legitimidade, na ruptura (nunca total) com o mundo pré-moderno e a sua tradição religiosa. Quanto a Cioran, gosto da colocação de Joseph Acquisto, a partir da discussão do livro de Antoine Compagnon, Les antimodernes (2005), para quem Cioran (como Baudelaire) não é propriamente um antimoderno (“reacionário”), mas antes amoderno,[ix] um escritor cuja maneira de ser moderno é às avessas, na contramão, na contracorrente, como a sombra, a potência crítica e destrutiva da modernidade, o seu momento negativo, que parece estender-se de modo a tornar-se uma eternidade negativa. A modernidade – e Nietzsche tem aqui, para Cioran, uma importância inestimável – nos mostrou como libertar-nos da obrigação religiosa, da autoridade divina, assim como do preconceito academicista, do estilo acadêmico, professoral:
Toda heresia – como eu gosto desta palavra! – é exaltante. Após a demasiado longa hegemonia cristã, podemos agora adotar sem nenhum embaraço a ideia de um princípio impuro, imanente ao Criador e ao criado. Essa ideia nos permite afrontar o inqualificável devir histórico e, a bem da verdade, o devir tout court. A crença num tal princípio não é, certamente, um remédio milagroso, mas não constitui menos um refúgio para todos os que não cessam de ruminar sobre a carreira triunfal do mal. (Entretiens)
Entre o gnosticismo virulento de Cioran e o conservadorismo religioso de Voegelin, é interessante colocar em pauta uma terceira via, alternativa não excluída do debate moderno acerca da relação (oposição?) entre fé e razão, ciência e religião, secularização e o sagrado, naturalização do pensamento e transcendência do Ser, escatologia cristã e historicização, niilismo e misticismo. Trata-se da hermenêutica existencial de outro filósofo italiano contemporâneo, importante figura nos estudos nietzschianos e na recepção de Nietzsche na Itália: Gianni Vattimo. Em diálogo com Richard Rorty sobre o futuro da religião, Vattimo recoloca o dilema previamente formulado por Dostoiévski: se por acaso eu descobrisse que Jesus e a verdade não são uma e a mesma coisa, eu ficaria com Jesus. Ele defende a primazia da caritas em detrimento da veritas, a prática cristã da caridade em detrimento de disputas escolásticas ociosas sobre o sexo dos anjos, o nome da rosa, a natureza da trindade, etc. O filósofo italiano, proponente do pensiero debole (“pensamento fraco”), em oposição tradicionais estruturas (metafísicas, teológicas) fortes de pensamento (o assim-chamado “fundacionalismo”), argumenta que o moderno niilismo nada mais é que o desdobramento, a consumação da Revelação bíblica, tendo como ápice dramático a morte do Deus encarnado e crucificado na figura de Jesus. Neste sentido, a modernidade é, não um desvio, uma heresia, uma falência, como quer Voegelin, mas uma etapa necessária no processo escatológico em direção ao Juízo Final e à instauração do Reino de Deus na Terra.[x]
Fica cada vez mais claro que se trata do desafio de (1) pensar a coexistência paradoxal, na nossa modernidade, de niilismo dissolutivo e espiritualismo místico, e entre eles o gnosticismo enquanto filtro hermenêutico a operar a mediação eidética entre ambos, e (2) demonstrar que essa mesma conjunção está singularmente presente em Cioran, quando muito do efeito poético e retórico da sua escrita (a ironia, o claro-escuro, a ambiguidade, a indeterminação, a dúvida radical) faz parecer que estaríamos, aí, nas antípodas de toda gnose. Hans Jonas, em seu pioneiro estudo The Gnostic Religion (1958), decisivo para “converter” Harold Bloom ao gnosticismo, foi quem tornou essa articulação possível no âmbito da hermenêutica filosófica Ele propôs conceber o “fenômeno gnóstico” não como fato histórico, religião, heresia cristã, mas como uma mentalidade, um paradigma de pensamento, uma atitude existencial (mística e ao mesmo tempo algo desencantada) que, enquanto tal, pode verificar-se tanto na Antiguidade, quanto na Idade Média e na Modernidade, a depender de determinados contextos sociais, culturais e políticos, situações concretas marcadas por incerteza, instabilidade, insegurança, ansiedade, medo. Assim escreve Volpi, que cita Hans Jonas a propósito da afinidade eletiva entre niilismo, gnosticismo e existencialismo moderno:
