“A Romênia entre a História e a Europa” – Tony JUDT

A edição de fevereiro de 2000 da revista masculina Plai cu Boi de Bucareste apresenta uma certa princesa Brianna Caradja. Variando de adereços de couro a quase nada, ela aparece nas páginas centrais numa série de poses meio desfocadas, flagelando servos (masculinos) subservientes e semidespidos. Os rapazes submissos, envoltos em fumaça, cortam lenha, puxam trenós e arrastam um trator a vapor enferrujado, acorrentados a seus equipamentos, enquanto a princesa Brianna (verdadeira, ao que parece) exibe-se lasciva no meio de peles, chicote na mão, observando com o mesmo desprezo os homens e a câmera, num cenário rural que lembra A Última Noite de Boris Grushenko, de Woody Allen.

Um gosto adquirido, quem sabe. Entretanto, Mircea Dinescu, editor de Plai cu Boi, é um escritor e crítico conhecido, mas não é nenhum Hugh Hefner. Sua página dupla central apresenta uma conotação deliberada, sarcástica: zomba da obsessão nacionalista da Romênia com camponeses, terra e exploração estrangeira. A princesa Brianna é uma evocação cafona e delirante da indulgência e arrogância aristocrática, Venus im Pelz (Vênus em peles) para um país que sofreu humilhações históricas em série. A irônica justaposição de prazer, crueldade e um trator enferrujado adiciona um floreio local único. Não se encontraria algo assim numa banca de jornais de outro país europeu. Nem em Praga, muito menos em Viena. Nem mesmo em Varsóvia seria possível. A Romênia é diferente.

Em dezembro de 2000 a Romênia foi às urnas. Num pesadelo de desagregação pós-comunista, precisavam escolher entre Ion Iliescu, um antigo apparatchik comunista, e Corneliu Vadim Tudor, nacionalista fanático. Todos os outros candidatos haviam sido eliminados no primeiro turno das eleições. Os partidos de centro, que governavam desde 1996 graças a uma coalizão precária, naufragaram numa onda de incompetência, corrupção e recriminação (seu líder, Emil Constantinescu, ex-reitor da universidade, nem se deu o trabalho de lançar a candidatura a um segundo mandato). Os romenos elegeram Iliescu com uma vantagem de dois votos para um; ou seja, um em três eleitores preferiram Tudor. O programa dele juntava nostalgia irredentista com ataques à minoria húngara — cerca de 2 milhões de pessoas numa população de 22 milhões — e abraçava abertamente o antissemitismo. As revistas que o apoiavam publicavam charges com caricaturas preconceituosas e escatológicas de húngaros, judeus e ciganos. Teriam sido proibidas em várias democracias ocidentais.

Tanto Tudor quanto Iliescu tinham raízes profundas na política romena pré-1989. Tudor era o mais conhecido adulador literário de Nicolae Ceauşescu, compondo odes à glória do líder antes de realizar a fácil passagem do comunismo nacional para o ultranacionalismo. Fundou o Grande Partido Romeno em 1991, com remessas de imigrantes romenos. Ion Iliescu é um dos comunistas do alto escalão que se voltaram contra Ceauşescu e manipularam uma revolução tida como encenada em benefício próprio. Presidente da Romênia entre 1990 e 1996, antes de vencer novamente em 2000, ele é popular no campo — especialmente na região da Moldávia, onde seu retrato pode ser visto em todos os lugares. Até liberais urbanos votaram nele, tapando o nariz (pois a alternativa era Tudor). Existem homens assim em todos os países do Leste Europeu, mas só na Romênia eles se deram tão bem. Por quê?

Por qualquer critério a Romênia está quase no fundo do poço europeu (acima apenas de Moldova, Belarus e Ucrânia). Em 1998, a economia romena, definida pelo produto interno bruto per capita, ocupava a posição de número 87 no cenário mundial, abaixo da Namíbia e acima do Paraguai (a Hungria está na posição 58). A expectativa de vida na Romênia é menor do que em qualquer lugar da Europa Central e Oriental: para os homens, apenas 66 anos, menor do que em 1989, e dez anos abaixo da média da UE. Calcula-se que dois em cada cinco romenos vivam com menos de US$30 por mês (em comparação, no Peru o salário mínimo mensal é de US$40). Por todos os indicadores convencionais, a Romênia hoje pode ser comparada a regiões da antiga União Soviética (com exceção dos países bálticos, que estão muito à frente), e foi ultrapassada até pela Bulgária. De acordo com uma pesquisa feita pela revista The Economist no ano 2000, a “qualidade de vida” na Romênia está classificada entre a Líbia e o Líbano. A União Europeia reconheceu isso tacitamente: o Comitê de Relações Exteriores do Parlamento Europeu classifica a Romênia como o último dos países candidatos à UE, em queda rápida.

Nem sempre foi assim. A Romênia não somente possuía uma indústria petrolífera florescente, como também uma agricultura rica e diversificada. Era um país com aspirações cosmopolitas. Até hoje os visitantes de Bucareste podem vislumbrar um passado melhor. Entre os anos 1870 e a Primeira Guerra Mundial a cidade mais que dobrou de tamanho. Alguns bulevares construídos então, e no intervalo entre as guerras, notadamente a Calea Victoria, no centro, na época chegaram a ser comparados com os originais franceses nos quais se inspiraram. A alegação muito difundida de Bucareste, de ser a “Paris do Leste”, não é totalmente espúria. A capital da Romênia teve iluminação a óleo nas ruas antes de Viena, e a primeira iluminação elétrica em 1882, bem antes de muitas cidades da Europa Ocidental. Na capital, e em algumas cidades do interior — Iai, Timisoara —, o charme decadente das antigas residências e dos parques públicos sobreviveu à depredação comunista, embora por pouco.

