Quem refletiu muito sobre a eternidade, a morte, a vida, o tempo e o sofrimento, é impossível que tenha um sentimento definido, uma visão precisa e uma convicção determinada sobre todas essas coisas. Só têm um sentimento definido da morte os que a pensaram e sentiram pela metade; não se pode ter uma visão precisa do sofrimento; e é impossível ter uma convicção determinada sobre a vida. Quando te fundiste neles e fostes subitamente ou alternadamente eternidade, morte, vida, tempo e sofrimento, é impossível amá-los sem odiá-los. Um furor admirativo, uma aversão extática e um tédio sedutor te aproximam e te afastam deles. A ambivalência e a ambiguidade pertencem às realidades últimas. Estar com a verdade contra ela não é uma fórmula paradoxal, porque todos os que compreendem seus riscos e revelações não podem deixar de amar e de ao mesmo tempo odiar a verdade. Quem acredita na verdade é um ingênuo; quem não acredita, um estúpido. A única via reta passa pelo fio da navalha.
Os últimos dados só podem provocar em nós perturbação, uma perturbação divina e diabólica. E dela nasce um sorriso cósmico que substitui o sorriso franco; os olhos se aproximam das ordens invisíveis ou as pálpebras se fecham para escondê-las; os sentimentos se abrem para mistérios que os pensamentos recobrem de evidências.
CIORAN, Emil, O Livro das Ilusões. Trad. de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.