“Constantin Noica identifica em certas palavras romenas a história de nosso povo mesmo, como por exemplo o fenômeno da transumância. A tentativa de traduzi-las equivaleria a desenraizá-las, aniquilando assim o seu potencial ancestral de motivar a língua, o modo de ser de um povo, seu sentimento profundo. As palavras têm o mesmo destino que os seres, uma biografia, nascer, viver e morrer.”
Simona Constantinovici

Simona Constantinovici (1968) é escritora e professora de lexicologia, lexicografia poética, estilística, semântica interpretativa e escrita criativa na Faculdade de Letras, História e Teologia da Universitatea de Vest din Timișoara. É autora de 15 livros. Seus poemas e contos têm sido publicados em várias antologias e coletâneas literárias, na Romênia e em outros países. É ganhadora de diversos prêmios literários por sua variegada produção literária.
Na segunda parte da entrevista sobre o Dicionário de termos cioranianos, Simona Constantinovici aborda certos termos romenos relacionados entre si e que possuem uma importância vital para a constituição do logos cioraniano (pensamento, discurso): dor, dorí e zădarnicie. Ela relaciona alguns termos-chave do logos cioraniano em língua romena com suas possíveis traduções em outras línguas, assinalando a diferença entre aqueles que – mais antigos, inseridos de maneira profunda e orgânica na genealogia histórica do povo romeno – são mais difíceis de traduzir, em comparação a termos neológicos que, segundo a coordenadora do livro, encontrariam mais facilmente uma acolhida direta em outros idiomas. Alguns destes termos neológicos sequer encontram um quadro de referência tradicional/convencional, um contexto de uso estabelecido fora dos textos do próprio Cioran.
Curiosidade: a palavra mais frequente em seus textos romenos é viaţa, “vida” (com 2.816 ocorrências), o que evoca prontamente um aforismos escrito já em língua francesa, muito revelador – em visão retrospectiva – deste que se reivindicará uma “néfaste clairvoyance“: “Alguém emprega continuamente a palavra ‘vida’? Saiba que é um doente”, lemos em Silogismos da amargura (1952). Se “vida” é a palavra de que Cioran mais abusa, “Deus” (Dumnezeu ) ocupa a sétima posição (1.12 ocorrências), atrás de “morte” (1.074), “tempo” (1.174), “nada” (1.775), “mundo” (2.617) e, em segundo lugar, “homem” (2.617). “Eu abuso da palavra Deus, emprego-a com frequência, muita frequência. Faço isso toda vez que toco uma extremidade e preciso de um vocábulo para designar o que vem depois. Prefiro Deus ao inconcebível.” (Aveux et anathèmes)
Por fim, em diálogo com importantes teóricos romenos e de outras nacionalidades (lexicógrafos, linguistas, filósofos), Simona Constantinovici segue com sua iluminadora explicação sobre o perfil lexical de Cioran enquanto pensador e escritor romeno, de matriz linguística romena.
Traduzido do romeno por Rodrigo Inácio R. Sá Menezes: „Doar prin inimă știm că se schimbă ceva”:[1] Rodrigo Menezes în dialog cu Simona Constantinovici despre Dicționarul de termeni cioranieni.[2] A versão em português conta com notas de rodapé suplementares, contendo observações e explicações sobre conceitos lexicológicos utilizados por Simona Constantinovici e o léxico do próprio Cioran.
R.M.: Existem palavras romenas significativas no Dicionário que seriam dificilmente traduzíveis em outros idiomas? Penso, por exemplo, no substantivo neutro dor (acento agudo, ó), um grande falso cognato entre nossos idiomas, uma vez que a dor, substantivo feminino em português, é durere em romeno – de onde o importante texto de juventude de Cioran, “As revelações da dor”, Revelaţiile durerii.[1] Em um importante texto do seu début francês, o Breviário de decomposição, ele faz uma distinção entre os idiomas que – como romeno, português, inglês, alemão – possuem uma palavra precisa – dor, saudade, yearning, Sehnsucht – para exprimir essa “apoteose do vago”[2] (a nostalgia dos povos e dos indivíduos, sua paixão do infinito), e aquelas que carecem de um termo para essa experiência essencial segundo Cioran. Dor é um dos termos presentes no Dicționar?
S.C.: Na verdade, dor é um termo intraduzível. Esta palavra encapsula um conteúdo tão frutífero que seria difícil reduzi-lo a uma simples tradução.[3] Por isso se diz que alguns poetas romenos, como Mihai Eminescu,[4] são intraduzíveis. O mistério da língua e da cultura romenas, sua especificidade, está conservada nos escritores do século XIX, em cujos escritos Eminescu encontra-se enredado, em um domínio – difícil de descrever – de uma “vaguidão sem sentido” [vag nerost].[5]
Olha só, para te dar uma ideia, o termo dor, que é tão romeno, aparece 98 vezes nos textos de juventude de Cioran. Acho interessante ordená-lo tendo em vista as proximidades discursivas, as associações lexicais como: dorul de ființă[6] (“o desejo[7] de ser”), dor divin (“desejo[8] divino”), dor de moarte/dorul de a muri (“anseio de morte/o desejo de morrer”), dorul muririi[9] (“o desejo de morte”), dorul de sfârșit (“o desejo de fim”), dor intens după spaţiul infinit[10] (“desejo intenso de espaços infinitos”), dor amăgitor (“nostalgia ilusória”[11]), dorul nostru (o nosso anseio”), infinitul din acest dor (“o infinito dessa nostalgia”[12]), revărsarea monotonă a acestui dor (“inundação monótona dessa nostalgia”[13]), infinitul negativ al dorului (“o infinito negativo da nostalgia”[14]), dor de pribegie (“desejo de vaguear”[15]), singurul dor (“a única nostalgia”[16]), dorul după alte înmărmuriri (“a nostalgia de outras quietudes”), dor ascuns (“nostalgia escondida”), dorul imens de dezolare (“anelo imenso de desolação”[17]) dorul vegetal („nostalgia vegetal”[18]) dorul după absolut (“a nostalgia do absoluto”[19]), dorul după un alt eu (“o anelo de um outro eu”[20]), dor mortal de femeie (“desejo mortal pela mulher”[21]), dorul arzător de a nu supravieţui emoţiei (“desejo arrasador de não sobreviver às emoções” [22]), dorul de scufundare în nemărginit (“o desejo de afundar no ilimitado”[23]), dorul suferințelor prelungi (“o desejo de sofrimentos prolongados”[24]), dor imanent firii (“anseio imanente ao ser”[25]), dorul de El (“a nostalgia Dele”[26]), dor de leșin astral (“desejo de evanescência astral”[27]), doruri pline de dulci înstrăinări şi de meleaguri norocoase (“nostalgias plenas de doces desenraizamentos e de terras afortunadas”[28]) dorul de ducă(“anseio de desandar”[29]), puntea între dor și fire (“ponte entre o desejo e o ser”[30]), entre outros. Talvez todos eles juntos comuniquem mais compreensivamente o perfil semântico da palavra dor, contribuindo para determinar sua substância discursiva. Por isso eu fiz com que o discurso lexicográfico acompanhasse a última seção, a do índice sintagmático. A meu ver, o Dicionário pode ser lido de ponta a ponta ou, então, consultado por meio dessas entradas sintagmáticas, ao ritmo de algumas associações vocabulares a partir das quais as mais diversas sondagens e interpretações se tornam possíveis.
