“O Esteta Hagiógrafo” (E.M. Cioran)

Não é um sinal de bênção haver estado obcecado pela existência dos santos. Mistura-se a esta obsessão um gosto pelas enfermidades e uma avidez de depravações. Só nos inquietamos pela santidade se tivermos sido decepcionados pelos paradoxos terrestres; buscam-se então outros, de teor mais estranho, impregnados de perfumes e de verdades desconhecidos; confia-se em loucuras inencontráveis nos estremecimentos quotidianos, loucuras grávidas de um exotismo celeste; topa-se assim com os santos, com seus gestos, com sua temeridade, com seu universo. Insólito espetáculo! Permite-se permanecer debruçado sobre ele toda a vida, examiná-lo com voluptuosa devoção, afastar-se de outras tentações porque enfim encontrou-se a verdadeira e inaudita. Eis o esteta transformado em Hagiógrafo, dedicado a uma peregrinação erudita… Entrega-se a ela sem suspeitar que é apenas um passeio e que neste mundo tudo decepciona, até a santidade…

CIORAN, E. M., Breviário de decomposição. Trad. de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.

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