Pode-se falar de modo comparável sobre Praga ou Budapeste. Mas a República Tcheca e a Hungria, assim como a Polônia, a Eslovênia e os países bálticos, estão se recuperando de forma inesperada de um século de guerra, ocupação e ditadura. Por que a Romênia é diferente? A primeira impressão é de que não é diferente, e sim igual — apenas muito pior. Todas as sociedades pós-comunistas apresentam divisões e ressentimentos profundos; mas só na Romênia isso levou à violência pesada. Primeiro, no levante contra Ceauşescu, em que centenas de pessoas morreram; depois, nos conflitos étnicos de rua em Târgu-Mures, em março de 1990, quando oito pessoas foram mortas e cerca de trezentas feridas, em ataques orquestrados contra a minoria húngara local. Mais tarde, em Bucareste, em junho de 1990, mineiros das minas do vale de Jiu foram levados de ônibus pelo presidente Ion Iliescu (o mesmo) para espancar estudantes que protestavam: houve 21 mortos e 650 feridos.

Em todas as sociedades pós-comunistas alguns dos antigos membros da nomenklatura conseguiram tramar sua volta a posições influentes. Na Romênia fizeram uma transição bem mais fluente do que em outros lugares. Como ex-secretário do Comitê Central, Iliescu supervisionou a remoção dos Ceauşescus (cujos julgamentos e execuções no dia de Natal de 1989 só foram exibidos na televisão três meses depois); formou a “Frente de Salvação Nacional”, que assumiu o poder sob seu comando; reciclou-se como “bom” comunista (em contraste com o “mau” Ceauşescu); e estimulou a desatenção coletiva para a história recente. Em comparação com a Polônia, Hungria ou Rússia, ocorreram raras investigações do passado comunista: durante muitos anos os esforços para criar uma “comissão Gauck” romena (inspirada no exame alemão dos arquivos da Stasi) para investigar as atividades da Securitate esbarrou em interferências e oposição dos altos escalões governamentais.

Transformar uma economia disfuncional tutelada pelo Estado em algo semelhante a interações humanas normais se mostrou complicado em todas as partes. Na Romênia foi pior ainda. Enquanto outros governantes do final da era comunista tentaram subornar os cidadãos com bens de consumo obtidos graças a empréstimos externos, sob Ceauşescu a “terapia de choque” defendida após 1989 na Polônia e em outros lugares já vinha sendo aplicada havia uma década, com objetivos perversos. Os romenos eram tão pobres que não tinham cintos para apertar; eles dificilmente poderiam ser tentados com a recompensa de progresso a longo prazo. Em vez disso, como a Albânia e a Rússia, a Romênia pós-comunista caiu na armadilha do mercado da satisfação instantânea, na forma dos esquemas de pirâmides que prometiam imensos ganhos de curto prazo sem riscos. No auge, uma dessas operações, a “Caritas”, que durou de abril de 1992 a agosto de 1994, chegou a cerca de 4 milhões de participantes — quase 1/5 da população. Como a privatização “legítima”, essas pirâmides serviam principalmente para canalizar dinheiro particular para as máfias baseadas nas antigas redes do partido e dos serviços de segurança.

O comunismo foi um desastre ecológico em todos os lugares, mas na Romênia sua desordem mostrou-se mais difícil de superar. Nas cidades industriais da Transilvânia — lugares como Hunedoara ou Baia Mare, onde um vazamento recente da mina de ouro Aural no rio Tisza envenenou parte do ecossistema do médio Danúbio — pode-se sentir a poluição no ar que se respira, notei numa recente visita ao local. A catástrofe ambiental é provavelmente comparável à ocorrida em partes da Alemanha Oriental ou do norte da Boêmia. Contudo, na Romênia a extensão foi maior: áreas inteiras do país estão infestadas de enormes siderúrgicas enferrujadas, refinarias de petróleo abandonadas e fábricas de cimento decadentes. A privatização das empresas estatais economicamente deficitárias foi muito mais difícil na Romênia, em parte porque os antigos dirigentes comunistas conseguiram vender as melhores empresas para eles mesmos, e também porque o custo de limpar a água poluída e o solo contaminado é proibitivo, afugentando as poucas companhias estrangeiras que demonstraram interesse inicial.

O final do comunismo trouxe consigo, em praticamente todos os países, um início de memória. Na maioria dos lugares isso começou pela glorificação compensatória da era pré-comunista, com o passar do tempo dando vez a uma discussão cautelosa de temas políticos sensíveis do passado nacional, temas sobre os quais os comunistas se conservavam tão tipicamente silenciosos quanto os nacionalistas. Um dos mais dolorosos era a experiência da Segunda Guerra Mundial e a colaboração com os alemães — notadamente em seu projeto de extermínio dos judeus. O debate aberto sobre esses temas foi profundo na Polônia. Na Romênia mal começou.

A Romênia se manteve formalmente neutra nos estágios iniciais da Segunda Guerra Mundial; todavia, sob a ditadura militar do marechal Ion Antonescu, o país se alinhou com Hitler em novembro de 1940, aderindo com entusiasmo à invasão nazista da União Soviética, contribuindo com mais tropas e baixas que qualquer dos outros aliados europeus da Alemanha. Em maio de 1946, com a Romênia sob firme tutela soviética, Antonescu foi julgado e executado como criminoso de guerra. Ele foi recentemente ressuscitado em alguns círculos da Romênia pós-comunista como herói nacional: erigiram estátuas e inauguraram placas comemorativas em sua homenagem. Muita gente sente desconforto em relação a isso, mas poucos prestam a devida atenção ao que seria em praticamente qualquer outro lugar o feito mais constrangedor que deu fama a Antonescu: sua contribuição para a Solução Final da questão judaica.

A posição romena convencional sempre fora que Antonescu, apesar de seus múltiplos pecados, salvara os judeus romenos. E isso é verdade no que diz respeito aos 441 mil judeus listados no censo de 1942, pois a esmagadora maioria sobreviveu, graças à tardia percepção de Antonescu de que Hitler perderia a guerra; consequentemente ele suspendeu os planos de enviá-los aos campos de extermínio. Mas a lista não inclui centenas de milhares de judeus residentes na Bessarábia e na Bukovina, nem em territórios romenos cedidos a Stalin na humilhação de 1940, e reocupados triunfalmente pelas tropas romenas (e alemãs) após 22 de junho de 1941. No caso os romenos colaboraram com os alemães e os superaram em deportar, torturar e matar todos os judeus sob seu controle. Foram soldados romenos que enterraram vivos 19 mil judeus em Odessa, em outubro de 1941; que fuzilaram mais 16 mil em valas comuns nas imediações de Dalnick; e que maltrataram os judeus transportados através do rio Dniéster com tanto sadismo que até os alemães reclamaram.

