“O Dicionário de termos cioranianos se pretende um convite para ler o filósofo de uma maneira diferente, para situá-lo sob uma luz que permita extrair os fascículos da substância mesma das palavras, de sua história ininterrupta, impactando um futuro que permanece, como um predador, à espreita.”
Simona Constantinovici
Nesta entrevista exclusiva, generosamente concedida ao Portal E.M. Cioran Brasil, Simona Constantinovici fala do Dicionário de termos cioranianos, recém-publicado na Romênia, volume que ela teve a honra de coordenar, em colaboração com outro(a)s intelectuais romeno(a)s. O Dicționar é uma publicação inestimável para a fortuna crítica dos estudos cioranianos, uma contribução singular por situar-se fora dos quadros da exegese, filosófica ou literária, a que estamos acostumados. Um recurso lexicográfico de primeira ordem, reunindo os principais termos (conceitos filosóficos, palavras da língua corrente) utilizados por Cioran em seus textos romenos, o léxico essencial que compõe sua identidade autoral, extraídos dos seus variados contextos discursivos, analisados e comentados em artigos ou “fascículos”, escritos por 12 colaboradores. Simona explica o método de pesquisa, o processo de elaboração do dicionário, além de oferecer uma série de exemplos contextuais dos conceitos filosóficos centrais do discurso cioraniano, como “essência” e “eternidade”. Para além do Dicționar em si, uma aula magna de cultura e lexicologia da língua romena – não só a partir dos textos de Cioran, mas também das contribuições teóricas de outros importantes intelectuais romenos, como Constantin Noica.
Curiosidade: a palavra mais frequente é viața, “vida”, um dado bastante significativo dos pontos de vista quantitativo e qualitativo, trazendo à mente um aforismo escrito não em romeno, mas integrante de sua obra francesa, que confirmaria a lucidez – esse amargo conhecimento de si – reivindicada por Cioran: “Alguém emprega continuamente a palavra ‘vida’? Saiba que é um doente”, escreve ele em Silogismos da amargura, não deixando dúvidas sobre sua paixão dilacerada pela vida, por essa “tentação de existir”…
Traduzido do romeno por Rodrigo Inácio R. Sá Menezes: „Doar prin inimă știm că se schimbă ceva”:[1] Rodrigo Menezes în dialog cu Simona Constantinovici despre Dicționarul de termeni cioranieni.[2]

Simona Constantinovici (1968) é escritora e professora de lexicologia, lexicografia poética, estilística, semântica interpretativa e escrita criativa na Faculdade de Letras, História e Teologia da Universitatea de Vest din Timișoara. É autora de 15 livros. Seus poemas e contos têm sido publicados em várias antologias e coletâneas literárias, na Romênia e em outros países. É ganhadora de diversos prêmios literários por sua variegada produção literária.
Rodrigo Menezes: Prezada professora Constantinovici, primeiramente gostaria de te agradecer por nos conceder esta entrevista tão especial. Você coordenou uma grande obra lexicográfica, um dicionário de termos cioranianos recentemente publicado na Romênia, algo que coloca o filósofo romeno no rol dos autores que têm seus próprios dicionários (Kant, Hegel, Heidegger, Sartre e tantos outros). Como surgiu o projeto? Como foi o processo de pesquisa, redação e composição?
Simona Constantinovici: A centelha deste projeto lexicográfico tomou vida totalmente por acaso, uma tarde de primavera, em Timișoara, na casa de um bom amigo. Invocando Stéphane Mallarmé, com o famoso poema de 1897, eu disse: un coup de dés jamais n’abolira le hasard [Um lance de dados jamais abolirá o acaso]. Eu já havia publicado, há alguns anos, um dicionário de termos arghezianos.[3] Meu amigo Ciprian Vălcan achou que seria interessante oferecê-lo ao Sr. Giovanni Rotiroti.[4] Na época, ele estava aqui, em Timișoara, lançando um livro sobre Cioran.
Você diz que os grandes filósofos, como Kant, Hegel, Heidegger ou Sartre, têm os seus próprios dicionários conceituais. Assim como escritores e poetas, nomes importantes da cultura universal, também têm dicionários, de Stendhal a Proust, de Giacomo Leopardi a Eugenio Montale, e assim por diante. O matemático Solomon Marcus,[5] um de nossos últimos enciclopedistas, considerava os dicionários instrumentos indispensáveis numa cultura que se respeita.

