Diálogos interculturais, Eminescu e Castro Alves, traduções e outros temas: entrevista com Luciano Maia, cônsul honorário da Romênia em Fortaleza

Luciano Maia nasceu na cidade cearense de Limoeiro do Norte, em 1949. Formado em Direito pela Universidade Federal do Ceará e mestre em Literatura Brasileira pela mesma instituição. É autor de mais de vinte livros (poesia, ensaios, contos, traduções): Jaguaribe – memória das águas (1982; traduzido ao romeno, ao espanhol e ao inglês, encontra-se na 10ª edição brasileira), Seara (Fortaleza, Editora Universidade Federal do Ceará, 1987), Nau capitânia (Fortaleza, Editora Cearte, 1987), Rostro hermoso (Fortaleza, Editora da Universidade Federal do Ceará, 1997), entre outros. É membro da Academia Cearense de Letras (onde ocupa a cadeira 23), na qual ingressou em 1999. Além de advogado e escritor, é Cônsul Honorário da Romênia em Fortaleza desde 1997 e Comendador da Ordem Nacional da Romênia. Luciano Maia é um importante interlocutor no diálogo intercultural Brasil-Romênia. Estudioso da língua românica, traduziu de Eminescu Lumină de lună (“Luar”) e acaba de escrever um livro sobre A Língua Romena (breve apresentação). Em junho deste ano, lançará 3 livros: A Língua Romena (breve apresentação), Mioriţa e A Lenda do Mestre Manole.


Rodrigo Menezes: Prezado Sr. Maia, primeiramente gostaria de agradecer, em nome do Portal E.M.Cioran/Br, seus leitores e suas leitoras, pela disponibilidade em conceder-nos esta entrevista. Para começar, eu gostaria de fazer algumas perguntas de cunho mais autobiográfico, se me permite: Como você chegou até à Romênia (língua, cultura, entidade geopolítica e espiritual), ou melhor: como a Romênia chegou até você? Você morou lá? Como aprendeu o romeno? A razão da minha curiosidade: você é cônsul honorário da Romênia em Fortaleza e, além disso, tradutor do romeno, ao passo que, infelizmente, as relações culturais entre Brasil e Romênia não são lá muito relevantes (não existe aqui, por exemplo, um Institutul Cultural Român; a Itália é a maior colônia romena em todo o mundo, e suponho que o Brasil esteja longe disso). No máximo, quando se fala em Romênia, aqui, pensa-se imediatamente no Drácula…

Luciano Maia: Estudei no Ginásio (hoje Colégio) Diocesano Padre Anchieta de Limoeiro do Norte, no interior do Ceará. Ali tive conhecimento do latim, através do Padre Pitombeira, um emérito latinista. As suas lições não excluíam notícias sobre as línguas nascidas (ou, melhor dito, continuadoras) do latim falado (sermo vulgar). Foi lá que pela primeira vez ouvi o sintagma língua romena. A minha curiosidade se acendeu a partir daí e, até aqui, foi sempre um contínuo aprendizado sobre o país, a cultura, a língua… Comecei a ler os principais escritores, os poetas. Recebi do Instituto de Linguística de Bucareste um dicionário e uma gramática, que me ajudaram no início. Mas foi, sem dúvida, a sonoridade dessa língua, a sua origem no chamado latim danubiano, a luta dos ancestrais romenos para preservar tudo isso o que mais me animou nessa trajetória.

R.M.: Como você avalia o intercâmbio cultural entre a Romênia e o Brasil, ontem e hoje? Por que estamos tão distantes, brasileiros e romenos (ou não estamos, é apenas impressão minha)? Por que tão escassas relações interculturais (ou não tão escassas assim)?

L.M.: Além da distância geográfica, agravada por um período em que os dois países viveram ditaduras, em verdade apenas uns poucos brasileiros se interessaram desde algum tempo pela cultura e pela língua da Romênia. Atualmente, há boas iniciativas da Embaixada da Romênia em Brasília no sentido de uma divulgação mais efetiva da Romênia, entre os brasileiros. Ministrei na Universidade Federal do Ceará dois cursos intensivos de língua romena, uma iniciativa que bem poderia ser retomada. Não posso deixar de lembrar o nome do saudoso professor Ático Vilas-Boas da Mota, um abnegado na tarefa de aproximação entre as duas culturas.

R.M.: Confesso que cheguei até você através de pesquisas no Google sobre traduções em português do grande poeta romeno Mihai Eminescu. Descobri então dois artigos de sua autoria: um sobre Eminescu e Castro Alves, o outro sobre a noção de “espaço miorítico” (spaţiul mioritic) de Lucian Blaga. Você poderia explicar, resumidamente, o “espaço miorítico” para o leitor (noção tão fundamental para compreender Cioran, mesmo apartado e distanciado de suas raízes)?