No final da guerra o Estado romeno havia assassinado ou deportado mais da metade da população judia sob sua jurisdição. Era uma política deliberada. Em março de 1943, Antonescu declarou: “A operação vai continuar. Por mais difícil que seja nas presentes circunstâncias, precisamos atingir a completa romenização. Precisamos completar isso até o final da guerra.” E foi Antonescu quem permitiu o pogrom em Iasi (a capital da Moldávia, no nordeste do país) em 29 e 30 de junho de 1941, quando pelo menos 7 mil judeus foram assassinados. Foi Antonescu quem ordenou, em julho de 1941, que cinquenta “judeus comunistas” fossem exterminados para cada soldado romeno morto pela resistência. E foi a Romênia, não ocupada, que acompanhou os nazistas passo a passo na Solução Final, das definições legais até a extorsão e deportação para o extermínio em massa.

Se a Romênia mal começou a analisar seu papel no Holocausto, isso não acontece apenas por estar o país alguns anos atrás do resto da Europa no que diz respeito a confrontar o passado. Acontece também por ser realmente um pouco diferente. O projeto de liquidar os judeus estava intimamente vinculado ao antigo conceito de “romenizar” o país, de uma forma que não ocorria no antissemitismo existente no resto da região. Para muitos romenos os judeus eram a chave para todos os problemas prementes de identidade do país, pelos quais a história e a geografia seriam igualmente responsáveis.

Os camponeses que falavam romeno viviam nos territórios da Romênia atual e adjacências havia muitos séculos. Mas o Estado romeno é comparativamente recente. Os romenos foram, por vários séculos, governados alternadamente pelos três grandes impérios da Europa Oriental: o russo, o austro-húngaro e o otomano. Os turcos exerceram o domínio sobre a Valáquia (onde se situa Bucareste) e sobre a Moldávia, no nordeste. Os húngaros e depois os Habsburgo governaram a Transilvânia a noroeste, e conquistaram a vizinha Bukovina (até então parte da Moldávia), dominada pelos turcos em 1775.

Os russos, por sua vez, pressionaram os governantes otomanos em declínio para que entregassem o controle efetivo daquela região estratégica. Em 1812, com o Tratado de Bucareste, o tzar Alexandre I forçou o sultão Mahmud II a ceder a Bessarábia, então parte da Moldávia Oriental. A “Romênia”, nesta altura, sequer existia como expressão geográfica. Mas em 1859, tirando proveito da contínua decadência turca e da recente derrota da Rússia na Guerra da Crimeia, a Moldávia e a Valáquia se uniram para formar os Principados Unidos (rebatizados de Romênia em 1861), embora só em 1878, após a derrota dos turcos pelos russos, o país tenha declarado independência plena, e apenas em 1881 as Grandes Potências reconhecessem sua existência.

Depois disso, até o Tratado de Versalhes, o antigo reino romeno, ou Regat, restringia-se à Moldávia e à Valáquia. Mas, na esteira da derrota dos três impérios do Leste Europeu na Primeira Guerra Mundial, a Romênia obteve, em 1920, a Bessarábia, a Bukovina e a Transilvânia, bem como parte do norte da Bulgária. Como resultado, o país cresceu de 138 mil quilômetros quadrados para 295 mil quilômetros quadrados, dobrando a população. O sonho da Grande Romênia — “do Dniéster até o Tisza” (isto é, da Rússia até a Hungria) nas palavras do poeta nacional Mihai Eminescu — fora alcançado.

A Romênia tornou-se um dos maiores países da região. Mas os tratados de Versalhes, ao conceder aos nacionalistas seu sonho, também legou a eles vizinhos irredentistas vingativos por todos os lados, e uma grande população minoritária (que da noite para o dia cresceu de 8% para 27%) de húngaros, alemães, ucranianos, russos, sérvios, gregos, búlgaros, ciganos e judeus — alguns dos quais separados de sua terra natal por alterações nas fronteiras, e outros que não tinham para onde ir. Como a recém-formada Iugoslávia, a Romênia era pelo menos tão etnicamente diversificada quanto qualquer dos impérios precedentes. Mas os líderes nacionalistas romenos insistiam em definir o Estado-nação como etnicamente homogêneo. Residentes não romenos — duas em cada sete pessoas — eram “estrangeiros”.

O resultado foi uma obsessão caracteristicamente romena pela identidade.8 Como boa parte das minorias vivia em cidades e seguia carreira no comércio ou nas profissões liberais, os nacionalistas associavam a romenidade com o campo. Como havia um vínculo estreito entre linguagem, etnia e religião em cada uma das minorias (judeus que falavam iídiche, húngaros católicos e luteranos, alemães luteranos etc.), os nacionalistas insistiam que os verdadeiros romenos eram cristãos (ortodoxos). E como a maior aquisição da Grande Romênia, a Transilvânia, era ocupada havia muito por húngaros e romenos, os nacionalistas (e não só eles) davam extrema importância às origens “dácias” remotas.

Hoje a “questão judaica” foi em larga medida resolvida — havia cerca de 760 mil judeus na Grande Romênia em 1930; hoje restam apenas alguns milhares.10 A minoria alemã foi vendida para a Alemanha Ocidental por Ceauşescu por valores entre 4 mil e 10 mil marcos alemães por pessoa, dependendo da idade e qualificação; entre 1967 e 1989, 200 mil pessoas etnicamente alemãs deixaram a Romênia por este esquema. Só os 2 milhões de húngaros (a maior minoria oficial da Europa) e um número desconhecido de ciganos permanece. Mas o amargo legado da “Grande Romênia” entre as duas guerras persiste.

Num recente artigo para o Le Monde, sintomaticamente intitulado “Europe: la plus-value roumaine” (Europa: a mais-valia romena), o atual primeiro-ministro Adrian Năstase exalta os romenos famosos que contribuíram para a cultura europeia e especialmente a francesa no decorrer dos anos: Eugène Ionescu, Tristan Tzara, E. M. Cioran, Mircea Eliade… Mas Cioran, e principalmente Eliade, eram intelectuais proeminentes, representantes da extrema-direita nos anos 1930, ardentes defensores da Guarda de Ferro de Corneliu Zelea Codreanu. Eliade, pelo menos em suas memórias falazes seletivas, nunca sequer insinuou arrependimento. Esse dificilmente seria um momento propício para invocá-lo como parte das reivindicações romenas de respeito internacional.