O importante, para além das modernas metamorfoses da gnose, é que o paradigma dualista gnóstico permite analisar o niilismo contemporâneo por um ângulo diferente, mais amplo e esclarecedor. Se a gnose, vista não como fenômeno histórico mas como paradigma de pensamento, pode ser interpretada como uma espécie de niilismo ante litteram, que pela annihilatio mundi opera um radical isolamento da alma para lhe conquistar a salvação e o reencontro com Deus, então o niilismo contemporâneo pode, por sua vez, ser reputado um moderno gnosticismo ateu. Oposto a qualquer transcendência, ele se concentra numa trágica descrição do desenraizamento e desambientação da existência mortal. Em sua solidão cósmica, a existência repete a interrogação gnóstica ciente de que não ouvirá respostas: Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos?[xi]
Por esse filtro hermenêutico-existencial, tanto a gnose antiga pode ser dita uma forma de niilismo avant la lettre (vide o acosmismo gnóstico), quanto o moderno niilismo pode ser dito uma variação secular moderna do espírito gnóstico antigo, marcado pelo desenraizamento e pela desambientação, pelo exílio, numa palavra: dualismo (homem-mundo, civilização-natureza, espírito-vida, etc.). Assim, também não se pode falar de gnosticismo, em Cioran, sem imediatamente qualificá-lo mediante o operador conceitual do niilismo, e vice-versa: não se pode falar em niilismo ao seu propósito sem acoplar a ele a categoria do gnóstico. Gnosticismo niilista, ateu, da imanência, da lucidez como fracasso, ou por outro lado niilismo gnóstico, “místico em estado selvagem”, das catacumbas proto-cristãs, infinitamente negativo e infinitamente transcendente (uma transcendência na imanência, das “raízes imanentes da vida”): em todo caso, uma forma mentis (psicologia), um paradigma de pensamento e de criação (“demiurgia verbal”), uma atitude existencial (revolta, desencantamento, resignação, pessimismo, fatalismo) que reúne, numa combinação explosiva, virulenta, ao mesmo tempo destrutiva e criadora, o espírito gnóstico (religioso) e o niilista (secular). No último capítulo de The Tree of Gnosis (1992), “Modern Nihilism”, Ion Culianu discute o paradoxo segundo o qual, enquanto o gnosticismo pode ser dito “o campeão da transcendência” e, portanto, o exato oposto do niilismo moderno (um sendo um niilismo metafísico, ou uma metafísica niilista, o outro radicalmente antimetafísico, intranscendente), por outro lado eles se assemelham enormemente:
O fato de que, para propósitos que são o inverso um do outro, os dois [gnosticismo e niilismo] “demolem” [build down] ativamente a mesma transcendência, notadamente a Judaico-Platônica, conforme encarnada em quase dois milênios de cristianismo. Para o dualismo ocidental, esta é a falsa transcendência que deve ser desmascarada e demolida, de modo a proclamar a verdadeira transcendência; para o niilismo moderno essa transcendência é igualmente falsa, pois é um constructo mental que nos blindo contra o fato bruto do niilismo por praticamente dois milênios; deve igualmente ser desmascarada e “demolida” [built down]. Isso explica muitos traços que as duas formas opostas de niilismo – a metafísica e a antimetafísica – compartilham entre si, a mais conspícua sendo o seu constante ataque às Escrituras cristãs, para ambas, a encarnação de uma transcendência falaciosa.[xii]
A problemática niilista moderna, tão argutamente diagnosticada por Nietzsche, seria então herdeira de uma problemática religiosa anterior, antiga, milenar, ressignificada no contexto de uma modernidade secular que perdeu o referencial teológico nas suas estruturas de pensamento e linguagem. Em Lacrimi şi Sfinţi (1937), nós lemos: “Todos os niilistas tiveram problemas com Deus. Uma prova a mais da sua vizinhança com o nada [le rien].