L.M.: Pois é… As semelhanças entre os dois poetas são maiores do que podemos imaginar… Eminescu e Castro Alves – mocidade, amor e morte é uma plaqueta que escrevi sobre o tema, publicada num encontro da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife. Está no portal Jornal de Poesia. Quanto ao espaço miorítico, bem, é uma criação do poeta-filósofo Lucian Blaga: mioara (ovelha tenra, marrã de ovelha) tem o diminutivo mioriţa. O poeta chamou o espaço específico do pastoreio romeno de espaço miorítico. Claro, ele fez referência à balada popular Mioriţa para a criação desse achado magnífico. É uma leitura obrigatória para quem quiser conhecer a Romênia profunda.

R.M.: Você traduziu Lumină de lună, de Eminescu. O seu saboroso blog, Memória das águas, reúne (além da sua própria criação) algumas destas traduções, por exemplo, poemas de Lucian Blaga, Vasili Alecsandri, Tudor Arghezi, Octavian Goga, Marin Sorescu, além do hino nacional da Romênia. Por exemplo, o poema La Steaua (“À estrela”), de Eminescu. Como você apresentaria Mihai Eminescu para o leitor brasileiro que nunca ouviu falar dele? Que relação você vê entre Eminescu e Castro Alves?

L.M.: Ambos são românticos tardios; ambos viveram pouco (como, de resto, quase todos os românticos…); ambos foram amantes de mulheres ligadas ao teatro; ambos se aventuraram na seara da representação dramática; ambos não terminaram o curso superior ao qual se matricularam. E, ainda por cima, ambos são poetas estelares, cósmicos, sedentos de absoluto… Há na escritura de ambos similitudes incríveis.

R.M.: Como é para você o trabalho de tradução do romeno ao português? Quais os desafios? Quais autores romenos, contemporâneos e/ou do passado, você mais aprecia e recomendaria aos leitores brasileiros?

L.M.: Todo trabalho de tradução na área da literatura (principalmente poesia) requer um esforço adicional de recriação, sem o afastamento do núcleo central da obra do autor traduzido. É um trabalho árduo, mas gratificante… Recomendo a leitura do poeta nacional, Mihai Eminescu, de Vasile Alecsandri, Octavian Goga, Tudor Arghezi, Lucian Blaga, Marin Sorescu… Sem esquecermos Mircea Eliade, o grande historiador das crenças religiosas

R.M.: Como você concebe a relação filológica entre o romeno e o português, duas línguas latinas tão familiares e ao mesmo tempo tão estranhas entre si? Você enxerga alguma afinidade ou semelhança entre os dois povos – brasileiros e romenos?

L.M.: Entre o romeno e o português há semelhanças e diferenças profundas! Só para citar uma frase em romeno: Eu fui profesor de gramatica latina in Galicia. Isso nos mostra quão semelhantes podem ser as duas línguas… Há outras frases também muito semelhantes… Cu un litru de vin şi un chil de carne de vaca nu se moare de foame. Inacreditável. No entanto, há as chamadas esquinas eslavas, que dificultam a leitura… Os dois povos são extremamente afetivos, receptivos, em alguma medida supersticiosos e ingênuos… falo das camadas mais genuinamente romenas e brasileiras.

R.M.: Para concluir, como você enxerga Cioran em meio à constelação de intelectuais romenos do século XX? Qual é a sua impressão e a sua leitura da obra cioraniana? Ele exerce alguma influência na sua criação artística?

L.M.: Eu já devia ter traduzido um livro do Cioran: Lágrimas e santos. Escrito originalmente em romeno, me chama muito a atenção o modo como o autor encara o sofrimento dos santos, a sua remissão… A dor do mundo, de que falam os poetas. Gosto muito da chamada fase romena de Emil Cioran. E não é que depois tornou-se um dos mais apreciados escritores em língua francesa?

R.M.: Prezado Sr. Maia, em nome dos nossos leitores, agradecemos enormemente a sua disponibilidade em conceder-nos esta entrevista.

L.M.: Multumesc si eu aceasta buna oportunitate sa vorbim despre o tara si o limba atat de frumoasa, “cel al patrulea picior al mesii” dupa fericita expresie a lui Alf Lombard, un suedez indragostit de limba romana. [Eu também agradeço por esta boa oportunidade de falar de um país e de uma língua tão bela, “a quarta perna da mesa”, segundo a feliz expressão de Alf Lombard, um sueco apaixonado pela língua romena.]

São Paulo/Fortaleza, 18/05/2019


SÁ MENEZES, R. I. R., “Diálogos interculturais, Eminescu e Castro Alves, traduções e outros temas: entrevista com Luciano Maia, cônsul honorário da Romênia em Fortaleza”, Portal E.M. Cioran Brasil, data.

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