Todo poeta apresenta uma dificuldade especial, tem uma voz que não pode ser traduzida. Como você bem sabe, a missão do tradutor é uma impossibilidade kantiana. Tentamos dar o nosso melhor, mas é claro que é apenas uma forma de não perder tudo. É um naufrágio que é a nossa loucura, a de tentar traduzir sabendo que se trata de um horizonte que não se pode cruzar, mas que devemos, no entanto, cruzar. Tentamos, choramos e finalmente passamos.
Marco Lucchesi
OBSERVATOR CULTURAL, 02/02/2021

Marco Lucchesi (Rio de Janeiro, 1963) é poeta, romancista, ensaísta e tradutor brasileiro. Professor visitante em várias universidades da Europa, Ásia e América Latina. Mantém coluna permanente no jornal O Globo e colabora com inúmeras publicações no Brasil e no exterior. Também é um tradutor notável, tendo traduzido volumes de Rumi, Hlebnikov, Rilke, Trakl, Vico, Foscolo, Primo Levi e Umberto Eco para o português. Também é professor de literatura comparada da UFRJ e da Fiocruz. Em 3 de março de 2011, foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Letras, da qual ocupa a 15ª cadeira (fundada por Olavo Bilac, patrocinada por Gonçalves Dias). No final de 2017, foi eleito presidente da ABL.
Entre seus volumes, destacam-se: Teatro alquímico (Prémio Eduardo Frieiro), A memória de Ulisses (Prémio João Fagundes de Meneses), Meridiano celeste & bestiário (Prémio Afonso de Guimarãens), Ficções de um gabinete ocidental (Prêmio Ars Latina de Ensaios e Origenes Lessa), O dom do Crime (finalista do Prêmio São Paulo e do Prêmio Machado de Assis), Poemas à Noite (Prêmio Paulo Ronai), Saudades do Paraíso, O Sorriso do Caos, Rostos da Utopia, A Paixão do Infinito, Bizâncio (finalista do Prêmio Jabuti), O bibliotecário do imperador e Laputar.
Em que circunstâncias você descobriu a poesia de Ion Barbu? Houve alguém na Romênia que o recomendou a você?
Meu caro amigo Ciprian, obrigado por esta conversa. Em primeiro lugar, a Romênia me conquistou de muitas maneiras. Ion Barbu é o tesouro escondido da língua romena, uma promessa utópica e cumprida. Descobri Ion Barbu nas páginas de G. Călinescu, mas, claro, com uma presença enorme de muitas origens e vozes. Solomon Marcus, George Popescu, Dinu Flămând, Irina Mavrodin, Virginia Popovici. Cada um destes meus amigos me confessouo o quão profundamente apaixonado era por Ion Barbu. Mas, é claro, o belo trabalho de Ion Barbu precisava entrar em meu coração. A princípio, você pode imaginar como foi difícil para mim aprender romeno, com o infinito depósito de ouro, misturado ao longo da caverna iluminada de Barbu. Só foi possível cruzar esse depósito de ouro quando consegui adquirir um certo domínio literário da língua romena. Depois disso, também foi necessário aplicar minha paixão por matemática e geometria para resolver a profundidade do diálogo sutil dentro da paisagem de Barbu. Lembro-me de Marin Sorescu e poderia dizer, junto com ele, parafraseando, que Ion Barbu nunca existiu. Em certo sentido, seu trabalho é um testemunho da invocação de muitas partes diferentes da linguagem: mito, antropologia, matemática, mas também de certa herança linguística romena. E abriu as janelas simbolistas de uma forma muito especial. O hermetismo e uma admirável capacidade como alquimista estão na poesia de Ion Barbu, que conseguiu resolver, reduzir em um espelho iluminado, um segundo jogo. Este segundo jogo tem um papel muito importante, renovando suas raízes e tradição. Um novo tipo de questão poética, uma nova forma de epistemologia.

Por que você decidiu traduzir os poemas de Ion Barbu para o português?