Eu também mencionaria dorí, com 140 ocorrências, um verbo intimamente ligado a dor em virtude de sua própria estrutura formal.[31] É um derivado do substantivo neutro dor. Remonta à raiz latina dol-, de dolus. Se pegarmos a última entrada da série sintagmática acima, a “ponte entre o desejo e o ser”, nos daremos conta de como essa “ponte” é frágil, ilusória, tênue. É como se fosse criada uma relação de quase sinonímia entre dor e natureza (fire), que se tornam, por um instante fulgurante, termos superpostos.
O latinista G. I. Tohaneanu propôs, em diversos artigos, como sinônimos parciais do lexema dor: alean (“sofrimento”, “dor da alma”, tendo por causa um desejo insatisfeito[32]) amar (“amargo”, “desgostoso”[33]), jale (“tristeza”, “desolação”, “luto”[34]), jind (“desejo ardente”[35]), neşat (“avidez”, “insaciedade”), e, como termos importados, melancolia e nostalgia. A despeito do seu sentido difuso, quase impossível de capturar numa definição rigorosa, pode-se dizer metaforicamente que a “equação” de dor é o resultado da soma de durere (“dor”, substantivo do verbo doer) e dorinţă (“desejo”, substantivo). Na consciência linguística do povo romeno – conforme se reflete nas profundidades semânticas da palavra dor – o sofrimento perpétuo tem sido sempre atenuado pela chama da esperança, situada sob a janela do futuro.[36]
O substantivo monossilábico dor possui o poder de uma torrente de sentidos [puterea unui torent de sensuri]. Reside nele o mistério semântico [misterul semantic], o vórtice de conteúdo [volbura de conținut] de nossa língua. Alan Rey,[37] o célebre lexicógrafo francês, conclui assim uma entrevista: “Algo sempre se oculta por detrás das palavras, algo ao mesmo tempo preciso e infinito.”[38]
Não estou certa, talvez esteja errada, mas creio que o substantivo zădărnicie,[39] um derivado de dor, é um dos difíceis de traduzir. Vem do eslávico zadar.[40] Este foi, aliás, um dos critérios que me propus para estabelecer uma lista inicial de termos cioranianos: o pertencimento a um fundo mais antigo da língua romena. Constatei também que o discurso[41] cioraniano segue o caminho linguístico de palavras neológicas. No caso de alguns termos do Dicionário, não encontrei nenhum contexto suficientemente relevante, isso quando (o contexto lexical) não se mostrava perfeitamente inexistente.[42] Seria interessante se o dicionário fosse traduzido para outras línguas neolatinas, para ver como ficaria, provavelmente, essa quadratura dual [tablou dual] entre as palavras antigas, por um lado, mais difíceis de traduzir, e as novas, facilmente transferíveis – pela tradução – para a matriz lexical de outras línguas.[43]
Constantin Noica observa, de modo metafórico, no texto já mencionado: “Uma palavra é uma árvore. Tenha nascido em sua própria terra ou caído como uma semente vinda de outros mundos, uma palavra é sempre, afinal, uma criatura específica. Está enraizada no humo de seu país, nutriu-se de suas chuvas, cresceu e respirou sob um sol que não é em nenhum outro lugar o mesmo, e, como tal, não pode ser facilmente mudada de lugar, transplantada, traduzida.”[44] De fato, Noica identifica em certas palavras romenas a história de nosso povo, como, por exemplo, o fenômeno da transumância,[45] ou seja, a vida pastoral (pastoralul, “pastoralismo”) inscrita nas fibras das velhas palavras.[46] O que fica sugerido em tudo isso é que a tentativa de traduzi-las equivaleria a desenraizá-las, aniquilando assim o seu potencial ancestral de motivar a língua, o modo de ser de um povo, seu sentimento profundo. Cuvintele au destinul ființelor, o biografie, se nasc, trăiesc și mor.[47]
R.M.: Opostamente, existem termos romenos que compõem o perfil lexical do discurso cioraniano e que seriam dificilmente traduzíveis em outros idiomas? Penso, por exemplo, no substantivo francês, tão “pascaliano”, ennui, normalmente vertido ao português como “tédio”, ou também “fastio” (aburrimiento e hastío em espanhol), mas que seria mais próximo de um estado de espírito melancólico, pesaroso e dificilmente suportável – não apenas por falta do que fazer, “estar desocupado, etc.[48] Ennui é plictiseală em romeno? Seria plictiseală um dos termos presentes no Dicționar?