Voltando ao sentido da pergunta, a lexicografia filosófica ainda não é forte em nosso país. Poderia citar algumas publicações, não muitas, com a devida menção de que não elas não suprem a ausência de outros dicionários, igualmente importantes. Esta é a única maneira de produzir uma imagem relevante da filosofia romena e de operar comparações entre conceitos, sistemas de pensamento ou terminologias distintas. Há um dicionário de Marta Petreu,[6] resultado de um projeto de pesquisa voltado à filosofia de D. D. Roșca.[7] Há outro, de Amalia Lumei, que foca no núcleo conceitual da obra de Mircea Eliade,[8] resultado de uma tese de doutorado.
Saiu um dicionário de termos da filosofia de Lucian Blaga,[9] concebido por Florica Diaconu e Mircea Diaconu. Talvez existam outros, mas nunca ouvi falar. Em geral, as obras que se circunscrevem nesse perímetro da lexicografia literária ou filosófica, tendo um estatuto especial. Por não serem amplamente distribuídos, esses dicionários correm o risco de esgotar tão rápido quanto aparecem.
R.M.: Qual foi o método adotado? Quais foram os critérios usados para selecionar e definir o corpo lexical do dicionário, os termos incluídos? Imagino que não se tenha limitado a um critério puramente quantitativo…
S.C.: O método utilizado, e que de início crispou alguns dos participantes do projeto, foi o lexicográfico. Portanto, os critérios derivam dessa abordagem. O critério quantitativo não é o único, tendo surgido de modo natural, como resultado da organização do material linguístico através de artigos, na chamada decupagem [decupaje] do dicionário. É o resultado da observação de um dinamismo lexical. O primeiro critério foi identificar os conceitos dominantes com os quais a filosofia cioraniana opera. Os 12 colaboradores elaboraram os artigos do dicionário, seguindo uma folha modelo. Ao longo do caminho, dependendo do material selecionado, algumas notas particulares apareciam. Os artigos do dicionário não são retalhos de pano para cortar e costurar de qualquer maneira. Cada um dos autores lê o texto cioraniano à sua maneira. Desse primeiro ato de leitura nasce o processo de seleção dos termos e dos contextos em que eles aparecem. Em termos gerais, certamente, essa homogeneidade foi preservada, sem a qual o trabalho não se justificaria.
R.M.: Há notas de rodapé e/ou textos explicativos? A frequência de cada termo está indicada numericamente?
S.C.: Optamos por não usar um sistema de notas de rodapé. Achei apropriado prefaciar o dicionário para mostrar para onde foi a letra e, por extensão, o espírito do autor. Para mostrar como passamos da estrutura conceitual e terminológica para o conteúdo, quais foram as revelações que surgiram ao longo do caminho, como reflexo dessa pesquisa/sondagem no vasto campo das palavras.

A frequência dos termos é importante, como um índice semântico do discurso, seja ele filosófico ou outro. Não significa meramente notar que um autor usa abertamente determinado termo, de maneira obsessiva, ou que ele nunca usa um outro em seus textos. O léxico do autor dá conta do perfil do discurso, de sua semântica. Não se pode ignorar este critério, ele é muito relevante. Muitas vezes ele desvela novas dimensões do texto que não teriam sido notadas de outra maneira. Os dicionários também têm esse propósito, o de aprofundar e trazer à tona certos lexemas[10] e significados.
O trabalho do lexicógrafo assemelha-se, aqui, ao do arqueólogo. Uma vez extraídos os termos do texto, a gente se diverte, olhando para eles fixamente, como se fossem objetos, antes de inseri-los em um artigo do dicionário. As palavras precisam ser sopesadas, especialmente em se tratando de um discurso filosófico. Aliás, muito poético, diga-se de passagem.