[2] Tendo tudo demolido, não vos resta mais a destruir que essa última reserva do nada [le néant][3].” (Lágrimas e Santos) O “amor à Deus” se torna “paixão do Nada”, a fé degenera em lucidez, a esperança em ansiedade, espera sem esperança, os antigos ideais religiosos e morais cedem lugar, cansados, descrentes, a uma nova forma de ascetismo sem objetivo, sem futuro – à “santidade do ócio” (Breviário). Devemos saber separá-las e examiná-las à parte, mas em última instância o niilismo cioraniano não pode ser devidamente apreendido sem referência a um universo simbólico religioso (gnóstico), assim como o gnosticismo de Cioran deve ser nuançado, parametrizado (“sem Deus”, “sem absoluto”, etc.), inserido como está no contexto da modernidade tardia, ou “pós-modernidade”, em muitos aspectos (como bem apontou Culianu na citação acima) antimetafísico e intranscendente (pois materialista, hedonista, imediatista, imanentista, numa palavra: niilista). Cioran mesmo demonstra ser, em muitos momentos, radicalmente antimetafísico e intranscendente, como se a decomposição a que faz alusão o título do seu primeiro livro em francês sinalizasse não apenas uma necessidade física como também do espírito, que se contempla – lúcido – decompor, em queda livre na dissolução. Pensamento religioso niilista, niilismo místico; metafísica negativa, anti-metafísica; transcendência e intranscendência; a filosofia como exercícios negativos. Na interpretação de Peter Sloterdijk, Cioran seria uma testemunha-chave da “reversão significativa, do ponto de vista da ascetologia, que nós tratamos como a emergência da antropotécnica. Por intermediário seu, prestamos atenção à informalização da espiritualidade, da qual dizemos que deve ser concebida como uma contra-tendência complementar à desespiritualização das asceses.” Nas palavras do filósofo alemão (“Cioran ou l’excès de la parole sincère”),
ele se torna o primeiro maître do “não chegar a nada”. Como o artista da fome de Kafka, faz da sua aversão um exercício de virtuose e modela a forma de capacidade correspondente ao seu cafard.[4] […] O livro que fundou a sua reputação – a pequena obra Breviário de decomposição, que havia saído em francês – mostra em que medida Cioran estava consciente do seu papel na transposição do habitus espiritual em desacordo profano, e da sua exploração literária. Na origem, essa coleção de aforismos levaria o título de Exercices négatifs [Exercícios negativos] – o que podia tanto significar exercícios de negação quanto anti-exercícios. […] O procedimento que Cioran leva a cabo para os seus anti-exercícios repousa sobre a elevação da ociosidade ao nível de forma de expressão da revolta existencial. O que ele chama “ociosidade” é, na realidade, uma deriva organizada voluntariamente, e que nenhuma espécie de trabalho estruturado entrava, através dos estados de alma cambiantes do espectro maníaco-depressivo – um procedimento que antecipa a magnificação ulterior da dérive, a errância de uma situação à outra nos situationnistes dos anos 1950. (Cahier L’Herne Cioran)
Após analisar os motivos e elementos gnósticos nas obras de Sartre e Camus, e a significação gnóstica do hegelianismo do círculo de Kojève, Volpi finalmente remete a Bataille e Cioran, em conjunto, como exemplares distintos da presença de motivos niilistas e (cripto)gnósticos na cultura francesa. Ele aproxima a obra francesa de Cioran, a partir do Breviário de decomposição, à Experiência interior de Bataille. O que haveria em comum entre ambos é a “lúcida consciência de que o niilismo é uma sobra constante e inevitável a nos acompanhar sempre que pensamos em ausência de deuses ou quando teimamos em exprimir a negatividade, o limite, a alteridade.”[xiii] Segundo Volpi, a obra de Cioran “destila, por todas as páginas, um concentrado de pessimismo que envenena de morte todos os ideais, esperanças e impulsos metafísicos da filosofia, ou seja, todas as tentativas de dar à existência algum sentido e segurança, em face do abismo de absurdo que a todo instante a ameaça. As reflexões de Cioran empurram-nos até o ponto de nos sentir nus perante um destino também nu.”[xiv] De resto, Volpi destaca a “evidente procedência gnóstica” do título La chute dans le temps (1964), e a coincidência com La chute [A Queda], de Camus. Não menciona, contudo, Le mauvais démiurge, o livro seguinte, cuja índole gnóstica é ainda mais escancarada. Com efeito, encontraremos simbolismos e toda uma linguagem de inspiração gnóstica (“demiurgo”, “queda”, “despertar”, “espírito”, “lucidez”, “indestrutível”, “princípio intemporal da natureza humana”, “eu original”) por toda a obra de Cioran, para além dos títulos dos livros.