S.C.: Sim, plictiseală é de fato o correspondente do francês ennui. Está no dicionário, aliás, não poderia faltar, haja visto que constitui a cenografia [recuzita] de conceitos dominantes do discurso de Cioran. Este termo aparece em 186 contextos. Em Lacrimi şi sfinţi (1937), encontram-se entramados, numa rede de significados, verdadeiras definições de plictiseală (“tédio”[49]): “O ennui é a forma mais elementar de suspender o tempo, ao passo que o êxtase é a última e mais complicada. Sempre que nos entediamos, o tempo se detém nos tecidos; às vezes podemos ouvir sua parada, escutar – cheios de tormento – o seu silêncio. O corpo se torna então um relógio que está parado e sabe que está. Em todo ennui existe a consciência da estagnação temporal, e quanto mais nos entendíamos, menos inconscientes estamos.”[50]É interessante que, em um fragmento relacionado à citação acima, Cioran concebe o tédio como um possível critério de classificação das pessoas: “Melancolia, tristeza, desespero, horror e êxtase são ramificações do tronco massivo do ennui: daí a indiferença e o caráter originário desta. Há flores da melancolia e da tristeza; gosto de pensar nas raízes quando se trata do ennui. […] Assim, qualquer tédio profundo termina por se tornar um estado em si que, subtraindo-nos à luta com os objetos, nos coloca diante deles, de modo que os homens se dividem pela maneira como se entediam e tentam escapar ao tédio.”[51] De fato há em Cioran toda uma topologia do humano. O homem cioraniano é múltiplo: abstrato, ativo, antigo, enfraquecido [atenuat], doente de eternidade [bolnav de veșnicie], citadino [al cetății], comum, concreto, contemporâneo, cristão, desesperado, entusiástico, erudito, independente, indígena [indic], inteligente, livre, orgânico, mensurado [măsurat], medíocre, melancólico moderno, moral, ingênuo, infeliz, imortal [nemuritor], normal, objetivo, apaixonado, (irremediavelmente) perdido, político, impetuoso [pornit[52]], pós-humano, privado, (profundamente) religioso, renascentista, superficial, sobre-humano, sub-humano, árido, visual, etc. Uma gama impressionante, reunida em 2.617 ocorrências. Tantos homens, tantos mundos emaranhados de maneira caleidoscópica. Muitas das definições propostas por Cioran são memoráveis, impregnadas com a substância de uma poeticidade cáustica quando se trata de descrever o ser humano: Omul e cerşetor de existenţă. Un salahor ridicol în irealitate, un cârpaci al firii.[53]
Conforme demonstramos, o termo “vida” tem 2.816 ocorrências. É o vórtice semântico do discurso cioraniano.[54] Todos os outros lexemas encontram-se magneticamente ligados a ele. Um destes – predominante – é om [homem]. “Busco a vida inclusive na morte, sendo minha tarefa descobri-la em tudo o que não é ela”, diz Cioran em Amurgul gîndurilor [O crepúsculo dos pensamentos].[55] Também neste livro, atingindo o diapasão mais alto, no que se refere à maneira de relacionar as palavras ao coração [inima[56]]: “Diga a uma alma delicada a palavra separação, e despertará nela o poeta. A outro homem, por sua vez, a mesma palavra não inspira nada. E não somente separação, mas qualquer outra. Mede-se a diferença entre os homens pela ressonância afetiva às palavras. Uns adoecem extasiados ao escutar uma expressão banal, outros permanecem frios antes uma prova de banalidade. Para aqueles, não há palavra no dicionário que não esconda um sofrimento, enquanto estes não possuem uma sequer em seu vocabulário. Muitos poucos são os que podem voltar seus pensamentos – a qualquer momento – à tristeza.”[57]

R.M.: Para quem eventualmente tenha dúvidas sobre a relevância de um trabalho lexical como este, um dicionário de termos cioranianos, como se não fosse nada além da indexação de seu vocabulário usual, o que se poderia dizer, argumentar? Uma pergunta retórica, já que antecipo uma resposta afirmativa: é muito mais do que uma lista de palavras utilizadas por Cioran, certo? Você acha possível, com o recurso ao Dicționar, ter insights valiosos sobre o pensamento (tão paradoxal, aporético, inapreensível) deste pensador romeno de expressão francesa? Compreender seus escritos, suas ideias com maior justeza e profundidade, inclusive no que se refere à sua produção francesa?
S.C.: Sim, acho que um dicionário também tem essa finalidade, de nos fazer entender a escrita de um determinado autor. Não funciona como um livro didático, mas tem um grande poder de sugerir linhas de interpretação. Não apenas para filósofos. Podemos tomar como exemplo qualquer dicionário em torno do léxico de um autor para ver se é realmente o caso. Ele tem, acima de tudo, a capacidade de trazer para a mesa um certo tipo de léxico e incitar sua matéria semântica, permitindo perceber a capacidade que o escritor tem de dominar a língua de maneiras inovadoras. Acho que o Dicionário nos mostra mais claramente o Cioran romeno, um Emil Cioran impregnado pelos ecos vivos da cultura na qual se formou. Esse dicionário mostra as mudanças ocorridas em seu estilo, em comparação com o período seguinte [francês].
O lexicógrafo francês Alain Rey, falecido em dezembro de 2020, definiu assim o dicionário: “É um borboletário onde evoluem sempre borboletas que são mais belas vivas, do que mortas e presas.”[58] E sobre as palavras, ele que são “pássaros migratórios.”[59] Gosto muito dessa liberdade das palavras, que nenhum dicionário pretende restringir, dessa dinâmicadas palavras contidas nos artigos do dicionário, e que nunca é negada.
Fim da primeira parte (2/3)
NOTAS:
[1] CIORAN, Emil, Revelaţiile durerii, Azi, fevereiro/março de 1933; “Les révélations de la douleur”, in: Solitude et destin. Trad de Alain Paruit. Paris: Gallimard, 2004.
[2] CIORAN, E.M., “Apoteose do vago”, Breviário de decomposição.
[3] “Saudade”, por exemplo. É um dos sentidos possíveis de dor, mas longe de ser o único, a significação unívoca do termo, como explicará Simona Constantinovici.
[4] Mihai Eminescu, o grande poeta nacional romeno, autor de um poema bastante citado e comentado por Cioran: Rugaciunea unui dac (“A oração de um dácio”).