Năstase não estava defendendo Eliade. Tentava apenas, desajeitadamente, lembrar aos leitores ocidentais o quanto a Romênia é europeia. Mas é revelador que ele não sinta nenhuma hesitação em convocar Eliade para sua causa. Eliade, como o diarista judeu Mihail Sebastian, era um dos admiradores e seguidores de Nae Ionescu, o mais influente dos pensadores do entreguerras atraído pelo misticismo revivalista dos fascistas romenos. Foi Ionescu, em março de 1935, quem encapsulou com precisão a paranoia cultural romena contemporânea: “Uma nação é definida pela equação amigo-inimigo.” Outro apoiador foi Constantin Noica, um pensador recluso que continuou na Romênia durante boa parte da era Ceauşescu e tem admiradores entre os mais conhecidos acadêmicos e escritores da Romênia contemporânea. Noica também suprimiu sua participação na Guarda de Ferro durante os anos 1930.

O legado de dissimulação deixou muitos romenos instruídos bastante confusos quando à legitimidade de sua herança cultural: se Eliade é um ícone cultural europeu, o que pode haver de tão errado em sua visão sobre uma ameaça não cristã a uma comunidade nacional harmônica? Em março de 2001 falei a respeito da “Europa” em Iasi, para uma plateia intelectual de estudantes, professores e escritores. Um senhor idoso, que perguntou se poderia formular sua questão em italiano (a discussão transcorria em inglês e francês), queria saber se eu concordava que o único futuro para a Europa estava em restringi-la a “pessoas que acreditavam em Jesus Cristo”. Não se ouve uma pergunta assim na maior parte da Europa, atualmente.

A experiência do comunismo não mudou o problema romeno, mas o agravou. Assim como os políticos e intelectuais romenos se ressentiam da posição ocupada por seu país no contexto geral — achando que os húngaros, os russos ou os judeus eram inimigos jurados e dispostos a destruir o país —, o Partido Comunista Romeno era inseguro e paranoico, mesmo para os padrões dos partidos comunistas espalhados pela Europa Oriental.

Neste caso os próprios comunistas eram majoritariamente húngaros, russos e/ou judeus. Só depois de 1944 o partido teve um líder etnicamente romeno, Gheorghe Gheorghiu-Dej — pois uma das estratégias compensatórias dos comunistas romenos, uma vez instalados no poder, era se esconderem sob o manto do nacionalismo. Dej deu início ao processo no final dos anos 1950, distanciando-se dos soviéticos em nome dos interesses romenos; Ceauşescu, que o sucedeu em 1965, apenas foi mais longe ainda.

Isso levou a um desfecho pelo qual o Ocidente deve assumir alguma responsabilidade. O comunismo na Romênia, mais sob Dej do que com Ceau¦escu, era maldoso e repressivo — as prisões em Pitesti e Sighet, as colônias penais no delta do Danúbio e os trabalhos forçados em Danúbio-Canal do Mar Negro, eram piores do que qualquer presídio da Polônia ou mesmo da Tchecoslováquia, por exemplo.17 Mas, em vez de condenar os ditadores romenos, os governos ocidentais os estimularam de várias formas, vendo nos autocratas antirrussos de Bucareste o germe de um novo Tito.

Richard Nixon tornou-se o primeiro presidente norte-americano a visitar um país comunista, ao chegar a Bucareste em agosto de 1969. Encantado com Nicolae Ceauşescu durante uma visita à Romênia em 1978, o senador George McGovern o elogiou como “um dos mais dedicados defensores mundiais do controle de armamentos”; o governo britânico convidou Ceauşescu para uma visita oficial no mesmo ano; e até em setembro de 1983, quando a pavorosa verdade sobre o regime de Ceauşescu já era amplamente conhecida, o vice-presidente George Bush o descreveu como “um dos bons comunistas da Europa”.

O Comunismo Nacional (“Ele pode ser comunista, mas é nosso comunista”) valeu a pena para Ceauşescu, e não só por ele ter trocado gentilezas com Richard Nixon e com a rainha da Inglaterra. A Romênia foi o primeiro país do pacto de Varsóvia a entrar no Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio, o GATT (em 1971), no Banco Mundial e no FMI (1972), a obter tarifas preferenciais de comércio na Comunidade Europeia (1973) e a receber dos Estados Unidos status de nação mais favorecida (1975). A aprovação ocidental minou a oposição interna, tal que fosse. Nenhum presidente nos Estados Unidos exigiu de Ceauşescu que “deixasse a Romênia ser romena”.

Mesmo que um movimento romeno nos moldes do Solidariedade tivesse surgido, dificilmente receberia apoio ocidental. Já que o líder romeno vivia criticando os russos e mandou suas ginastas para a Olimpíada de Los Angeles, os norte-americanos e outros calaram-se a respeito de seus crimes internos (pelo menos até a ascensão de Mikhail Gorbatchev, depois do qual um ditador independente deixou de ser útil ao Ocidente). Na verdade, quando Ceauşescu decidiu, no início dos anos 1980, pagar a imensa dívida externa romena sufocando o consumo doméstico, o FMI não se cansou de elogiá-lo.

Os romenos, contudo, pagaram um preço terrível pela liberdade de manobra de Ceauşescu. Para aumentar a população — uma tradicional obsessão romena —, em 1966 ele proibiu o aborto para mulheres com menos de 40 anos e menos de quatro filhos (em 1986 o limite de idade subiu para 45 anos). Em 1984 a idade mínima para o casamento foi reduzida a 15 anos, para as mulheres. Exames médicos mensais compulsórios para todas as mulheres em idade de gerar filhos foram introduzidos para evitar o aborto, que era permitido, de todo modo, apenas na presença de um representante do partido. Os médicos dos distritos com taxa de natalidade reduzida recebiam cortes nos salários.