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Percebe-se como a presença do gnosticismo – enquanto esquema especulativo, paradigma de pensamento, hipótese hermenêutica, ou mesmo atitude existencial – na cultura contemporânea está intimamente ligado ao niilismo, como bem o demonstraram autores importantes como Hans Jonas, Ion Culiano e Franco Volpi. No que concerne a esta filiação, ou afinidade eletiva (noção mais adequada), mais ou menos velada, mais ou menos explícita, que se pode identificar em certos autores modernos ditos “niilistas”, ou mesmo nos “existencialistas” (caso se possa dissociar, em tese, uma coisa da outra), com a Gnose dos primeiros séculos da nossa era (ressurgida com força ao final da Idade Média e, de forma difusa, cultural, secular, na Modernidade), Cioran está longe de ser exceção. Quanto a isto, basta ler o atualíssimo A Alma da Marionete: breve ensaio sobre a liberdade humana, de John Gray (Record, 2018). O livro é um passeio por diversos autores modernos, homens das letras e das ciências, tendo como pano de fundo filosófico o drama da consciência como um fardo, um peso, uma fatalidade, em todo caso um obstáculo à liberdade, de onde o conflito de interpretações entre a visão cristã tradicional, bíblica, e a visão gnóstica da Criação e da história: de Heinrich von Kleist a Leopardi, de Bruno Schulz a Jorge Luis Borges, de Philip K. Dick a Samuel Butler, de Guy Debord a Ray Kurzweil.
Em meio à querela do gnosticismo, entre o absolutismo gnóstico da modernidade (Voegelin) e a negação absoluta da possibilidade de um “triunfo” da Gnose na Modernidade (Blumenberg), marcada como está pela intranscendência, pelo imanentismo, pelo materialismo, optamos por seguir um caminho do meio, alternativo, a exemplo de autores como Jonas, Culiano e, mais recentemente, Volpi. Testemunhamos hoje uma proliferação fractálica crescente de criações (livros, teatro, cinema, séries de TV) com conotações gnósticas evidentes, e elas se unem para formar um grande e único imaginário gnóstico moderno. No cinema, filmes como “O Show de Truman” (1998), “The Matrix” (1999), “Dark City” (1998), “Amnésia” [Memento] (2001), “A Origem” [The Inception] (2010), para ficar nos mais populares (sei que o leitor cinéfilo não me perdoará por deixar outros importantes títulos de fora). Na literatura, todos os autores acima, reunidos no ensaio de John Gray. Na TV, tenho em séries dramáticas como True Detective (cujo criador, Nic Pizzolatto, é declaradamente um leitor de Cioran), Altered Carbon e – especialmente – Westworld. No teatro, as peças de Beckett e de Ionesco, ou, mais recentemente (dramaturgo fortemente influenciado pelo autor de Rinocerontes), ele também romeno (sendo uma das suas peças uma ficção inspirada na vida de Cioran), Matéi Visniec.
Por todos os elementos que se dispõem ao nosso conhecimento, Cioran é um caso exemplar de mentalidade e pensamento gnósticos no século XX. Um gnosticismo (e uma metafísica) niilista, e/ou um niilismo gnóstico (antimetafísico, intranscendente): as duas bifurcações do paradoxo existencial inaugurado por Heidegger, leitor de Nietzsche, a partir da problemática do niilismo, encontram-se em Cioran, numa insólita interpenetração: místico e niilista, religioso e ateu, pessimista e cético, gnóstico e anti-gnóstico (alguns diriam agnóstico). Como atestam os Cahiers, além da obra mesma, ele reivindica, enquanto qualificativo do seu pensamento existencial, a categoria (heterodoxa) do religioso, dissociado e emancipado da religião enquanto fato social, instituição, dogma, etc. Um místico sem Deus, um metafísico sem absoluto, “a paixão do absoluto numa alma cética” (Lágrimas e Santos): em todo caso, um autor que não pode, como bem afirmou Jaudeau, ser reduzido a um simples cético, um pensador trágico-existencial e nada mais, um cínico a “sobrevoar a realidade com um olhar indiferente e desabusado”, o que equivale a ignorar, ou negar, a “profunda pulsão metafísica” que nenhum ceticismo, nenhum niilismo poderia sufocar. Um pensador da convergência de contrários, a exemplo do Logos de Heráclito. Bollon fala de uma “religião essencial” concebida ou idealizada por Cioran, para além de toda crença determinada, em que a Fé e a Dúvida parecerem convergir em um único ato, o que nos remete à “antropotécnica” de que fala Sloterdijk, enquanto ascese secularizada e profana, não submetida aos mesmos valores e às mesmas autoridades que a ascese religiosa.