Como todo escritor preso em casa por causa da pandemia, trabalhei muito em vários livros, incluindo uma seleção de poemas de Barbu. Foi um verdadeiro desafio para mim em termos de salvar métricas e rimas, assonâncias e significados, sons, significados não revelados. Ao mesmo tempo, tínhamos que resolver outros problemas: como a renderização poderia ser feita, em certa tradição do português brasileiro, como uni-la e manter a estranheza e a singularidade durante o processo de tradução. Perto do abismo, decidi pular ou sobrevoar.
Você já traduziu para o português Rumi, Angelus Silesius, São João da Cruz, Vico, Hölderlin, Trakl, Hlebnikov, Primo Levi, Pasternak, Umberto Eco. Que dificuldades você teve que superar para poder traduzir Ion Barbu?
Todo poeta apresenta uma dificuldade especial, tem uma voz que não pode ser traduzida. Como você bem sabe, a missão do tradutor é uma impossibilidade kantiana. Tentamos dar o nosso melhor, mas é claro que é apenas uma forma de não perder tudo. É um naufrágio que é a nossa loucura, a de tentar traduzir sabendo que se trata de um horizonte que não se pode cruzar, mas que devemos, no entanto, cruzar. Tentamos, choramos e finalmente passamos. Claro, Ion Barbu não é uma coisa fácil de resolver, pelo contrário. Muitos músicos romenos estão inseguros sobre tantos detalhes e letras e oferecem uma gama importante de interpretações! Você sabe que gosto de desafios, e Ion Barbu foi um desafio! Trabalhei para apresentar o grande poeta romeno da minha maneira adequada, como poeta, e na minha linguagem adequada como leitor. São Jerônimo sempre foi chamado por mim.
Queira apresentar ao público da revista Observator Cultural o volume que acaba de publicar, e que envolveu um sério trabalho de equipe. Como pude constatar, também estiveram envolvidos no projeto dois intelectuais da Romênia.
Convidei dois amigos para participarem da criação do volume: o professor George Popescu, que escreveu um ensaio muito importante e explicativo, profundo e preciso, e a professora Nicoleta Presura Calina, que escreveu uma biografia condensada e elegante do poeta. Craiova está presente no livro por meio dessas duas amigas. Mas, claro, a tradução foi feita na minha solidão. Incluímos na antologia 20 dos poemas mais importantes de Ion Barbu. Assumo totalmente meus possíveis erros, mas também meus possíveis sucessos, se eles realmente existirem.
Por que esse volume é importante na Editora Patuá de São Paulo? Ana Maria Haddad Baptista, nossa amiga em comum, me falou bastante sobre essa editora independente, considerada um verdadeiro milagre pelo sucesso que teve nos últimos anos e pelos prêmios que tem conquistado. O que a Patuá tem de específico no espaço editorial brasileiro?
A professora Ana Maria Haddad é realmente uma grande amiga, uma refinada escritora e ensaísta, uma alma generosa, uma estudiosa que atua em áreas como literatura, ciências, matemática, pedagogia, etc. Um ser humano muito especial. Eduardo Lacerda, diretor da Editora Patuá, também é um bom amigo. Nesse ponto, ele precisa de muita coragem para não parar de editar. Tudo agora é terrivelmente difícil neste planeta, o único que temos. Sou grato por ele ter publicado o livro, é quase um milagre. E sou igualmente grato à maravilhosa Ana Maria Haddad.
A Editora Patuá é considerada a editora de poesia de maior prestígio do Brasil, apesar de não pertencer aos grandes grupos editoriais que dominam nosso mercado de livros. Graças a uma compreensão especial da literatura – provavelmente adquirida – e ao facto de ele próprio ser um poeta notável, Eduardo Lacerda conseguiu pôr em marcha uma formidável máquina que consegue descobrir, na esteira, novos talentos literários, conseguindo vencer. os mais prestigiosos prêmios literários brasileiros. E provavelmente a figura carismática de Eduardo, considerado um verdadeiro astro do rock no meio literário brasileiro, também contribui para esse sucesso.
Há algum outro projeto de tradução em que você esteja trabalhando atualmente? Existem outros escritores romenos na sua lista?
Não agora. Estsou terminando um romance e preparo outros projetos. No campo da tradução, pretendo falar com o poeta paquistanês Mohammed Iqbal. Mas a Romênia está sempre presente no meu coração.
Interviu realizat de / entrevista realizada por Ciprian VĂLCAN