“Três horas da manhã. Apercebo-me deste segundo, e do que se lhe segue, faço o balanço de cada minuto.
Por quê tudo isto? — Porque eu nasci.
Questionarmos o nascimento resulta de um tipo especial de vigília. (Do inconveniente de ter nascido)
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Não está em nosso poder fazer voltar os arrebatamentos que nos faziam coincidir com o começo do movimento, tornando-nos donos do primeiro momento do tempo e artesãos instantâneos da Criação. Desta percebemos apenas o despojamento, a realidade lúgubre: vivemos para desaprender o êxtase. (Breviário de decomposição)
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Depois de ter tido durante tanto tempo consciência de nossa inanidade, podemos continuar acreditando em algo que não seja Deus? Podemos sentir ainda algo distinto do princípio e do fim? Por que não nos educaríamos na consciência de nossa própria divindade? Não perdemos todos tanto para que, ao menos, tenhamos direito à última ilusão, à ilusão absoluta? E por acaso nossas solidões não têm vozes suficientes para apregoarmos a realidade de nossa ilusão? Não são musicais e sonoras todas as solidões e não têm de cantar-nos a glória de estar tão sós que queremos ser tudo? (O Livro das ilusões)