A população não cresceu, mas a taxa de mortalidade em consequência de abortos superou em muito a de qualquer outro país europeu: como única forma disponível de controle de natalidade, os abortos ilegais eram realizados em massa, com frequência nas condições mais perigosas e inadequadas. Em 23 anos a lei de 1966 resultou na morte de 10 mil mulheres, no mínimo. A taxa real de mortalidade infantil era tão alta que, após 1985, os nascimentos não eram oficialmente registrados até a criança completar quatro semanas — a apoteose do controle comunista da informação. Quando Ceauşescu foi derrubado, a taxa de mortalidade de recém-nascidos era de 25 por mil nascimentos, e havia mais de 100 mil crianças institucionalizadas — um número que se mantém até hoje. No final do século XX, no departamento de Constanta, no leste, as crianças abandonadas, desnutridas e doentes absorvem 25% do orçamento.

O detonador desta tragédia nacional foi uma economia deliberadamente voltada para a privação. Para pagar credores ocidentais, Ceauşescu obrigou seus cidadãos a exportar todas as commodities disponíveis produzidas internamente. Os romenos foram obrigados a usar lâmpadas de 40 kilowatts em casa, para que a energia fosse exportada para a Itália e a Alemanha. Carne, açúcar, farinha, ovos e muitos outros itens eram racionados. Cotas fixas foram criadas para o trabalho público obrigatório nos domingos e feriados (a corvée, como era conhecida no ancien régime da França). O uso de gasolina foi reduzido ao mínimo, e um programa de criação de cavalos para substituir veículos motorizados começou em 1986.

Quem viaja pela Moldávia ou Transilvânia rural hoje em dia, 15 anos depois, vê as consequências: carroças puxadas por cavalos são o principal meio de transporte, e a colheita é feita com foice e ceifadeira. Todos os sistemas socialistas dependiam de um controle centralizado da escassez produzida sistemicamente. Na Romênia, uma economia baseada no investimento excessivo em indesejada estrutura industrial mudou da noite pro dia para outra, baseada na subsistência agrícola pré-industrial. A viagem de volta será longa.

A política econômica de Nicolae Ceauşescu exibia uma certa lógica perversa — a Romênia, afinal de contas, pagava seus credores internacionais — e não faltavam precedentes atenuados nos tempos pré-comunistas. Mas os projetos de urbanização foram simplesmente criminosos. A proposta “sistematização” de metade dos 13 mil vilarejos romenos (escolhidos desproporcionalmente nas comunidades minoritárias) em 558 agrovilas teria destruído o que restava do tecido social do país. A destruição que foi realizada em uma parte de Bucareste do tamanho de Veneza arruinou a aparência da cidade. Quarenta mil prédios foram demolidos para abrir espaço para a “Casa do Povo”, e o bulevar Vitória do Socialismo, com 5 quilômetros de extensão e 150 metros de largura. O primeiro, projetado para ser o palácio pessoal de Ceauşescu por uma arquiteta de 25 anos, Anca Petrescu, está além do kitsch. Na frente de um espaço disforme, em semicírculo, capaz de abrigar meio milhão de pessoas, é um edifício tão grande (a área de recepção é do tamanho de um campo de futebol), tão feio, pesado, cruel e de mau gosto que seu único valor seria possivelmente metafórico.

Nisso pelo menos apresenta algum interesse, como grotesca contribuição romena ao urbanismo totalitário — um gênero no qual Stalin, Hitler, Mussolini, Trujillo, Kim Il Sung e finalmente Ceauşescu se destacaram. O estilo não é nem local nem estrangeiro — de todo modo, é tudo fachada. Atrás dos frontispícios brancos do bulevar da Vitória do Socialismo, há o costumeiro cinza sujo do concreto pré-moldado, e a poucas centenas de metros há os lamentáveis conjuntos habitacionais e ruas esburacadas. Mas as fachadas são agressiva, humilhante e impiedosamente uniformes, um lembrete de que o totalitarismo é sempre sobre a mesmice; talvez por isso tenha um apelo especial a um ditador monomaníaco numa terra onde a mesmice e a “harmonia” — e o contraste com a “diferença” estrangeira — constituíam uma preocupação política de longa data.

E onde, portanto, a Romênia se encaixa no esquema europeu? Não pertence à Europa Central no sentido geográfico (Bucareste está mais perto de Istambul do que de qualquer capital da Europa Central). Tampouco faz parte da “Europa Central” de Milan Kundera: antigos territórios dos Habsburgo (Hungria, Tchecoslováquia, Galícia) — um “Ocidente sequestrado” — engolfados pelo império soviético. O viajante pela Transilvânia atual pode dizer que está na Europa Central — arquitetura doméstica e religiosa, presença de minorias linguísticas, até uma certa (ou incerta) prosperidade evocam a região a que um dia pertenceu. Mas ao sul e ao leste dos montes Cárpatos a história é outra. Exceto em antigas cidades imperiais, como Timisoara, nos limites ocidentais do país, até mesmo o conceito de “Europa Central” possui pouco apelo para os romenos.

Quando os romenos instruídos do Antigo Reino se voltavam para o Ocidente, era para a França. Como Rosa Waldeck observou em 1942, “O horizonte romeno sempre se esgotou com a França; não sobrava espaço para mais ninguém, nem mesmo a Inglaterra.”23 A língua romena é latina; a administração, inspirada no modelo napoleônico; até os fascistas romenos seguiram a receita francesa, enfatizando o camponês imaculado, a harmonia étnica e um cristianismo instrumentalizado que lembra Charles Maurras e a Action Française.

A identificação com Paris era genuína — o horror de Mihail Sebastian com a notícia da derrota da França em 1940 foi amplamente compartilhado. Mas serviu também como palpável supercompensação pela situação da Romênia no círculo maior da Europa, o que o estudioso romeno Sorin Antohi chama de “bovarismo geocultural” — um pendor para pular carniça para um lugar melhor. O mais profundo medo romeno parece ser a tendência que o país tem de cair no abismo facilmente e acabar em outro continente, se é que já não fez isso. E.M. Cioran, em 1972, repassando a triste história romena, capturou este espírito: “O que mais me deprime é um mapa do império otomano. Olhando para ele, compreendo nosso passado e tudo mais.”