R.M.: No seu artigo sobre o Dicționar, você destaca dois termos especiais: “eternidade” e “essência”. Cioran compartilhava com Santa Teresa de Ávila, entre outras místicas e outros místicos, a obsessão pela “época de Deus”, por assim dizer. No Breviário de decomposição, um dos textos (um muito importante, aliás), intitulado “Obsessão do Essencial”, retoma – agora em francês, em um novo contexto linguístico, uma nova forma mentis – uma problemática que já havia sido postulada no Livro das ilusões (Cartea amăgirilor, de 1936), na seção intitulada “O gosto das ilusões” [Gustul amăgirilor]. Aí se opõem, e se misturam, essências [esențe] e ilusões [amăgire]. Não é surpreendente que Cioran faça uma apologia da importância vital das ilusões – ainda mais admitindo, como ele, que não haja uma verdade última e absoluta sobre os seres e sobre o ser enquanto ser? Quão importantes são estes dois termos – essência, ilusão – no discurso e no perfil semântico de Cioran?
S.C.: Enquanto termos abstratos, eminentemente filosóficos, esență e eternitate aparecem como dois veículos conceituais, como viață (vida), moarte (morte), Dumnezeu (Deus), ființă (ser), absolut (absoluto), entre os quais ele mantém uma relação de concatenação, numa íntima relação. Estes termos entram no chamado núcleo semântico, um espaço conceitual em torno do qual se formam todas as visões e concepções filosóficas. “Eternidade”, por exemplo, aparece em 258 contextos, delineando uma verdadeira constelação sintagmática: “eternidade luminosa” [eternitate luminoasă], “aroma de eternidade” [arome de eternitate], “eternidade da vida” [eternitatea vieții], “quartos[11] de eternidade” [sferturi de eternitate], “eternidade insípida da história” [eternitatea fadă a istoriei], “eternidade equívoca” [eternitate echivocă], “eternidade serena” [eternitate senină], “embriaguez de eternidade” [beţie a eternităţii], “entrada na eternidade” [intrarea în eternitate], “tendência a regiões de eternidade”[12] [tendinţa spre regiunile eternităţii], “êxtase de uma eternidade” [extazul unei eternităţi], “experiência (integral) da eternidade” [experiența eternității/experiența integrală a eternității], “negação da eternidade” [negaţia eternităţii], “eternidades de gelo” [eternități de gheață[13]], “as asas da eternidade” [aripile eternităţii], “a atmosfera envolvente de uma eternidade” [atmosfera învăluitoare a unei eternităţi], “o salto na eternidade” [saltul în eternitate], “as sombras da eternidade” [umbrele eternității], “ícone temporal da eternidade” [icoana temporală a eternităţii], “erro exilado na eternidade” [eroare exilată în eternitate], “repórteres da eternidade”[14] [reporteri ai eternității], “indiscrições da eternidade da carne” [indiscreţii de eternitate ale cărnii],“primavera fúnebre da eternidade” [primăvară funebră a eternităţii], “dimensão da eternidade” [dimensiunea eternității], “eternidade fixa e imóvel” [eternitate fixă şi imobilă], “eternidade da forma/formal” [eternitatea formalului], “eternidade no tempo” [eternitate în timpi], “eternidade além do tempo” [eternitate dincolo de timp], “o sentimento de eternidade na vida” [sentimentul eternităţii vieţii], “eternidade de noite/noturna” [eternitate de noapte], “serpentear eternidade de noite adentro” [şerpuire într-o eternitate de noapte], “eternidade negativa” [eternitate negativă], “má eternidade” [eternitate rea],[15] “irrupção da eternidade” [irupţia de eternitate], “a consciência refletida na eternidade” [conştiinţa reflectată a eternităţii], “experiência integral da eternidade” [experienţă integrală a eternităţii], entre outras.
Escreve Cioran, em Nos cumes do desespero (1934): “A eternidade não pode ser amada com a paixão com que amamos uma mulher, ou com que amamos nosso destino ou nosso próprio desespero. A inclinação para os domínios da eternidade é porém uma atração que se parece com um voo na direção de um céu límpido de verão, ou com o impulso na direção de uma luz estelar. O céu azul e a luz estelar são os símbolos dessa eternidade em que não desejamos e não nos arrependemos de mais nada.”[16] O discurso cioraniano encontra-se inteiramente ancorado numa substância semântica abstrata, profundamente barroca em sua retórica. Portanto, estes dois termos – “essência” e “eternidade” – se mostram muito importantes no conjunto de seus textos, e isso inevitavelmente, já que conectam os eixos de temporalidade, o pretérito do presente e, de certa forma, se quisermos transgredir um pouco o natural, o presente do futuro.[17]
Constantin Noica busca mostrar, em Cuvânt împreună despre rostirea românească,[18] que existem certas palavras (dor, întru, fire, sinele/sinea, rost/rostire) com esta capacidade de projetar seu conteúdo no futuro [a-și proiecta conținutul în viitor], de gerar, para além das significações conhecidas e ativas, uma série de outras, adjacentes, inativas, à espera [în așteptare]. Isso faz com que a palavra seja um veículo semântico extraordinário. O livro de Noica não é de filosofia, stricto sensu, mas antes um manual de linguística filosófica ou de filosofia da linguagem, ainda que lembre os mestres deste ramo da filosofia, como Frege, Russel, Searle, Quine, Wittgenstein e outros.