[5] De onde “Apoteose do vago”, “Apoteoza vagului”, em que “vago”, sendo adjetivo, tem a função e o valor de substantivo, como “o belo” para dizer “a (ideia de) beleza”. Nerost, non-sens (francês), “sem-sentido” ou “sem sentido”, em que ne- é um prefixo de privação, como in- em português, presente na forma negativa de muitas outras palavras: noroc (“sorte”) e nenoroc (“azar”, “má sorte”), fericire (“felicidade”) e nefericire (“infelicidade”), etc.
[6] Em romeno os artigos definidos singulares masculino (“o”, le em francês) e neutro (este, inexistente em português; it em inglês, das em alemão; dor é neutro), é o sufixo –ul, como em dorul.
[7]“Que o entusiasmo irrompa na existência e que a alegria se assemelhe aos grandes êxtases, e que nosso desejo de ser seja tão universal quanto a tristeza de ser. Em sua luta, que o desejo de ser encha de paixão as trevas das tristezas e que nossa sede de absoluto sacie sua infinitude na obscuridade.” CIORAN, Emil, O livro das ilusões. Trad. de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2014, p. 71. O (con)texto original em romeno (em que aparece “o desejo de ser”): “In existență să irupă elanul și bucuria să semene marilor extaze. Și dorul nostru de a fi, universal să fie ca tristețea de a fi. In luptă cu ea, dorul de ființă in înflăcărări să cuprindă întunecimile tristeților și setea noastră de absolut cu întuneric să-și astîmpere infinitul ei.” CIORAN, Emil, Cartea amăgirilor. București: Humanitas, 1991, p. 71.
[8] Quando o contexto lexical romeno não evoca a noção de “saudade” (por uma pessoa ou lugar, um objeto ou ser indeterminado, “vago” como diz Cioran), seguiremos a tradução de dor por “desejo” conforme estabelecida por José Thomaz Brum. Outras traduções possíveis, neste sentido, seriam “anelo”, “anseio”, ânsia”, “aspiração”.
[9] “Le désir de mourir” na tradução francesa de Mirella Patureau-Nedelco (Œuvres, Gallimard, 1995, p. 446); “el deseo de la muerte” na tradução espanhola de Joaquín Garrigós (Tusquets/Marginales, 2000, p. 200). Em contexto no original romeno: “Cînd ai dilatat viaţa la infinit, voinţa de a te distruge emană dintr-o senzaţie dureroasă de plinătate. Căci nu lîncezeşti în dorul muririi decît întinzîndu-ţi fiinţa dincolo de spaţiul ei.” CIORAN, Emil, Amurgul gândurilor.
[10] Na tradução francesa, “a viva atração pelos espaços infinitos”: “Le vif attrait pour les espaces infinis inspirait le goût intense de l’aventure, de sorte que chacun était un conquérant virtuel ou réel.” CIORAN, Emil, La transfiguration de la Roumanie. Trad. de Alain Paruit. Paris : L’Herne, 2009, p. 306. No original romeno : “Un dor intens după spaţiul infinit a creat um gust arzător de aventură, încît fiece om era virtual sau real un conchistador.” CIORAN, Emil, Schimbarea la faţă a României (1936).
[11] Nostalgie trompeuse, “nostalgia enganosa” na tradução francesa de Alain Paruit (La transfiguration de la Roumanie, L’Herne, 2009, p. 312). Optamos por “ilusória”, em vez disso, por uma questão de fidelidade com o termo original – um conceito filosófico – utilizado por Cioran: amăgitor, cujo lexema encontra-se no título de Cartea amăgirilor, traduzido não como “O livro dos enganos”, mas O livro das ilusões – com uma conotação metafísica, de ares schopenhauerianos ou nietzschianos, portanto mais do que um mero “engano” psicológico e prosaico, e que poderia ser facilmente evitado.
[12] L’infini de cette nostalgie, na tradução francesa de Alain Paruit. CIORAN, E.M., La transfiguration de la Roumanie, p. 312.
[13] Mantemos “nostalgia” uma vez que o contexto discursivo é A transfiguração da Romênia (1936), em que o termo escolhido, em sintonia com o tradutor francês, é mais pertinente do que simplesmente “saudade” ao teor e ao escopo deste livro, na interface entre história dos povos, sociologia, psicologia e antropologia.
[14] “De l’infini négatif de la nostalgie à l’infini positif de l’héroïsme, tel est le chemin que doit parcourir l’âme roumaine pour ne pas s’engourdir enveloppée d’ombres.” CIORAN, E.M., La transfiguration de la Roumanie, p. 313.
[15] Na tradução espanhola: “[…] la nostalgia de perderme por caminos que los santos no anduvieron.” CIORAN, Emil, Lágrimas y santos. Trad. de Christian Santacroce. Madrid: Hermida, 2017, p. 63. De acordo com o dicionário romeno DEX Online, os significados do substantivo feminino pribegie, do verbo a pribegi, vão desde “vaguear”, “perambular”, “zanzar” (por aí, a esmo, de lugar em lugar, sem rumo), a “fugir”, “refugiar-se”, “abandonar a terra nativa”, “emigrar”, “exilar-se”. Fonte: https://www.dex.ro/pribegi
[16] No original romeno, “a única nostalgia, a nostalgia de outras quietudes”: “De cite ori timpul este suspendat, iar conștiința se epuizează în percepția spațiului, o dispoziție eleatic pune stăpînire pe noi și atunci înmărmurirea lucrurilor anulează amintirile într-o clipă veșnică. […] Și atunci ne încearcă singurul dor, dorul după alte înmărmuriri.” CIORAN, Emil, Lacrimi și sfinți. Bucureşti: Humanitas, 1991, p. 59. Na tradução espanhola: “una única nostalgia” (Lágrimas y santos, p. 73).
[17] Em espanhol: “inmenso anhelo de desolación” (Lágrimas y santos, p. 172).
[18] “Regretul de a nu fi, plantă, cine bă-l pliceapă ? Pe cine să-l înduioşeze dorul vegetal ?” [O lamento de não ser planta, quem o compreende? A quem comove essa nostalgia vegetal?]. CIORAN, Lacrimi și sfinți, p. 131. Em espanhol: “¿La añoranza de no ser planta, quién la comprende? ¿A quién conmueve esta nostalgia vegetal?” (Lágrimas y santos, p. 189).