Uma carta aberta a Ceauşescu, escrita por comunistas dissidentes da cúpula do partido em março de 1989, revela ansiedades comparáveis: “A Romênia é e continua sendo um país europeu […] O senhor começou a mudar a geografia das áreas rurais, mas não pode transformar a Romênia em África.” No mesmo ano Eugène Ionescu, o autor teatral, descreveu sua terra natal como “a ponto de abandonar a Europa para sempre, o que significa abandonar a história”.

O império otomano se foi — talvez não tenha sido tão ruim assim, e de todo modo deixou uma marca direta menor na Romênia do que em outras áreas dos Bálcãs. Mas o futuro do país permanece nebuloso. Uma das únicas iniciativas internacionais que a Romênia poderia fazer seria tentar recuperar a Bessarábia (desde 1991 um Estado independente da Moldávia), e hoje apenas C.V. Tudor está exigindo isso. No mais, as pessoas politicamente ativas de Bucareste apostaram tudo na União Europeia. A Romênia candidatou-se pela primeira vez em 1995, sendo rejeitada dois anos depois (uma humilhação que, junto com o balde de água fria da Otan, provavelmente selou o destino do governo de centro-direita). Em dezembro de 1999 a UE finalmente convidou a Romênia (ao lado da Bulgária, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Malta e Turquia) para iniciar as negociações de adesão.

Ao lado da Bulgária, a Romênia finalmente entrou para a União Europeia em 1º de janeiro de 2007. Mas será um osso duro de roer para Bruxelas. As dificuldades enfrentadas pela República Federal da Alemanha para absorver a antiga RDA serão pequenas em comparação ao custo para a UE integrar e modernizar um país com 22 milhões de habitantes em condições iniciais muito piores. A participação da Romênia na UE provocará dores de cabeça. Investidores ocidentais sem dúvida continuarão a olhar para Budapeste, Varsóvia ou Praga. Mas quem colocará seu dinheiro em Bucareste? Hoje em dia o único país com comércio significativo com a Romênia é a Itália; os alemães têm bem menos transações, e a França — que ironia! — vem bem atrás.

A Romênia atual, não obstante os esforços do sr. Năstase, pouco acrescenta à Europa. Ao contrário de Budapeste ou Praga, Bucareste não faz parte de uma Europa Central integrada que foi desmembrada pela história; ao contrário de Varsóvia ou Liubliana, não é um posto avançado da Europa católica. A Romênia é periférica, e o resto da Europa deve ganhar pouco com sua presença na União. Deixá-la de fora seria constrangedor, mas não uma ameaça. Exatamente por esta razão, porém, a Romênia é a verdadeira prova para a UE.

Até agora a participação na CEE/CE/UE foi estendida a países já considerados plenamente europeus. No caso da Finlândia ou da Áustria, a entrada na União apenas confirmou sua posição natural. O mesmo valerá para a Hungria e a Eslovênia, com o tempo. Mas se a União Europeia quiser ir mais longe, ajudando a tornar “europeus” países que não o são — e isso está implícito em sua postura internacional e seus critérios de participação —, ela terá de lidar com os casos mais complicados.

A Romênia talvez seja o mais difícil: um lugar que só poderá superar seu passado tornando-se “europeu”, o que significa obviamente entrar para a União Europeia o mais cedo possível. Mas nunca houve qualquer perspectiva de a Romênia atender aos critérios de participação antes de sua entrada. Portanto, Bruxelas está sendo obrigada a deixar de lado sua insistência para que os países candidatos aceitem normas “europeias” antes de serem convidados para o clube. No caso da Romênia, não há alternativa. A entrada da Romênia custará à Europa Ocidental muito dinheiro e exporá a União aos males da extrema Europa Oriental. Em resumo, deverá ser um ato de evidente altruísmo coletivo, ou pelo menos de interesse altamente erudito.

Contudo, sem esta disposição de estender os benefícios aos que realmente deles necessitam, a União seria uma farsa — para si e para os que nela confiam. A mera perspectiva de participação, porém, levou a melhorias para a situação da minoria húngara na Transilvânia e reforçou a posição dos reformistas — sem pressão de Bruxelas, o governo de Bucareste jamais teria superado as objeções da Igreja Ortodoxa, por exemplo, e reformado as leis vergonhosas contra o homossexualismo. Como no passado, a pressão internacional promoveu o bom comportamento romeno.26 Como no passado, o desapontamento internacional quase certamente custaria algo em casa.

Em 1934, R.W. Seton-Watson, o historiador inglês do sudeste da Europa, escreveu: “Duas gerações de paz e governo decente podem fazer da Romênia um paraíso na terra.” Talvez seja pedir muito, no momento (embora isso mostre o quanto o país decaiu). Mas a Romênia precisa de uma oportunidade. O medo de “naufragar na periferia da história numa democracia balcanizada” (nas palavras de Eliade), contudo, é real, por mais perversos que tenham sido os rumos seguidos por este medo no passado. “Alguns países”, segundo E.M. Cioran, recordando o século XX romeno, “foram abençoados com uma espécie de graça: tudo funciona para eles, até seus infortúnios e suas catástrofes. Há outros para os quais nada dá certo, e cujos triunfos não passam de fracassos. Quando tentam se afirmar e dar um passo à frente, um episódio externo intervém para quebrar seu ritmo e recuá-los a seu ponto de partida”.

Este ensaio sobre a condição e as perspectivas para a Romênia foi publicado inicialmente no New York Review of Books em novembro de 2001. Desde então foi republicado na Romênia, onde provocou certo desconforto — inclusive pelo título algo provocativo da versão do NYR: “Romênia: no fundo do poço.” Entre a considerável correspondência privada gerada por este ensaio há pelo menos uma carta elogiosa… da princesa Brianna Caradja (a aristocrata desnuda descrita no parágrafo de abertura).

JUDT, Tony, Reflexões sobre um século esquecido, 1901-2000. Trad. de Celso Nogueira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.