Fiquei instigada pelas indagações que Noica se faz constantemente: “É uma língua um fenômeno simplesmente positivo? Deve ser registrada unicamente ao se manifestar? Uma investigação sobre ela não entraria também no campo do possível? Parece-nos que uma língua, viva e desdobrada, contém em si o que nunca pode ser exprimido e o que ainda não foi exprimido. […] É questão de saber também se não cabe ao especialista explorar a capacidade de uma língua e falar de suas significações virtuais, assim como se fala das atuais.”[19]
Seguindo adiante, num regime perifrástico,[20] eu diria que os termos utilizados por Cioran, muitos deles, não devem ser entendidos assim, categoricamente, de maneira restritiva, unicamente por referência ao contexto de onde foram extraídos, mas antes como portadores de múltiplos significados virtuais, recuperáveis graças ao esforço interpretativo. É nesta recursividade que reside a beleza de um tal projeto lexicográfico. O Dicționarul de termeni cioranieni se pretende um convite para ler o filósofo de uma maneira diferente, situando-o sob uma luz que permite extrair os fascículos [fasciculele][21] da substância mesma das palavras, de sua história ininterrupta, com todo o impacto que têm sobre um futuro que permanece, como um animal de rapina [animal de pradă], à espreita.

R.M.: Gostaria de citar uma passagem de um artigo que você escreveu sobre o Dicionário, publicado na revista (romena) Transilvania: “Pela maneira como Cioran associa os termos, entendemos que sua filosofia está carregada, de maneira exponencial, do que poderíamos chamar, emprestando um termo da linguagem da física, polaridade. Num estilo de contrastes, paradoxos e ambivalências, toda uma rede de conceitos perfeitamente plasmados se constrói por etapas.”[22] O tema da polaridade é muito interessante em se tratando da linguagem, do estilo e do perfil semântico-discursivo de Cioran. Parece ter alguma relação com essa dualidade inerente ao seu pensamento e ao seu ser mesmo, de ares líricos, romântica em certo sentido. Trata-se de uma cisão interior trágica (ou tragicômica), poética e estranhamente mística; uma condição deveras fértil, do ponto de vista filosófico e poético, reflexivo e criativo, e problemática do ponto de vista existencial e vital. De acordo com o equilíbrio lexical que se pode delinear graças ao Dicionário de termos cioranianos, quais seriam as principais enunciações [rostiri] da dinâmica de polaridades semânticas que constitui o discurso cioraniano (em língua romena)?
S.C.: Também considero assim (a respeito da dualidade; dualitate em romeno). Com os olhos de uma linguista e lexicóloga, pude ver que o discurso cioraniano mantém um perpétuo balanço entre polos semânticos opostos, uma rotação em um espaço de palavras com significações contrárias. Esse movimento incansável, essa busca infindável, essa aparente instabilidade marca o discurso de Cioran do começo ao fim.[23] Trata-se de uma poeticidade permanentemente induzida [o poeticitate indusă permanent],[24] um fôlego que atravessa o texto inteiro. Ainda penso, e não sou a única que teve esta impressão, que Cioran se deixou levar, em sua juventude, por essa onda lírica [val liric], que provavelmente lhe serviu em sua combustão, por essas tonalidades de uma fecunda energia, tão necessária para a escrita. Nos textos posteriores, os franceses, há um abrandamento, um resfriamento da essência poética de sua escrita.[25] A língua francesa não lhe permite mais mover-se pelas volutas da sensibilidade. As frases são cortadas [tăiată] e ajustadas de outra forma, com lucidez. Mas é claro que o seu estilo não tem nada a ganhar com essa reviravolta a nível discursivo [răsturnare de situație la nivel discursiv].
