
Vou lendo E M. Cioran e já vou me identificando com e seu pensamento subversivo quando ele nos diz que a ilusão moderna afogou o homem nas sincopes do «devenir». E assim foi ele perdendo a sua substancia. Toda conquista — espiritual ou politica — implica em perda: toda conquista é uma afirmação. No domínio da arte, um ideal não estabelece outra coisa que a ruína daquele que foi o precursor. Cada artista verdadeiro mata o que veio antes de si. Nada de superioridade na historia: republica-monarquia; naturalismo-arte-abstrata: irracionalismo-intelectualismo. As instituições como as correntes de pensamento se valem. E por isto se excluem. É verdade que não há quem possa conciliar a ordem com a desordem, a abstração com o imediato, o entusiasmo pela vida com a fatalidade. As epocas de sintese não são criadoras: elas quase sempre resumem o fervor de outras epocas, resumo confuso, caotico. Todo ecletismo é um indice de fim. Os valores não se acomodam: uma geração não traz um novo senão dando com os pés no que havia de unico na outra geração.
A Renascença não quis salvar a profundeza, as quimeras, o genero selvagem da Idade Media: o século das luzes não guardou da Renascença o patetico que foi a marca do seu tempo.
E vai o acido Cioran roendo com as suas idéias a crosta de muitos dos nossos preconceitos, a fragilidade de tantas convicções que alio os nossos chinelos de conforto.
LINS DO REGO, José, “O acido Cioran”, Diário de Pernambuco, ano 127, no 223, 23 setembro de 1952.