[19] “În dorul după absolut există puritatea unui vag, care trebuie să ne lecuiască de infecţiile temporale şi să ne servească de prototip al neîncetatei suspendări. Căci aceasta nu-i, în fond, decît deparazitarea conştiinţei de timp.” (Amurgul gîndurilor). Na tradução francesa de Mirella Patureau-Nedelco: “La nostalgie de l’absolu a quelque chose de la pureté de l’indéfinissable, qui nous doit guérir des contaminations de la temporalité, et servir de modèle à cette incessante suspension. Car celle-ci, au fond, ne fait que débarrasser la conscience de ce parasite qu’est le temps.” (Le crépuscule des pensées, Œuvres, 1995, p. 341).
[20] A sentença com dor começa com nostalgia (“nostalgia de outra coisa”), exigindo uma alternativa de tradução (anelo): “Nostalgia după altceva din reveriile melancolice nu e decît dorul după un alt eu, dar pe care-l căutăm în peisaje, în depărtări, în muzică, înşelîndu-ne fără voie asupra unui proces mult mai adînc.” (Amurgul gândurilor) Na tradução espanhola de Joaquín Garrigós: “La nostalgia de otra cosa em los sueños melancólicos no es más que el deseo de otro yo, don que buscamos en los paisajes, en la lejanía, en la música, engañándonos involuntariamente en un proceso mucho más profundo.” (El ocaso del pensamiento, Tusquets, 2000, p. 54)
[21] “Panica într-o lume de obiecte trezeşte un dor mortal de femeie, ea însăşi obiect, însufleţit de patimile plictiselii noastre.” (Amurgul gândurilor) Na tradução española: “El pánico en un mundo de objetos despierta un deseo mortal por la mujer (objeto ella misma), deseo avivado por los padecimientos de nuestro hastío.” (El ocaso del pensamiento, Tusquets, 2000, p. 55) Na tradução francesa: “La panique au sein d’un monde d’objets réveille un désir mortel de la femme, elle-même objet, animé par les passions de notre ennui.” (Le crépuscule des pensées, Œuvres, 1995, p. 363)
[22] Dragostea de frumuseţe este inseparabilă de sentimentul morţii. Căci tot ce ne răpeşte simţurile în fioruri de admiraţie ne ridică într-o plenitudine de sfîrşit, care nu e decît dorul arzător de a nu supravieţui emoţiei. Versão espanhola: “El amor por la belleza es inseparable del sentimiento de la muerte. Pues todo lo que cautiva nuestros sentidos con escalofríos de admiración nos eleva a una plenitud de fin, que no es otra cosa sino el deseo abrasador de no sobrevivir a la emoción.” Há uma incorreção na tradução francesa (Œuvres, Quarto/Gallimard, 1995), por omissão de “não”: « L’amour de la beauté est inséparable du sentiment de la mort. Car tout ce qui ravit les sens en frissons d’admiration nous élève à une plénitude de fin, qui n’est que le désir ardent de survivre à l’émotion. »
[23] “Echivocul iubirii pleacă din faptul că eşti fericit şi nefericit în acelaşi timp, chinul egalînd voluptatea într-un vîrtej unic. De aceea, nefericirea în dragoste creşte cu cît femeia te înţelege şi te iubeşte mai mult. O pasiune fără margini te face să regreţi că mările au fund, şi dorul de scufundare în nemărginit îl stingi în nesfîrşitul azurului. Cerul măcar n-are graniţe şi pare făcut pe măsura verticalei sinucideri.” (Amurgul gândurilor) Versão francesa: “L’équivoque de l’amour vient de ce qu’on est heureux et malheureux en même temps, la souffrance égalant la volupté dans un tourbillon unitaire. C’est pourquoi le malheur en amour grandit à mesure que la femme comprend et aime davantage. Une passion sans limites fait regretter que les mers aient des fonds, et c’est dans l’immensité de l’azur qu’on assouvit le désir d’immersion dans l’infini. Au moins le ciel n’a pas de frontières, et semble à la mesure du suicide.” (Œuvres, Quarto/Gallimard, 1995, p. 396). Versão espanhola: “Lo equívoco del amor parte del hecho de que se es feliz y desgraciado a un tiempo, que el sufrimiento y el placer se igualan en un único torbellino. Por ello, la desdicha amorosa crece conforme la mujer más nos comprende y nos ama. Una pasión sin límites nos lleva a lamentar que los mares tengan fondo, y el deseo de sumergirnos en lo ilimitado lo aplacamos zambulléndonos en la infinitud del azul celeste.” (El ocaso del pensamiento, Tusquets, 2000, p. 112)
[24] “Arheologia fatală a iubirii scoate la suprafaţă nu numai durerile clare, actuale, ci şi toate nefericirile incomplete, pe care credeam a le fi îngropat pe veci, însîngerările ce le socoteam isprăvite şi însetează dorul suferinţelor prelungi.” (Amurgul gândurilor). Versão espanhola: “La arqueología fatal del amor saca a la superficie no solamente los dolores inconfundibles y actuales, sino también todas las desdichas incompletas que creíamos haber sepultado para siempre, todas las heridas que considerábamos cicatrizadas, y sacia el anhelo de sufrimientos prolongados.” (El ocaso del pensamiento, Tusquets, 2000, p. 112)
[25] “Devenirea este un dor imanent firii, o dimensiune ontologică a nostalgiei. Ea ne face inteligibil sensul unui „suflet“ al lumii.” Em espanhol: “El devenir es un deseo inmanente del ser, una dimensión ontológica de la nostalgia. Nos hace inteligible el sentido de un «alma» del mundo.” (El ocaso del pensamiento, Tusquets, 2000, p. 171). Nossa tradução: “O devir é um anseio imanente ao ser, uma dimensão ontológica da nostalgia. Ele torna inteligível para nós o sentido de uma ‘alma’ do mundo.”