O principal campo de polaridade semântica está contido no binômio ontológico vida-morte [viață-moarte]. Considero este binômio como um motor de polaridade de todo o discurso cioraniano. Desse binômio, desse par tão indestrutível, derivam outros, como felicidade-infelicidade [fericire-nefericire]. De resto, eu escrevi um artigo em que procuro mostrar que a relação clássica de antonímia é distorcida, no caso dessa dupla [dublet], em virtude do posicionamento permanente do discurso de Cioran numa retórica de contrastes que se aproxima da inversão [intervertirea] – num circuito semântico com o qual acabamos nos acostumando – de sua ordem mesma.
Falando de termos filosóficos, Constantin Noica escreve o seguinte no prefácio de Cuvânt împreună despre rostirea românească: “O pensamento filosófico nunca parece ter tido a necessidade de uma linguagem simbólica ou códigos; ou seja, ele usa não a linguagem [limbaj], mas a língua [limba].[26] A filosofia é mais bem fundamentada a partir de termos que contenham uma tensão, enquanto linguagens e códigos se desdobram na segurança e no relaxamento dos significados unívocos. E o pensamento filosófico se alegra, como disse Hegel, quando encontra, nas línguas, palavras não apenas com significados especiais, mas também opostos.”[27]
Fim da primeira parte (1/3)
NOTAS DE RODAPÉ:
[1] A sentença integral da citação: Doar prin inimă ştim că se schimbă ceva, căci fără acest organ al devenirii am fi incremenit de mult într-un extaz pustiu. [Só através do coração sabemos que algo muda, pois sem este órgão do devir estaríamos há muito congelados em um êxtase desolador.] CIORAN, Emil, Lacrimi şi sfinţi (1937). Bucureşti: Humanitas, 1991, p. 130. Tradução nossa.
[2] CONSTANTINOVICI, Simona (coord.), Dicționar de termeni cioranieni, vol. I (A-M), vol. II (N-Z), Timișoara, Editura Universității de Vest & Milano, Criterion Editrice, 2020.
[3] Tudor Arghezi (1880-1967) foi um importante escritor romeno, também conhecido por sua importante contribuição à literatura infantil. Arghezi é um pseudônimo, relacionado a Argesis, grafia latina do rio Argeș.
[4] Giovanni Rotiroti é professor de língua e literatura romenas na Università degli studi di Napoli L’Orientale, na Itália. Suas pesquisas acadêmicas e os cursos que ministra abordam autores como Mihai Eminescu, Ion Luca Caragiale, Urmuz, Tristan Tzara, Ion Vinea, Geo Bogza, Sasa Pana, Max Blecher, Ilarie Voronca, Benjamin Fundoianu, Tudor Arghezi, Bacovia, Ion Barbu, Lucian Blaga, Emil Cioran, Mircea Eliade, Petru Comarnescu, Constantin Noica, Dan Botta, Eugen Ionescu, Gherasim Luca, Gellu Naum, Paul Paun, Virgil Teodianu, Paul Nina Cassianu, Virgil Teodianu Paul Celan, Petre Solomon, Nichita Stanescu, Marin Sorescu, Marin Mincu, Norman Manea, Dumitru Tepeneag e Mircea Cartarescu.
[5] Solomon Marcus (1925-2016), matemático romeno. Membro da seção de matemática da Academia Romena e professor emérito da Faculdade de Matemática da Universidade de Bucareste. Sua linha principal de pesquisa é nos campos da análise matemática, linguística computacional e matemática, e ciência da computação.
[6] Marta Petreu, filósofa, professora e escritora romena. Autora de An Infamous Past: E.M. Cioran and the Rise of Fascism in Romania. Uma das mais importantes comentadoras romenas de Cioran, tendo publicado – além do livro mencionado – diversos artigos (acadêmicos e na imprensa) sobre o filósofo romeno.