A importância de Savater, além de ter inaugurado a tradição dos estudos cioranianos, é a de ter proposto, na sua investigação filosófica sobre Cioran, a conexão entre “despertar” (éveil), desengaño, lucidez e mística. Muito embora pareça não levar nem um pouco a sério a ideia de interpretar Cioran como um espírito religioso, ainda menos um gnóstico, apesar de saudá-lo como um “gnóstico contemporâneo”. Permanece sendo um místico raté, um outsider da religião, um filósofo (cético) e nada mais. O mesmo pode-se dizer da interpretação de Clément Rosset: muito embora escreva que Cioran é “um dos poucos pensadores da nossa época que não pode ser suspeito de religiosidade” (Alegria: a força maior), o que o conjunto da obra cioraniana parece contradizer, reforçado pelos Cahiers e pelas Entretiens, a obra de Rosset, buscando estabelecer os princípios, as condições de possibilidade e os limites do que seria uma filosofia rigorosamente trágica, mostra, por contraste, indiretamente (ou por vezes mesmo diretamente, citando-o nominal e textualmente, tal como n’O princípio de crueldade e em Alegria: a força maior), em que medida e de que maneira Cioran acaba revelando-se um pensador de traços fortemente anti-trágicos, não-trágicos ou pseudo-trágicos – se entendermos que o conceito fundamental (e o princípio ontológico) da filosofia trágica é o acaso (hasard em francês), em detrimento de toda suposta causa (Deus, Ser, Absoluto) e de toda suposta finalidade (telos, seja a escatologia cristã ou o finalismo histórico moderno). Noutros termos, o acaso em oposição à noção de necessidade a priori, da qual derivam as ideias de “natureza”, “essência”, “ser” (estamos aqui no continente da ontologia, de Parmênides e Platão).
Para Rosset, o acaso é primeiro, lógica e ontologicamente, em relação a toda necessidade. Cioran, por sua vez, fazendo incursões diletantes e experimentais no âmbito da metafísica, tende a colocar a noção de necessidade acima do acaso, de onde a Queda no tempo, em que “Queda” corresponderia, segundo Rosset, à noção de acaso como encontro (“acaso acontecimentual”), do latim casus, que condensa os significados divergentes de “encontro fortuito” e “queda”, como “ponto de intersecção entre duas ou várias séries causais”.[xv] Por exemplo, a necessidade (o Mal) como resultado de uma conjunção dramática de fatores no coração mesmo do Éden, a evolução desastrosa de uma tensão ou mal-estar (miasma) já atual no Paraíso, entre Deus e a criatura, que tornou inevitável a Queda. Cioran seria um pessimista, como o é Schopenhauer, no plano metafísico, e poderíamos acrescentar: fatalista, niilista, décadent (crítica de Nietzsche ao pessimismo do antigo mestre, e que recai também em Cioran). A filosofia trágica (lucreciana, nietzschiana) de Rosset não reconhece senão o acaso em devir como único princípio de “realidade”, e o aprova, quer aprová-lo, comemorá-lo, amá-lo incondicionalmente, a despeito de todos os aspectos negativos da existência. Nenhum (mau) “mundo”, nenhuma (má) “natureza”, enfim, nenhum ser vem inquietar o pensamento do filósofo trágico, enquanto que o pessimista, nas antípodas do otimista, supõe a existência efetiva, predeterminada, de um “mundo”, de uma “natureza (humana)”, se não é que vai mais além, postulando a existência de uma causa, digamos Deus, ou o Demiurgo gnóstico. Para Cioran, na contramão de Rosset, não há nenhuma aliança possível entre a lucidez e a alegria, ou beatitude.
