Num livro recente, um autor contemporâneo, homem moral, bem pensante e bom católico, não deixava em mistério o critério principal que diferencia, a seus olhos, o homem valioso do rebanho medíocre dos seres humanos. Graças à existência desses homens de boa vontade, estimava o nosso autor, ainda há sobre a terra, apesar do que se diz, algumas razões sólidas para esperar, algumas virtudes verdadeiras ou, finalmente, alguns homens dignos desse nome, autênticos restos de uma nobreza em vias de extinção. Esses homens raros, para nosso autor, são os que “não querem tomar o mundo tal como é” (Claude Roy, Le soleil sur la terre). Sem querer prejudicar a legítima admiração que merece, talvez possamos tachar de pessimista o autor deste profundo pensamento. Que se tranquilize, então, porque esses homens dignos, segundo seu coração, ainda existem em número suficientemente grande, e que não parece ter que diminuir.
Este rechaço a “tomar o mundo tal como é” é naturalmente muito estimável aos olhos de todo “homem de boa vontade”, e entendo por isso o tipo médio do homem moral, que define com bastante exatidão o ponto de partida de todo caminho moral, quaisquer que possam ser as diferenças ideológicas. Já que a fonte de toda tristeza e de todo desespero reside, e tentamos demonstrá-lo, na simples análise do real, e a partir disso em todo seu conteúdo na simples noção de realidade, se subentende que, para o homem incapaz de superar sua tristeza, e isso é o típico do homem moral, toda forma e pensamento e ideologia que lhe permita viver supõe, necessariamente, como condição, uma tomada de perspectiva em relação ao real. Se deve ser moral, se deve estar cheio de promessas e razões para esperar, o sol não poderia brilhar sobre a terra senão com esta condição. Esta primeira revolta frente ao dado é portanto, um instinto comum a todas as formas de moralismo, seja o de Catão, o de Cícero, o do cristianismo, do laicismo, do ateísmo, do protestantismo, do comunismo, do liberalismo, do existencialismo, do islão ou de Buda; e se esquecemos de algum, que nos perdoem. Este instinto comum poderá, de agora em diante, tomar para nós um valor de definição. Denomino moral toda forma de pensamento que se sacrifica pela tentação de introduzir entre ele e o real a muralha de uma representação qualquer de ideias ou palavras, dessas palavras sobre as quais Marcel Aymé dizia que têm o estranho poder de “manter-se à distância das verdades mais resplandecentes”.
Então há, certamente, múltiplas e diversas formas de moralismo, que podem aparecer inclusive como antitéticas e contraditórias; mas nunca houve nem haverá mais que uma única e mesma tentação moral, que é a debilidade e a mediocridade, a insuficiência energética ou afetiva que conduz a negar, ab initio, tudo aquilo que não se pode tolerar. Assim como diante de um mal, qualquer um, a primeira tentação, antes de tentar enfrentá-lo, é amiúde a esperança irracional de considerá-lo irreal, de fazer como se não tivesse ocorrido efetivamente, como se ainda fosse possível evitá-lo; do mesmo modo, diante do real, a tentação moral é, sem cessar, tentar questioná-lo de modo absurdo, sustentando, como um argumento afetivo, seu caráter doloroso e inadmissível para então autorizar-se a não admiti-lo. Em sua origem, a “inclinação moral” só traduz essa tendência natural do espírito a escutar seus próprios pensamentos e desejos apenas para confrontá-los com algo real, um presente, algo dado, do qual só conserva uma consciência retardatária. A inclinação moral se apresenta assim como um reflexo direto da miséria humana,da qual é a expressão intelectual elaborada: quero dizer que é um eco imediato da impossibilidade trágica em que se descobrem a maioria dos espíritos de resignar-se ao que é, de aceitar sua situação. Levada ao fracasso pelo real, resta à miséria a faculdade de deixar-se abusar pelas palavras. Diga o que disser Talleyrand, a palavra foi outorgada ao homem também para que oculte seu próprio pensamento.
ROSSET, Clément, Le monde et ses remèdes (1964)