[7] Dumitru D. Roṣca (1895-1980), filósofo, catedrático e membro da Academia Romena. Estudou filosofia na Sorbonne, tornando-se conhecido por sua tese de doutorado defendida em 1928: The Influence of Taine on Hegel. O livro seria dedicado a Emile Bréhier. D. D. Roşca traduziu Hegel para o romeno. Publicou em francês L’existence tragique: An Attempt of Philosophical Synthesis. É um filósofo romeno que, Como Cioran, contribuiu à sua maneira para os desdobramentos do existencialismo no século XX.
[8] Mircea Eliade (1907-1986), um dos maiores historiadores da religião, mitólogo e romancista. Naturalizou-se nos Estados Unidos em 1970, onde lecionou na Universidade de Chicago
[9] Lucian Blaga (1895-1961) é talvez o maior filósofo romeno enquanto autor de uma obra sistemática que compreende todas as esferas em que se divide tradicionalmente a filosofia: lógica, ontologia, epistemologia, ética, estética. Além de filósofo, também foi poeta, dramaturgo e romancista.
[10] Lexema é a unidade elementar e distintiva de um sistema semântico e lexical, subsumindo todas as flexões de uma mesma palavra. É o núcleo da palavra que constitui uma unidade mínima dotada de significado lexical.
[11] No sentido de ¼, a quarta parte de 1 (um) inteiro, não no sentido de “alcova”, a parte do lar onde fica a cama, para dormir (bedroom em inglês).
[12] “Inclinação para os domínios da eternidade”, na tradução de Fernando Klabin (Hedra, 2012, p. 81).
[13] Gheaţă, “gelo” em romeno, se parece com “geada” em português.
[14] “Pascal e (sobretudo) Nietzsche parecem repórteres da eternidade.” [Pascal — dar mai cu seamă Nietzsche — par nişte reporteri ai eternităţii.] CIORAN, Le crépuscule des pensées [Amurgul gândurilor]. Trad. de Mirella Patureau-Nedelco. Œuvres. Paris : Gallimard, 1995, p. 391.
[15] “Eternidade negativa” e “má eternidade”, formuladas originalmente em um texto (e contexto) romeno, reaparecerão ipsis litteris, anos depois, em La chute dans le temps (1964). La chute du temps… [Cair do tempo], um importante texto que encerra um importante livro da fase francesa, é uma espécie de anamnese de seus anos insones de juventude, “nos cumes do desespero”. Segundo Cioran, doravante escritor francês, se a existência (o vir-a-ser) enquanto tal é um drama que se assemelha a uma “queda no tempo” (e na consciência do tempo, da finitude, do Irremediável), a experiência da insônia (e a lucidez que ela engendra) se assemelharia a uma “queda do tempo”. “Os outros caem no tempo; eu caí do tempo. À eternidade que se erigia por cima dele, sucede esta outra que se situa por debaixo, zona estéril na qual só se experimenta um único desejo: reintegrar o tempo, elevar-se a ele custe o que custar, apropriar-se de uma parcela dele para aí se instalar, para dar-se a ilusão de um chez-soi. Mas o tempo está fechado, está fora de alcance: e é desta impossibilidade de penetrá-lo que é feita essa eternidade negativa, essa má eternidade [cette éternité négative, cette mauvaise éternité].” CIORAN, E.M., « Tomber du temps… », La chute dans le temps, in Œuvres. Paris : Gallimard, 1995, p. 1152.