NOTAS

1 Sou profundamente grato ao professor Mircea Mihăieş por chamar a minha atenção para a Plai cu Boi.

2 Para uma excelente discussão sobre a política de Tudor e uma seleção de charges da Politica e da România Mare, ver “Le Parti de la Grande Roumanie, doctrine et rapport au passé: le nationalisme dans la transition post-communiste”, de Iris Urban, Cahiers d’études, nº 1 (Bucareste: Institut Roumain d’Histoire Récente, 2001). Ver também, de Alina Mungiu-Pippidi, “The Return of Populism — The 2000 Romanian Elections”, Government and Oppositon 36, nº 2 (primavera 2001) p.230-52.

3 Ver dados em The Economist: World in Figures. Londres: edição de 2001.

4 Para um relato ilustrativo da vida na Bukovina do entreguerras, após sua união com a Moldávia em 1920, ver, de Gregor von Rezzori, The Snow of Yesteryear (Nova York: Vintage, 1989).

5 A infame prisão de Sighet, na região de Maramures, fronteira setentrional com a Ucrânia, foi transformada em memorial e museu. Há cobertura completa dos sofrimentos dos muitos presos políticos da Romênia comunista, e poucas referências ao papel ainda mais notório de Sighet como local de baldeação para os judeus da Transilvânia a caminho de Auschwitz. Não foi obra dos romenos — a região fora devolvida à Hungria por Hitler em agosto de 1940 —, mas o silêncio é eloquente.

6 “O comportamento de certos representantes do exército romeno, detalhados no relatório, diminuirá o respeito pelas forças armadas romenas e alemãs aos olhos do público [sic], aqui e no mundo inteiro.” Chefe do Estado-maior, XI Exército Alemão, 14 de julho de 1941, citado por Matarias Carp, Holocaust in Romania: Facts and Documents on the Annihilation of Romania’s Jews (Bucareste: Atelierele Grafice, 1946; reimpresso por Simon Publications, 2000), p.23, nota 8. Há um comovente relato da deportação de judeus da Bukovina e Bessarábia, do pogrom em Iasi e do comportamento dos soldados romenos em Kaputt, de Curzio Malaparte (Evanston, IL: Northwestern University Press, 1999; publicado inicialmente em 1946).

7 Ver, de Carp, Holocaust in Romania, p.42, nota 34, e p.108-9. Radu Ioanid aceita a cifra de 13.266 vítimas do pogrom de Iasi, baseando-se em estimativas da época. Ver o cuidadoso e informativo Holocaust in Romania: The Destruction of Jews and Gypsies Under the Antonescu Regime, 1940-1944 (Chicago: Ivan R. Dee, 2000), p.86.

8 Ver, de Irina Livezeanu, Cultural Politics in Greater Romania: Regionalism, Nation Building and Ethnic Struggle, 1918-1930 (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1995), um livro importante.

9 A referência é à província romana da Dácia. Os antiquários romenos alegam que as tribos dácias sobreviveram à ocupação romana e mantiveram aldeias permanentes na Transilvânia; os húngaros insistem que os magiares chegaram do Oriente no século X e encontraram a região praticamente deserta. Os romenos teriam chegado depois. A bem da verdade, os dois lados provavelmente estão errados. De todo modo, a montadora Dacia em 2000 ainda fabricava um carro romeno, o Dacia 1300 — conhecido pelos franceses de meia-idade como Renault 12 (lançado em 1969). Os húngaros não têm nada tão antigo para competir.

10 Qualquer que fosse o “problema” judaico, ele pouco tinha a ver com o poder econômico judeu, real ou imaginado. O acréscimo da Bessarábia e da Bukovina em 1920 somou centenas de milhares de judeus à população da Romênia. Em sua maioria, eles eram pobres. O escritor Paul Goma, nascido na Bessarábia, descreveu assim a resposta do pai ao chamado fascista de “Abaixo os judeus!”: “Mas a que ponto mais baixo poderiam chegar nossos pobres judeus do que comerciantes no vilarejo?” Ver, de Paul Goma, My Childhood at the Gate of the Unrest (Londres: Readers International, 1990), p.64. Mesmo assim, segundo Corneliu Zelea Codreanu, fundador da Liga do Arcanjo Miguel (mais tarde Guarda de Ferro) em 1927, “A missão histórica de nossa geração é a solução do problema judeu”. Codreanu foi citado por Leon Volovici em Nationalist Ideology and Anti-Semitism: The Case of Romanian Intellectuals in the 1930s (Nova York: Pergamon, 1991), p.63. Codreanu era homicida e meio louco. Mas suas opiniões eram amplamente aceitas.

11 Em 2001 o governo húngaro aprovou uma lei de status concedendo certos direitos e privilégios nacionais aos húngaros que residiam fora dos limites do país. Isso provocou a compreensível ira dos romenos, que viam nisso uma ambição irredentista renovada da parte de Budapeste; do ponto de vista dos húngaros da Transilvânia, porém, a nova lei simplesmente oferecia a eles algumas garantias de proteção e o direito de manter sua identidade própria. Para uma profunda análise dos debates sobre identidade e sua instrumentalização política após o comunismo, ver, de Vladimir Tismaneanu, Fantasies of Salvation: Democracy, Nationalism, and Myth in Post-Communist Europe (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1998), notadamente o capítulo 3, “Vindictive and Messianic Mythologies”, p.65-88.

12 Adrian Năstase, “Europe: la plus-value roumaine”, Le Monde, 23 de julho de 2001.

13 Sobre Sebastian, Eliade e as obsessões antissemitas dos literatos de Bucareste no entreguerras, ver, de Peter Gay, a resenha da obra de Sebastian, Journal, 1935-1944: The Fascist Years (Chicago: Ivan R. Dee, 2000), no New York Review of Books, 4 de outubro de 2001. Para um exemplo representativo da visão de Eliade sobre os judeus, ver a entrada de 20 de setembro de 1939 do diário de Sebastian, na qual ele relata uma conversa com Eliade, que se mostra obcecado como sempre com o risco de “uma Romênia novamente invadida pelos judeus” (p.238). O diário de Sebastian deve ser lido paralelamente com o de outro judeu de Bucareste, Emil Dorian: The Quality of Witness: A Romanian Diary 1937-1944 (Filadélfia: Jewish Publication Society of America, 1982).