[26] “Fără Dumnezeu, singurătatea ar fi un urlet sau o dezolare împietrită. Dar cu El, nobleţea tăcerii ne domoleşte aiureala nemîngîierilor. După ce-am pierdut toate, ne recîştigăm cumpătul înveşnicindu-ne visarea prin aleile lui desfrunzite. […] Dincoace de Dumnezeu, ne mai rămîne doar dorul de El.” (Amurgul gândurilor) Versão espanhola: “Sin Dios, la soledad sería un alarido o una desolación petrificada. Pero con El, la nobleza del silencio atempera el desvarío que nos produce la falta de consuelo. […] Más acá de Dios sólo nos queda el anhelo por El.” (El ocaso del pensamiento, Tusquets, 2000, p. 224) Nossa tradução: “Mais aquém de Deus, só nos resta a nostalgia Dele.”
[27] “E o zvîcnire ucigaşă ce-nvinge legăturile terestre, o sete de fericire în afară de fericiri, un dor de leşin astral, de pierzanie în fremătări, de înec în spume de regrete divine.” (Îndreptar pătimaş) Tradução francesa de Alain Paruit: “Il y a là une pulsión meurtrière qui tranche les liens terrestres, une soif de bonheur en dehors des bonheurs, un désir d’évanouissement astral, de perdition dans des frémissements, de noyade dans des écumes de regrets divins.” (Bréviaire des vaincus, Œuvres, Quarto/Gallimard, 1995, p. 518). Versão espanhola: “Hay un latido asesino que destroza los lazos terrenales, una sed de felicidad fuera de las felicidades, un anhelo de desmayo astral, de perdición en los temblores de ahogarse en espumas de pesares divinos.” CIORAN, E.M., Breviário de los vencidos. Trad. de Joaquín Garrigós. Buenos Aires: Tusquets, 2010, p. 26.
[28] “…Strămoşi ce v-aţi gemut anii în fluier, în mine nu mai sînteţi. Cîntecele voastre n-au răsunet în doruri pline de dulci înstrăinări şi de meleaguri norocoase.” (Îndreptar pătimaş) Versão francesa de Alain Paruit: “… Ancêtres dont les pipeaux pleuraient la vie, vous n’êtes plus en moi. Vos chansons n’éveillent pas d’écho nostalgique chez le déraciné plongé dans les délices des contrées mieux loties.” (Bréviaire des vaincus, Œuvres, p. 538). Versão espanhola de Joaquín Garrigós: “… Antepasados que durante tantos años habéis estado llorando vuestras penas con la flauta, ya no estáis en mí. Vuestros cantos no tienen el eco nostálgico de dulces desarraigos y de venturosas tierras.” (Breviário de los vencidos, Buenos Aires, Tusquets, 2010, p. 70).
[29] “Adîncimea unei filozofii o măsor după dorul de ducă pe care-l exprimă, pe care-l fuge. Sistemul de reflexii ce nu ascunde neajunsul fiecărui loc îndestulează respiraţii mijlocii, nelinişti aşezate.” (Îndreptar pătimaş) Eis os sentidos primários do substantivo feminino ducă, segundo o DEX Online: “partida”, “caminho” (como drum), “jornada”; de onde a expressão a fi pe ducă, “estar no/a caminho”, isto é, já morrendo, terminando, caducando, “nas últimas”. Em português, o verbo caducar e o substantivo caducidade (assim como a árvore de nome caduca) têm a mesma raiz etimológica latina de decadência, decair, declínio, etc. – cadere. Na tradução francesa de Alain Paruit: “Je mesure le profondeur d’une philosophie à l’aune du désir d’errance qu’elle exprime – et qu’elle fuit. ” Na tradução española: “Yo mido la profundidad de una filosofía por las ganas de huir que expresa. El sistema de reflexiones que no esconde las insuficiencias de cada lugar, favorece unas respiraciones mediocres, inquietudes reposadas.” (Breviário de los vencidos, Buenos Aires, Tusquets, 2010, p. 145) Uma vez que o binômio caducar/caducidade não carrega a mesma conotação espacial/cinética do termo romeno (tão polissêmico) ducă, muito embora compartilhem o sentido comum de estar a caminho do fim, ou (quase) “nas últimas”, optamos pelo verbo “desandar”, que pode significar (entre outras coisas) “piorar”, “declinar”, “deteriorar”. https://www.dex.ro/duca
[30] “Spaima e puntea între dor şi fire.” (Îndreptar pătimaş) Versão francesa: “Le peur est un pont entre le désir et l’être.” (Bréviaire des vaincus, Œuvres, p. 560). Versão espanhola: “El miedo es un puente entre anhelo y ser.” (Breviário de los vencidos, Buenos Aires, Tusquets, 2010, p. 122)
[31] Dorí funciona como sinônimo de “desejar”, “ansiar”, “aspirar” ardentemente por algo. Uma ocorrência: “Numai un om mediocru poate dori sa moara la batrînete.” (Pe culmile disperarii). Na edição brasileira, traduzido por Fernando Klabin: “Só um medíocre poderia desejar morrer na velhice.” CIORAN, Emil, “Eternidade e moral”, Nos cumes do desespero, p. 79.
[32] Segundo o DEX Online, o substantivo neutro alean é oriundo do húngaro ellen, que significa “contra”. https://www.dex.ro/alean
[33] Sobre alimentos e bebidas que têm um sabor ruim, duro (ferroso, alcalino). Em sentido figurado, “pavoroso”, “doloroso”; “triste”, “chateado”. De onde as expressões: pâine amară, “pão amargo”, alimento obtido com muito esforço; a face (cuiva) zile amare, literalmente “tornar amargos os dias de alguém”, criar-lhe problemas, tornar sua vida um inferno; a-și înghiți amarul, “engolir sua amargura”, “sofrer em silêncio”; a-și vărsa amarul, “despejar sua amargura”, “fazer confissões”, “confessar suas dores e sofrimentos”; amar de vreme, “tempo/clima amargo”. Derivado do latim amarus. https://www.dex.ro/amar
[34] Substantivo feminino, tendo durere como um de seus sinônimos. De onde as locuções de jale, cu jale, “de luto”, “com pesar/pesaroso”, “triste”, “em prantos” [de plâns], cheio de saudade/pesar [plin de dor]. https://www.dex.ro/jale
[35] Desejo profundo, ardente, notadamente de algo que é difícil obter. Cu jind, “com ardor”, “cheio de vontade”, “desejoso”. https://www.dex.ro/jind
[36] G. I. Tohăneanu, Teodor Bulza, O seamă de cuvinte românești, Timișoara, Editura Facla, 1976, p. 52.