[16] IDEM, “Momento e eternidade”, Nos cumes do desespero. Trad. de Fernando Klabin. No original romeno: „Eternitatea nu poate fi iubită cu pasiunea cu care iubeşti o femeie, sau cu care-ţi iubeşti destinul tău, sau disperarea ta proprie. Este însă în tendinţa spre regiunile eternităţii o atracţie ce seamănă cu un zbor înspre un cer senin de vară sau cu avântarea înspre discreţia unei lumini stelare. Azurul şi lumina de stele sunt simboluri pentru această eternitate, în care nu mai doreşti şi nu mai regreţi nimic.” (Bucareste, Humanitas, 2013)
[17] Prezentul de viitor, em que o segundo termo é um falso cognato de “vitória”, em português (victoire em francês, victory em inglês). Como neste aforismo: “Acredito na salvação da humanidade, no futuro do cianureto…” [Cred în mîntuirea omenirii, în viitorul cianurii…] (poderia parecer “a vitória do cianureto”). Há uma similitude etimológica subjacente, não fortuita, na relação entre “futuro” e “vitória”, e isso entre o português e o romeno (e outras línguas latinas) como também no interior do nosso próprio idioma. Victoria em latim, equivalente ao grego νίκη(níkē, como a divindade), de onde o verbo νῑκάω (nīkáō), ou νῑκέω (nīkéō), dependendo da variante dialética (jônica ou eólica): “vencer”, “triunfar”, “prevalecer”, “derrotar” (adversário, obstáculo). Pode-se dizer que a relação etimológica consiste na ideia de que futuro é o que triunfa – vitorioso – no tempo, o que transcende a finitude do tempo que se esvai, o que prevalece sobre todas as possibilidades que teria virtualmente de “fracassar”, não “triunfar”, não devir futuro (o perdedor, em contrapartida, seria aquele que não tem futuro). Um outro falso cognato – este, entre o português e o espanhol – pode ajudar a compreender a relação: suceso, em espanhol, não quer dizer o mesmo que “sucesso”, “êxito”, em português (seria exito em espanhol). Se, por um lado, costumamos utilizar o verbo suceder como sinônimo de acontecer, não costumamos dizer sucesso como sinônimo de acontecimento (événement em francês): algo que sucede, acontece, para o bem ou para o mal. Sucesso em português quer dizer “êxito”, “triunfo”, “vitória”, não em sentido neutro (como pode ser no caso de suceso e acontecimiento, em espanhol), mas com uma conotação necessariamente positiva, triunfante, gloriosa.
[18] “Palavras reunidas sobre a enunciação romena” (Bucareste, Humanitas, 2011). Rostirea (utterance em inglês) é “enunciação”, “dicção”, “expressão” – verbal/oral, tal como é codificada em palavras e sentenças, a partir dos caracteres de um alfabeto, no sistema fonológico-lexicológico de uma determinada língua/cultura. No caso de dor (substantivo neutro, masculino para nós; “nostalgia”, “ânsia”, “desejo incontrolável”, sofrimento pela distância, pela separação, entre outros significados), importante termo comentado por Simona Constantinovici, tratar-se-ia de pensar tanto a forma de pronunciar/enunciar o termo (expressão), em suas diferentes inflexões e respectivos contextos proposicionais, quanto o seu conteúdo polissêmico (significação).
[19] „Este oare o limbă un simplu fenomen pozitiv? Trebuie ea să fie înregistrată numai așa cum s-a manifestat? Nu încape o investigație și în aria posibilului ei? Ni se pare că o limbă, vie și desfășurată, cuprinde în ea și ce nu se mai poate exprima și ce nu s-a exprimat încă. (…) Este o întrebare însă dacă nu ar reveni tocmai specialistului să exploreze capacitatea unei limbi și să vorbească despre sensuri virtuale, la fel cum vorbește despre cele actuale.” NOICA, Constantin, Cuvânt împreună despre rostirea românească. Bucureşti: Humanitas, 1996, p. 53-54.
[20] De perífrase, figura de estilo que consiste em substituir um único termo (palavra, substantivo) por uma expressão, ou série delas, com o mesmo significado. Sinônimo de circunlóquio, figura de estilo que consiste em dizer em diversas várias palavras aquilo que pode ser dito por uma única (ressignificando e adensando cada vez mais seu escopo de possibilidades semânticas). Variações sobre um mesmo tema, para falar como Cioran: “ O ideal seria poder se repetir, como… Bach”. Tanto a perífrase quanto o circunlóquio podem ser entendidos, em sua importância poética e retórica (para Cioran e qualquer outro), mediante a noção linguística de recursividade: princípio e/ou propriedade daquilo que se repete e/ou pode se repetir indefinidamente, ad infinitum. Em gramática generativa, a propriedade das regras gramaticais que se podem reaplicar sucessivamente às estruturas resultantes de sua aplicação anterior, explicando assim o conceito teórico de sentença infinitamente longa, no plano da competência linguística.
[21] Os artigos/verbetes sobre cada um dos termos do Dicţionar de termeni cioranieni.