Sylvie Jaudeau é, de longe, a exegeta que mais contribuiu, até aqui, para cimentar o caminho de toda investigação que pretenda se concentrar, em Cioran, na relação entre pessimismo metafísico (filosofia do mal), preocupação religiosa (filosofia da redenção ou da libertação), paixão mística e gnose. Não apenas ela atribui uma importância bastante significativa, se não essencial, à questão gnóstica no bojo da obra desse pensador tão sombrio e tão enigmático, como a conduz para além de uma discussão nos limites do que seria uma filosofia da religião e da mística comparada, em direção a uma reflexão crítico-literária sobre a linguagem e o ato de escrever. A resistência de Savater a ver em Cioran um espírito religioso à sua maneira heterodoxa, o seu misticismo inesgotável, está ausente de Jaudeau, que depreende dos seus escritos uma verdadeira filosofia religiosa de índole gnóstica. Nas suas palavras, Cioran perpetua o dualismo radical, o sentimento do exílio ou despertença cósmica e a hipótese do mau demiurgo. Jaudeau chega a especular sobre a questão da salvação (salut), reconhecendo que Cioran não para de pensar nela, de escrever sobre ela, mas não tem certeza se é possível sustentar a tese de um pensamento soteriológico em Cioran, nem se é possível vincular esse suposto pensamento soteriológico à salvação pelo conhecimento (gnōsis), pelo espírito (pneuma), tal como preconizada pelos Gnósticos.
A partir do levantamento seletivo da fortuna crítica que tratou do tema do gnosticismo em Cioran, direta ou indiretamente, exaustiva ou brevemente, resulta mais do que evidente que a hipótese gnóstica, em se tratando do pensamento e da obra do autor romeno de expressão francesa, não é nenhuma novidade, tampouco (da nossa parte) nenhuma originalidade em si. Não pretendo repetir ou reproduzir o que já foi dito e produzido por leitores-comentadores, de Savater a Volpi. Se o fizemos aqui, em certa medida, foi para qualificar e situar a questão gnóstica em Cioran (questão que traz para o debate o teólogo tanto quanto filósofo, o religioso e o secular), a partir dos principais estudos, e comentários dispersos, disponíveis para nós até o momento. O levantamento seletivo do estado da questão é importante para mostrar que o filtro hermenêutico gnóstico é não apenas uma tendência recorrente e palatável em meio aos estudos cioranianos, mas (ousando ir além, e afirmar, como Bollon), além disso, “a chave universal do pensamento, da obra e, mais geralmente, da atitude de Cioran, inclusive aparece como a única doutrina ou visão de mundo capaz de explicá-la e de unificar as suas contradições.” Pretendemos partir do ponto em que nos deixam os exegetas que vieram antes, desdobrando a hipótese gnóstica ensejada por eles e acrescentando mais fios à trama dessa tessitura em estado ainda incipiente. Um fio condutor essencial que pretendemos seguir e desdobrar, em função do qual pretendemos especular e imaginar, ruminar e interpretar, ler e escrever, sempre atentos ao texto, com os olhos e com os ouvidos, numa verdadeira “auscultação espiritual” (Bergson), é o tema da redenção ou da libertação (possível, concebível) em Cioran. Se há alguma originalidade neste ensaio, talvez, e alguma ousadia que muitos julgarão inadmissível, despropositada, é a de explorar a hipótese de uma filosofia (religiosa) da libertação (soteriologia) não apenas possível, em Cioran, como paradoxalmente praticada e levada a cabo por ele. Redenção ou libertação que não exige o ato de fé, assim como Deus (ou um absoluto qualquer) não lhe é indispensável, mas se dá mediante a radicalização da lucidez, da dúvida, de um questionamento filosófico implacável que reduz o Ser a um simulacro do Nada e o mundo a uma irrealidade universal, e o homem – espectro vertical, monstro sublime – dentro dele. A insônia do espírito é, afinal, a despeito de toda incerteza, uma experiência – e uma odisseia – de conhecimento, no sentido místico-intuitivo (religioso) do termo.