[37] Alain Rey (1928-2020) foi um linguista lexicógrafo e radialista francês, além de editor-chefe dos dicionários Le Robert.
[38] No original: « Il se cache toujours quelque chose derrière les mots, quelque chose de précis et d’infini à la fois ».
[39] “De meu país eu herdei o niilismo de raiz [foncier], seu traço fundamental, sua única originalidade. Zădărnicie, nimicnicie – estas palavras extraordinárias, mas não são palavras, são as realidades do nosso sangue, do meu sangue.” CIORAN, E.M., Cahiers: 1957-1972. Paris: Gallimard, 1997, p. 685. Segundo o DEX Online, caráter do que é zadarnic (adjetivo), inútil, imprestável, sem sentido [fără rost], e também deserção, inutilidade, ambição desmedida, vaidade, orgulho desmedido, soberba. https://www.dex.ro/z%C4%83d%C4%83rnicie
[40] Também o nome de uma cidade na Croácia, conhecida por ser a cidade croata mais antiga e continuamente habitada desde sua fundação, que remonta ao neolítico. O nome Zadar está relacionado, desde os tempos antigos, a termos que soam familiares para nós, como “ladeira” e o inglês ladder (escada do tipo móvel, de encostar na parede).
[41] A julgar pela raiz grega da palavra, logos, em toda sua profundidade, sua densidade polissêmica, poder-se-ia entendê-lo não apenas estritamente no sentido de discurso escrito, mas também de pensamento, atividade intelectual e racional (o “Pai do logos” no dizer de Derrida, aludindo a Sócrates, em diálogo com Platão, no Fedro), fundamento mesmo do fazer filosófico.
[42] Referindo-se a contextos lexicais de certos termos do Dicionário na língua romena, presente e passada, o que demonstra a originalidade e a criatividade do jovem, em seu próprio “território linguístico”, de inovar e ampliar as possibilidades poéticas do idioma romeno.
[43] Zădărnicie e dor seriam, por um lado, exemplos de termos romenos com esse valor de antiguidade, e que são, de acordo com Constantinovici, mais difíceis de traduzir. Eternitate, esenţa e luciditate, por sua vez, mostram-se clara e imediatamente mais fáceis de traduzir.
[44] NOICA, Constantin, Cuvânt împreună despre rostirea românească, p. 19.
[45] Passagem periódica de rebanhos, geralmente de carneiros, da planície para as montanhas e vice-versa. Também o ato de passar de um país ou de uma região para outro(a), normalmente na busca de melhores condições de vida e subsistência. https://dicionario.priberam.org/transum%C3%A2ncia
[46] De mioară, que significa “ovelha”, deriva o diminutivo mioriţă, “ovelhinha”, título de uma das mais importantes lendas populares romenas (do gênero da balada). Ion Vartic afirma que a lenda da Mioriţă seria tão importante para o (e fundadora do ethos do) povo romeno, quanto Dom Quixote para os espanhóis. “‘Os mitos de uma nação são suas verdades vitais, afirma Cioran. […] Trata-se da Mioriţă, a balada típica da Romênia, rechaçada prontamente por Cioran por não ativar nos romenos nem o impulso agressivo aos feitos, porque fomenta unicamente a ‘resistência passiva’ e os ‘valores do pathos (n.n.: do sofrimento e ao mesmo tempo sofríveis, pacientes, inermes) surgidos da falta de participação’, da resignação e da preguiça em ingressar no curso da história. […] Por isso mesmo, Mioriţă se tornou para Cioran o mito romeno culpável por excelência: ‘o abandono passivo ao destino e à morte; a descrença na eficácia da individualiade e da força; a distância menor ante todos os aspectos da vida resultaram na maldição poética e nacional que é a Mioriţă, que, junto à cordura dos cronistas, constitui a ferida aberta da alma romena’.” VARTIC, Ion, Cioran: ingenuo y sentimental. Trad. de Francisco Javier Marina Bravo. Zaragoza: Mira Editores, 2009, p. 110-111.
[47] Em português: “As palavras têm o mesmo destino que os seres, uma biografia, nascer, viver e morrer”.
[48] Jean Starobinski é o autor de uma História cultural da tristeza, a tematizar essa distinção entre o caráter superficial e frívolo de “tédio”, em sua acepção corrente, e ordinária, por um lado, e o ennui como experiência interior e profunda ( “subterrânea”), extraordinária e, eventualmente, transformadora em termos subjetivos. STAROBINSKI, Jean, A tinta da melancolia: uma história cultural da tristeza. Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Cia. das Letras, 2016. Além deste, há também Filosofia do tédio (Jorge Zahar, 2006) de Lars Svendsen – que, aliás, cita Cioran en passant.
[49] Uma vez mais, em acepção profunda e “vertical” (dir-se-ia metafísica), angustiante, desestabilizadora, vertiginosa e abismal, “irrespirável”, tal como Cioran interpreta, por exemplo, a experiência existencial e vital (le vécu) de Pascal, um de seus filósofos mais queridos.
[50] “Plictiseala este forma cea mai elementară de suspendare a timpului, precum extazul este ultima şi cea mai complicată. De cîte ori ne plictisim se opreşte timpul în ţesuturi ; uneori îi auzim oprirea şi-i savurăm cu chin tăcerea. Organismul este atunci un ceas care stă şi care ştie că stă. In orice plictiseală există conştiinţa stagnării temporale, cu atît mai mult cu cît din ce ne plictisim mai mult, din aceea sintem mai puţin inconştienţi.” CIORAN, Emil, Lacrimi şi sfinti. Bucureşti: Humanitas, 1991, p. 123.