[22] CONSTANTINOVICI, Simona, “Exaltarea unui naufragiat. Marginalii la un dicționar de termeni cioranieni”, Transilvania, nr. 7, 2020, pp. 40-44. Disponível em: https://revistatransilvania.ro/exaltarea-unui-naufragiat-marginalii-la-un-dictionar-de-termeni-cioranieni/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=exaltarea-unui-naufragiat-marginalii-la-un-dictionar-de-termeni-cioranieni
[23] Para além do escopo lexicográfico do Dicţionar, limitado aos textos romenos, poderíamos estender o alcance da constatação feita por Simona Constantinovici, de modo a compreender toda a obra de Cioran, romena e francesa. É irredutível, a despeito do câmbio de idioma, da recriação de si e de sua persona literária – doravante E.M. Cioran – em território linguístico francês, a romenidade de Cioran, o dado romeno – origem, língua, cultura, forma mentis, Geist – inerente à identidade do autor que é objeto desta conversa.
[24] Uma vez mais, o princípio da recursividade, aqui na forma de uma potência ou potencialidade (dýnamis) poética (poeticidade) que é, segundo Constantinovici, permanentemente induzida por Cioran em sua atividade de escritor, estimulada, instigada ou mesmo forçada, para que se efetive, para se ative de algum modo (“por bem ou por mal”). Um exemplo, no âmbito de seus escritos franceses, poderia ser o seguinte aforismo de Silogismos da amargura (1952), livro em cujo título já se deixa entrever o ennui (tédio, fastio, melancolia, prostração), com toda a esterilidade, a crise criativa, a negatividade implicada nesta experiência (tão familiar a Cioran). Aqui, a aridez que se poderia associar à esterilidade, à impotência induzida do escritor (artista à sua maneira, alma poética ou poetizante), é suplantada pela fluidez de um estranho e obscuro líquido (é a estética cioraniana do grotesco): “Se espremêssemos o cérebro de um louco, o líquido obtido pareceria xarope comparado ao fel que segregam certas tristezas.” CIORAN, E.M., Silogismos da amargura. Trad. de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2011, p. 63.
[25] Nos Cahiers (p. 107): “Quanto mais avanço, mais me encontro, a respeito de tudo, oposto às ideias de Nietzsche. Amo cada vez menos os pensadores delirantes. A eles prefiro os sábios e os céticos, os ‘não-inspirados’ por excelência, aqueles que nenhuma dor excita ou transtorna. Gosto dos pensadores que evocam vulcões esfriados.” Em seu primeiro livro, Nos cumes do desespero (1934), o jovem Cioran faz a apologia de um lirismo bestial e demoníaco, da loucura, do caos e da barbárie, em detrimento de toda forma/formalidade/formalismo, etiqueta, comedimento, moderação, mediania, etc. “Diante do refinamento de uma cultura aprisionada em formas e limites que mascaram tudo, o lirismo é uma expressão bárbara. Eis de fato o seu valor, o de ser bárbaro, ou seja, de ser só sangue, sinceridade e chamas.” CIORAN, Emil, “Ser lírico” [A fi liric], Nos cumes do desespero. Trad. de Fernando Klabin. São Paulo: Hedra, 2012, p. 18.
[26] Como em português, e diferentemente do inglês, o romeno possui duas palavras distintas para dizer “linguagem” (em sentido abstrato, indeterminado) e “língua”. Em inglês seria necessário distinguir entre language e tongue (que, além de significar “idioma”, também quer dizer a “língua” como órgão do paladar).
[27] “Cugetarea filosofică nu pare a fi avut și a avea nevoie de limbaj simbolic sau cod; cu alte cuvinte, folosește nu limbajul, ci limba. Filosofia se întemeiază cel mai bine cu termeni ce au o tensiune în ei, în timp ce limbajele și codurile se desfășoară în siguranța și destinderea sensurilor univoce. Iar cugetarea filosofică se bucură, cum spunea Hegel, când întâlnește în limbi cuvinte nu numai cu semnificații deosebite, dar și opuse.” NOICA, Constantin, Cuvânt împreună despre rostirea românească, p. 10-11.
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[…] nos seus escritos, romenos e franceses? Com efeito, a julgar pela conclusão lexicológica do Dicionário de termos cioranianos, recém-publicadona Romênia, “Deus” figura na sétima posição entre os termos mais […]
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[…] (UTP), en el ámbito del Coloquio Internacional Liliana Herrera en torno a Cioran (15/10/2021). Versión portuguesa integral. Versión […]
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