14 Sobre Noica, ver Katherine Verdery, National Ideology Under Socialism: Identity and Cultural Politics in Ceauşescu’s Romania (Berkeley: University of California Press, 1991), capítulo 7. “The ‘School’ of Constantin Noica”. Ionescu é citado por Sebastian, Journal, p.9.

15 Entre os líderes importantes do partido romeno, inicialmente exilada em Moscou e depois de volta a Bucareste, até ser expurgada em 1952, estava Ana Pauker, filha de um shochet (açougueiro ritual) moldavo. Ver, de Robert Levy, Ana Pauker: The Rise and Fall of a Jewish Communist (Berkeley: University of California Press, 2000).

16 Ver a análise abrangente de Vladimir Tismaneanu, “The Tragicomedy of Romanian Communism” Eastern European Politics and Societies 3, nº 2 (primavera de 1989), p.329-76. Kruschev, que tinha pouco tempo para os romenos, tentou confiná-los a um papel agrícola na distribuição internacional do trabalho comunista; Dej e Ceauşescu preferiram tentar a independência nacional por meio de um esforço de industrialização nos moldes stalinistas.

17 Sobre o sadismo peculiar da Romênia comunista, ver, de Matei Cazacu, “L’Expérience de Pitesti”, Nouvelle Alternative 10 (junho de 1988); e, de Lena Constante, The Silent Escape: Three Thousand Days in Romanian Prisons (Berkeley: University of California Press, 1995; publicado inicialmente em francês por Éditions La Découverte, Paris, 1990).

18 Para a versão norte-americana, ver, de Joseph F. Harrington e Bruce J. Courtney, Tweaking the Nose of the Russians: Fifty Years of American-Romanian Relations (Nova York: East European Monographs/Columbia University Press, 1991). Até a Economist, em agosto de 1966, chamou Ceauşescu de “o De Gaulle da Europa Oriental”. Quanto ao próprio De Gaulle, numa visita a Bucareste em maio de 1968 ele observou que o comunismo de Ceauşescu, embora não fosse adequado ao Ocidente, era o que provavelmente melhor se adequava à Romênia: “Chez vous un tel régime est utile, car il fait marcher les gens et fait avancer les choses.” (“Para vocês um regime assim é útil, pois leva as pessoas a se mexerem e fazerem as coisas.”) O presidente François Mitterrand, para seu crédito, cancelou uma visita à Romênia em 1982, quando seu serviço secreto o informou dos planos romenos para assassinar Paul Goma e Virgil Tanase, romenos exilados em Paris.

19 “O feto é propriedade socialista de toda a sociedade” (Nicolae Ceauşescu). Ver, de Katherine Verdery, What Was Socialism and What Comes Next? (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1996); Ceauşescu é citado na p. 65.

20 A taxa de aborto na Romênia em 2001 era de 1.107 abortos por mil nascimentos. Na UE a taxa é de 193 por mil, e nos EUA, 387 por mil.

21 E Le Corbusier.

22 Pela perspectiva da Transilvânia, Bucareste é uma cidade “balcânica”, até “bizantina”. Sou profundamente grato ao professor Mircea Mihăieş, a Adriana Babeti e ao grupo “Terceira Europa” da Universidade de Timisoara pela oportunidade de uma discussão profunda sobre esses temas, em outubro de 1998. Nossa conversa foi transcrita e publicada no ano passado, com uma generosa introdução do professor Vladimir Tismaneanu, como Europa Iluziilor(Iasi: Editura Polirom, 2000), principalmente p.15-131.

23 De R. G. Waldeck, Athene Palace (Nova York: Robert McBride, 1942; reimpresso pelo Centro de Estudos Romenos, Iasi, 1998). A citação é da edição reimpressa, p.10.

24 Sobre Cioran, ver E. M. Cioran, Oeuvres (Obras) (Paris: Gallimard, 1995), p.1779: “Ce qui m’a plus déprimé, c’est une carte de l’Empire ottoman. C’est en regardant que j’ai compris notre passé et le reste.” A carta a Ceauşescu é citada por Kathleen Verdey em National Ideology Under Socialism, p.133. Para a sombria profecia de Ionescu, ver Radu Boruzescu, “Mémoire du Mal — Bucarest: Fragments”, Martor: Revue d’Anthropologie du Musée du Paysan Roumain 5 (2000), p.182-207.

25 Notar, porém, que em 1991 Adrian Năstase (na época ministro do Exterior) se comprometeu com uma eventual reunificação “de acordo com o modelo alemão”. Da mesma forma o presidente Ion Iliescu, em dezembro de 1990, denunciou os “males causados ao povo romeno” (em 1940), e prometeu que “a história encontrará um meio de colocar as coisas completamente de volta nos eixos”. Ver, de Charles King, The Moldovans: Romania, Russia and the Politics of Culture (Stanford: Stanford University Press/Hoover Institution Press, 2000), p.149-150. A população de fala romena da desamparada Moldova não poderia querer coisa melhor. Mas a Romênia, no momento, não pode anexar um país com grandes minorias russas e ucranianas, uma renda mensal média de US$25 (quando é paga) e cujo produto de comércio internacional mais conhecido são as mulheres.

26 Repelir as leis antijudaicas foi o preço para o reconhecimento internacional do novo Estado romeno independente, em 1881. As potências de Versalhes, em 1920, fizeram dos direitos de cidadania para judeus e outros não romenos a condição para o acordo de Trianon. Nos dois casos o Estado romeno evitou endossar o espírito do tratado, mas fez concessões e avanços que não teriam ocorrido sem pressão estrangeira.

27 R. W. Seton-Watson, A History of the Romanians (Cambridge: Cambridge University Press, 1934), p.554; citado também em King, The Moldovans, p.36.

28 E. M. Cioran, “Petite théorie du destin” (de La Tentation d’Exister), Oeuvres, p.850. O original em francês diz: “Il y a des pays qui jouissent d’une espèce de bénédiction, de grâce: tout leur réussit, même leurs malheurs, même leurs catastrophes; il y a des autres que ne peuvent aboutir, et dont les triomphes équivalent à des échecs. Quand ils veulent s’affirmer, et qu’ils font un bond en avant, une fatalité extérieure pour briser leur ressort et pour les ramener à leur point de départ.”

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