Cioran pode ser dito um filósofo existencialista, um pensador existencial, desde que se especifique: trata-se não de um existencialismo religioso judaico-cristão, como em Kierkegaard, Chestov e Unamuno (apóstolos da Fé abraâmica), nem (muito menos) de um existencialismo à la Sartre (“o existencialismo é um humanismo e um ateísmo”), mas, ao que tudo indica, o seu é um existencialismo gnóstico-niilista, abrindo-se para a (im)possibilidade última, lançada pelo paradoxo inaugural da obra de Heidegger, da convivência agonística entre o mais radical niilismo e a mais apaixonada tentação do absoluto, outro modo de dizer “transcendência”. Antes de avançarmos para um exame mais detido do gnosticismo na obra de Cioran, concluamos com um derradeiro comentário de Franco Volpi:
No fundo, o homem é um nada consciente de si, é “aquele que não é”, como afirma Cioran invertendo a definição do Antigo Testamento: Deus é “aquele que é”. Não há como confundir o conjunto de suas meditações com as filosofias esperançosas da existência. Cônscio de sua queda no tempo e na finitude, livre e, ao mesmo tempo, encurralado na cela apertada do universo, ele é, antes de tudo, um gnóstico. Quer se salvar por si mesmo e nega, desesperadamente, qualquer valor positivo do mundo, queimando, com furor iconoclasta, todas as imagens, fantasmas e deuses que o povoam, mesmo sabendo que os altares abandonados acabarão por aninhar demônios. Assim, uma aura francamente gnóstico-niilista emana dos escritos desse místico sem Deus e se condensa, obsessivamente, em seus penetrantes aforismos e em todo o seu itinerário ensaístico. Seu niilismo gnóstico derrama-se em imagens e efeitos literários, mais do que em amplas e rigorosas argumentações de um arrazoado filosófico. E é dessa forma, justamente, que expõe, com poder quase deslumbrante, o desespero e, ao mesmo tempo, a lucidez que o sustentam, a melancolia e a ferocidade que o nutrem, a impiedade que o atrai para a fosforescência do mal e, concomitantemente, a devoção que o lança para a “mais pura versão de Deus”, que para ele é o Nada.[xvi]
NOTAS:
[1] No caso de Heidegger, trata-se da importância dada à linguagem enquanto fábrica de conceitos em série, verdadeira engenharia conceitual desconcertante, e que, se traduzida em linguagem comum, como sugere Cioran, perderia toda a sua substância (ESJ: 14). Quanto a Bergson, é ter negligenciado o lado trágico da existência, o fato de que “a vida para manter-se deve destruir-se” (ESJ:15), em proveito de um elã vital cuja duração é plena e criadora, não tendo lugar aí nenhuma tragicidade efetiva. Bergson dedica um capítulo de Evolução Criadora para discutir a questão do niilismo paralelamente à análise do mecanismo da (incipiente) arte cinematográfica. Aí, Bergson despreza o niilismo como uma falsa questão, fruto de uma ilusão, de um erro de ótica, e nada como um pseudoproblema (para Bergson, o nada enquanto nihil negativum nada significa, nada é, apenas enquanto nihil privativum pode ser pensado e falado, por negação ulterior de um ser previamente existente). Poder-se-ia dizer que a filosofia de Bergson é antiniilista (e antipessimista) por excelência.
[2] No original romeno, nimicul.
[3] No original romeno, neantul[ui].
[4] Cafard (subst. masc.): palavra dificilmente traduzível de maneira direta e inequívoca: “tristeza” (muito embora exista tristesse), “abatimento”, “depressão”, em todo caso, um estado de espírito negativo, debilitante, mais intenso do que o ennui (tédio profundo, fastio) ou a melancolia. Também “barata”, o inseto.
[i] VOLPI, Franco, O niilismo, p. 97.
[ii] IDEM, Ibid., p. 97.
[iii] BERGSON, Introdução à metafísica, in Col. “Os Pensadores”, p. 15.
[iv] VOLPI, Franco, Op. cit., p. 97-8.
[v] VĂLCAN, Ciprian, La concurrence des influences françaises et allemandes dans l’œuvre de Cioran. Bucureşti : Editura Institutului Cultural Rôman, 2008.