[51] “Melancolia, tristețea, disperarea, groaza și extazul se ramifică din trunchiul masiv al plictiselii; de aici nediferențierea și originarul acesteia. Există flori ale melancoliei și tristeții; îmi place să mă gândesc la rădăcini, când e vorba de plictiseală. (…) Astfel, orice plictiseală adâncă sfârșit prin a deveni stare în sine și, scoțând-ne din lupta cu obiectele, nu plasează în fața ei, folosind oamenii se mai împărtășesc după modul în care se plictisesc și încearcă să se salveze din plictiseală.” Em espanhol: “La melancolía, la tristeza, la desesperación, el horror y el éxtasis son ramificaciones nacidas del tronco masivo del aburrimiento; de ahí la indiferenciación y originalidad de éste. Hay flores de la melancolía y de la tristeza; pero me gusta pensar en las raíces cuando se trata del aburrimiento. Así, todo aburrimiento profundo acaba convirtiéndose en un estado en sí que, sustrayéndonos de la lucha con los objetos, nos sitúa frente a ellos, a tal punto que los hombres se dividen según el modo en que se aburren e intentan escapar del aburrimiento.” CIORAN, Emil, Lágrimas y santos, p. 136.
[52] Palavra de uma grande densidade semântica. Segundo o DEX Online, pornit(ă) significa “pronto(a)”, “preparado(a)”, “a ponto de…”, “inclinado(a)”, “predisposto(a)”, “propenso(a)”, “determinado(a)”, “decidido(a)”, “impetuoso(a)”, “furioso(a)”, ávido(a)”, entre outros. A língua inglesa possui uma expressão interessante que poderia traduzir pornit: hell-bent. https://www.dex.ro/pornit
[53] Em francés: « L’homme est un mendiant d’existence. Un portefaix ridicule dans l’irréalité, un ravaudeur de la nature. » (Bréviaire des vaincus, Œuvres, p. 565). Em espanhol: “El hombre es un mendigo de la existencia. Un ridículo ganapán en la irrealidad, un chapucero de la naturaleza.” (Breviario de los vencidos, p. 136) Nossa tradução: “O homem é o mendigo da existência. Um pobre-diabo ridículo na irrealidade, um trapalhão da natureza.” O DEX Online define salahor como “trabalhador não qualificado, pago por dia, principalmente na construção civil (casas, estradas, etc.), explorados no passado pelos otomanos, que os utilizavam para a reparação das cidades turcas, a manutenção de estradas, entre outros trabalhos braçais e pesados. https://www.dex.ro/salahor
[54] É, de fato, o lexema mais frequentemente empregado nos textos romenos de Cioran, o que evoca prontamente dois aforismos seus, no caso, escritos já em língua francesa, e que são muito sugestivos (ou reveladores), em visão retrospectiva, daquele que se reivindicava uma lucidez nefasta e luciferina. “Eu abuso da palavra Deus, emprego-a com frequência, muita frequência. Faço isso toda vez que toco uma extremidade e preciso de um vocábulo para designar o que vem depois. Prefiro Deus ao inconcebível.” CIORAN, E.M., Aveux et anathèmes (1987), Œuvres, p. 1652. “Alguém emprega continuamente a palavra ‘vida’? Saiba que é um doente.” IDEM, Silogismos da amargura, p. 41. Se “vida” é a palavra da qual ele mais abusa (2.816 ocorrências), “Deus” (Dumnezeu em romeno) ocupa a sétima posição (1.12 ocorrências), atrás de “morte” (1.074), “tempo” (1.174), “nada” (1.775), “mundo” (2.617) e, em segundo lugar, “homem” (2.617).
[55] No original: “Până şi-n moarte caut viaţa şi rostul meu nu este decât a o descoperi în tot ce nu e ea.” Na tradução francesa: “Je cherche la vie même dans la mort, et n’ai d’autre but que de la découvrir en tout ce qui n’est pas elle.” Versão espanhola: “Incluso en la muerte busco la vida y mi papel no es otro que descubrirla en todo lo que ella no es.”
[56] Vale notar a similitude de “coração”, em romeno, com a palavra latina para “alma”, anima (sendo este um conceito teológico e metafísico, não anatômico. “Alma”, em romeno, é suflet, “sopro”.
[57] „Spune unui suflet delicat: despărţire şi ai trezit poetul din el. Acelaşi cuvânt, unui om de rând nu-i inspiră nimic. Şi nu numai despărţire, ci orice. Diferenţa între oameni se măsoară după rezonanţa afectivă a cuvintelor. Unii se îmbolnăvesc de o sfârşeală extatică ascultând o expresie banală, alţii rămân reci la o probă de zădărnicie. Pentru aceia nu este cuvânt în dicţionar care să nu ascundă o suferinţă, iar aceştia, nici n-o au în vocabular. Prea puţini sunt cei ce-şi pot întoarce cugetul – oricând – spre întristare.” (Amurgul gândurilor) “Prononcez devant une âme délicate le mot « séparation », et vous réveillez en elle le poète. Le même mot n’inspire rien à l’homme moyen. Ainsi de n’importe quel autre terme. Ce qui différencie les hommes se mesure à la résonance affective des mots. Il y en a qui, à entendre une expression banale, tombent malades de faiblesse extatique, d’autres restent froids devant une preuve de vanité. Pour ceux-là, point de mot dans le dictionnaire qui ne cache une souffrance, quand les derniers ne l’ont même pas dans leur vocabulaire. Trop rares sont ceux qui peuvent – n’importe quand – tourner leur esprit vers la tristesse.” (Le crépuscule des pensées) Versão espanhola: “Dile a un alma delicada la palabra separación y brotará el poeta que hay en ella. La misma palabra a un hombre cualquiera no le inspira nada. Y no solamente separación, sino cualquier otra palabra. La diferencia entre los hombres se mide por la resonancia afectiva de las palabras. Algunos enferman de agotamiento extático al oír una expresión banal, otros se quedan fríos ante una prueba de inanidad. Para aquellos no hay palabra en el diccionario que no esconda un sufrimiento, y para éstos ni siquiera forma parte de su vocabulario. Muy pocos son los que pueden volver su mente en todo momento hacia la tristeza.” (El ocaso del pensamiento)
[58] C’est une volière où évoluent des papillons qui sont toujours plus beaux vivants que morts et épinglés.
[59] Les mots sont des oiseaux migrateurs.
Republicou isso em Espacio M. Liliana Herrera A. 🇨🇴.
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