
BUCARESTE, ano de 1934. Eram ainda os tempos felizes, quando centenas e milhares de homens podiam apaixonar-se pelo livro, pelo poesia, esperando com impaciência o resultado de um concurso literário. Colunas e páginas inteiras de jornais e revistas ocupavam -se com a vida das ideias, com os planos das escritores e dos artistas. Tempos de ouro, tempos em que os ditadores de hoje, aquêles que gritam em nome da “paz”, tinham a possibilidade de editar seus livros e suas revistas, num chamado regime de “ditadura”. Maiakowsky, o poeta russo que se suicidou de tanta felicidade, era traduzido nas páginas de “Blusas azuis”, assim como o infeliz poeta búlgaro Geo Mileff era reproduzido na revista “Nova Era”, que circulava livremente. Bons tempos, quando em Bucareste podia-se escrever de noite, sem ter medo de uma visita inesperada…
Naquela época, o mais importante concurso literário era organizado pelas “Fundações Reais de Literatura e Arte”. No comêço de cada ano, de 1933 até 1945, esperava-se o comunicado da comissão julgadora. Em 1934, tres escritores obtiveram o prêmio para livros de crítica e ensaios: um deles, Constantin Noica, vive mergulhado na sombra, no país: dois acham-se no mundo livre: E. M. Cioran e Eugen Ionescu. Seus nomes são hoje em dia conhecidos no mundo inteiro e especialmente Cioran é e afamado por seus dois livros, tendo os senhores José Lins do Rego e Augusto Frederico Schmidt publicado vários artigos sabre aquele grande escritor romeno.
Muito antes do célebre concurso, lonescu era figura bastante conhecida nos meios literários, por causa de uma série de ensaios críticos, escritos num estilo brilhante, muitas vezes lembrando as páginas de Antônio de Alcântara Machado, onde tentava “destruir” todos os grandes escritores da moderna literatura nacional: o chamado “negativismo” surgiu e em várias cidades apareceram discípulos negando as maiores figuras da literatura romena. Ionescu, porém, era um critico excepcionalmente talentoso, grande contador de anedotas, as quais êle misturava nos ensaios, para ridiculizar suas vítimas. Num livro que intitulou “Não”, ele juntou cinco ou seis dêstes trabalhos ferozes — obtendo um dos prêmios da Fundação. Depois da publicação do comunicado, a editora recusou-se a publicar o livro, alegando que muitos dos escritores atacados eram importantes colaboradora da Fundação, como por exemplo o genial poeta Tudor Arghezi.
O escândalo foi tremendo. Os jovens pediram em artigos patéticos a publicação imediata do trabalho premiado, o que as Fundações recusaram. Afinal, alguém teve uma idéia “feliz”: a editora resolveu pagar a impressão do livro numa editora particular, o que aconteceu no fim do ano de 1934. Na editora “O Tempo”, de Bucareste, saiu o livro “Não”. Letras imensas, azuis, em cima de uma linda capa branca, único livro de ensaios que teve sua edição esgotada em menos de dois meses! O escândalo continuou, os mestres andavam zangados, Ionescu começou a aprender o boxe, escrevendo em alguns jornais artigos de crítica. naquele seu estilo conhecido. Se não me engano, em 1935-1939 seu nome desapareceu de circulação, bem como das revistas de literatura. Mas na critica literária, o “negativismo” ficará.
O segundo capítulo da história veio mais tarde — com discussões, e novamente com escândalo.
***
Paris, ano de 1952. Há algum tempo, Eugen Ionescu vive na França. Encontrei seu nome como tradutor do grande livro “O velho Urcan”, do novelista romeno Pavel Dan, falecido pouco antes da segunda guerra mundial. lonescu passou então a assinar de vez em quando um ensaio numa das revistas de Paris. Nos últimos meses, porém, um novo “escândalo Ionescu” apaixonou a vida intelectual parisiense. “Le Théâtre du Nouveau Lancry” apresenta usa peça intitulada “As Cadeiras”, num espetáculo de vanguarda, juntamente com “Les amants du Métro”, de Jean Tardieu. Usando as palavras de Clara Malraux, Ionescu mostra “o homem julgado por seu amor e sua mitologia”. Coisa diferente, fora do comum, uma arte mordaz, como somente a inteligência de Ionescu pode fazê-la. A crítica não gostou da peça e, conforme anuncia a revista “Arts”, ela não foi muito delicada com a peça de Ionescu. Mas a crítica não tem importância nenhuma, sobretudo quando se trata de uma nova corrente neste teatro tão antiquad, prisioneiro do lugar comum e da rotina, que esqueceu por completo a tradição de um Jarry, Toller ou Tucholsky.
Os amadores de bom teatro podem estar felizes: a discussão que começou em Paris ao redor das “Cadeiras”, chegou, incontestavelmente, a uma nova solução, e êste será o mérito de lonescu, sôbre o qual Jules Supervielle assim se manifesta, num debate que começou na revista “Arts”: “Esta peça me parece longa demais de dez minutos, mas se fizessem o corte, ficaria um texto alucinante do comêço ao fim, com o milagre da multiplicação das cadeiras…”. Nas mesmas colunas, André Alter escreve estas palavras: “As cadeiras falam do fracasso do homem ante as fronteiras do tolerável… Morra a tagarelice, viva o teatro!”, enquanto que Jean Devignaud afirma: “Creio que Sylvain Dhomme e Noël serviram muito bem a Ionescu e ao teatro contemporâneo, contrariando alguns falsos críticos. “Não posso transcrever tôdas as opiniões que surgiram na imprensa parisiense a respeito da qualidade superior da peça de lonescu, mas não posso concluir, sem citar o trecho escrito pelo grande Raymon Queneau: “Queria escrever uma linda carta. Tenho trabalho demais, para fazê-lo. Gosto muito das “Cadeiras”. Voila’. Nestas poucas palavras, o entusiasmo surge com mais fôrça do que num elogio sem fim. Paris inteiro fala sôbre “As Cadeiras” de Ionescu, que — desta maneira — disse um não firme ao mau gôsto, e a tagarelice, que êle sempre combateu, como crítico, como poeta.
Estou firmemente convencido, de que “As Cadeiras”, que infelizmente pouco conheço, será uma contribuição para o teatro, que, conforme escreveu Clara Malraux, “é lugar de experiências e não um “conservatório” de formas ultrapassadas”. Estou convencido de que Ionescu, meu caro Ionescu de Bucareste, renovará fundamentalmente a temática do verdadeiro teatro, pois bem sei que tudo que nos parece um sorriso, nas palavras de Eugen Ionescu é essência de drama.
BACIU, Ştefan, “Ionesco e ‘As Cadeiras’”, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano LII, no 18197, 19 de julho de 1952.