[vi] Segundo Volpi, Voegelin “atacou de frente a legitimidade da época moderna, sustentando que seu desenvolvimento representava o triunfo da gnose. Filósofos decisivos para a modernidade, como Hegel, Marx e Nietzsche, deveriam ser considerados ‘gnósticos’, porque em seu pensamento atuava um esquema especulativo de origem gnóstica. […] Para Voegelin, o triunfo moderno da gnose significa a imanentização da escatologia cristã, que acaba desaguando no niilismo. Deus e a vida espiritual do homem são sacrificados em prol da civilização, com a consagração de todas as energias humanas à empreitada da salvação, mediante a ação imanente no mundo.” VOLPI, Franco, Op. cit., p. 98-9.
[vii] IDEM, Ibid., p. 98.
[viii] IDEM, Ibid., p. 99.
[ix] O que Acquisto afirma de Baudelaire aplica-se igualmente para Cioran: “Iniciando esse realinhamento, Baudelaire se apresenta como nem moderno nem antimoderno, mas antes amoderno, assim como poderia ser dito um escritor ateológico: em ambos os termos, a presença do moderno e do teológico é retida ao mesmo tempo em que os termos tentam cancelar as suas conotações tradicionais. O termo sugere os tipos de complicações que Baudelaire, que aqueles que se seguem a ele, introduz para qualquer um buscando empregar ‘teológico’ ou ‘moderno’ como conceitos diretos que dividem a história cultural ou estética em períodos separados de ‘antes’ e ‘depois’.” ACQUISTO, Joseph, The fall out of redemption: writing and thinking beyond salvation in Baudelaire, Cioran, Fondane, Agambem, and Nancy, p. 3.
[x] “Eu disse anteriormente que, na perspectiva que proponho aqui, o niilismo pós-moderno (a dissolução das metanarrativas) é a verdade do cristianismo. O que significa que a verdade do cristianismo parece ser a dissolução do próprio conceito (metafísico) de verdade. Mas então, para chegar mais rapidamente à conclusão, por que ainda falamos em cristianismo? Richard Rorty expressou sua benévola simpatia pela minha leitura das kénosis (a encarnação coo renúncia de Deus à própria soberana transcendência), sem, no entanto, ver nisso nenhuma razão para sentir-se mais próximo do cristianismo. […] Trata-se daquilo que Benedetto Croce pretendia dizer quando escrevia que “não podemos não nos dizer cristãos”. Talvez a expressão deva ser tomada ao pé da letra, sublinhando também o ‘nos dizer’. Assim que tentamos dar conta de nossa condição existencial, que nunca é genérica, metafísica, mas sempre histórica e concreta, descobrimos que não nos podemos colocar fora dessa tradução aberta pelo anúncio do Cristo. Esse argumento também não é, decerto, tal que possa garantir que os descrentes serão persuadidos. Mas é alguma coisa além do ato de tomar conhecimento de um limite insuperável que só pode ser regulado por uma tolerância liberal recíproca – mesmo porque, muito frequentemente, a reciprocidade não existe. A frase de Croce, hoje, quando qualquer pretensão das autoridades históricas de comandar em nome da verdade revelou-se como um engano que a democracia não pode, absolutamente, tolerara, talvez deva ser interpretada no sentido próprio, entre desespero e invocação, da frase de Heidegger “Nur nich ein Gott kann unsretten.” “Não podemos não nos dizer cristãos”, pois no mundo em que Deus está morto – dissolveram-se as metanarrações e desmistificou-se, felizmente, qualquer autoridade, inclusive aquela dos saberes ‘objetivos’ –, nossa única possibilidade de sobrevivência humana está depositada no preceito cristão da caridade.” VATTIMO, Gianni, “A idade da interpretação”, in ZABALA, Santiago, Solidariedade, caridade e ironia, p. 72, 75-6.
[xi] VOLPI, Franco, Op. cit., p. 99.
[xii] CULIANU, Ion P., The Tree of Gnosis: Gnostic Mythology from Early Christianity to Modern Nihilism, p. 250.
[xiii] VOLPI, Franco, Op. cit., p. 104.
[xiv] IDEM, Ibid., p. 104.
[xv] ROSSET, Clément, Lógica do pior, p. 85.
[xvi] VOLPI, Franco, Op. cit., p. 105.
[…] “Niilismo, existencialismo e gnosticismo: a hermenêutica existencial de Franco Volpi”. In: Portal E.M. Cioran Brasil, […]
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