
Há escritores que nós buscamos, e há escritores com os quais nos deparamos. Emil Cioran é indiscutivelmente do último tipo. Foi assim que conheci a sua obra, como um estudante vagando, num tarde chuvosa, por uma livraria de livros usados em Seattle. Na seção de Filosofia, provavelmente espremido entre “Cícero” e “Confúcio”, estava um livro que se destacou simplesmente pelo título: A Short History of Decay. Com a lombada enrugada e ligeiramente amassado, era de um autor sobre quem eu não sabia absolutamente nada. Mas o título era chamativo. Decomposição, declínio, decadência – estes nunca são tópicos populares, especialmente numa época como a nossa, tão apaixonada pelo poder explicativo da ciência quanto como estamos por uma preocupação quase religiosa com a autoajuda. Mas, como se pode escrever uma breve história da decomposição? Não haveria algo de contraditório em elaborar uma “história” da decadência? Até o título original em francês – Précis de decomposition – é curioso. Em francês, costuma-se dar o título Précis a resumos de livros: por exemplo, Précis de littérature française ou Précis de mathématiques. Mas um “précis” da decomposição? Parecia absurdo escrever um livro assim. Então eu o comprei.
Aquele sebo não existe mais, e eu ainda tenho a minha cópia do livro de Cioran. Originalmente publicado em 1949, A Short History of Decay foi o primeiro livro que Cioran escreveu em francês. Nascido na pequena aldeia romena de Rasinari, em 1911, Cioran frequentou a universidade em Bucareste, onde descobriu as obras de Pascal e Nietzsche. Enquanto esteve lá, fez amizade com Mircea Eliade e Eugène Ionesco e, ainda na casa dos vinte anos, publicou vários livros em romeno, numa prosa apaixonada e lírica. Também se fascinou com a turbulenta política da época, com um entusiasmo que acabaria dando lugar à desilusão e à amargura. No final dos anos 1930, com o apoio do Instituto Francês em Bucareste, Cioran viajou a Paris, aparentemente para escrever uma tese de Filosofia. Em vez disso, passou os seus dias andando de bicicleta pela França. Foi uma época de extrema pobreza para ele; não só lhe fora difícil cobrir as suas despesas, como atravessaria um autoexílio cultural e linguístico, passando a escrever em uma língua que não era a sua, num estilo fragmentário, durante as longas noites de insônia que enfretaria por toda a sua vida. Na década de 1940, contra o pano de fundo da guerra, Cioran iniciou um projeto que se intitulava inicialmente Exercices négatifs (Exercícios negativos), e em seguida Penseur d’occasion (Pensador de segunda mão), antes de finalmente se tornar Précis de decomposition, ou A Short History of Decay na presente tradução. O projeto abriu uma comporta em seu pensamento, resultando em cerca de oitocentas páginas do manuscrito e quatro diferentes versões manuscritas do livro.
Quando A Short History of Decay foi publicado, polarizou os leitores. Muitos o consideraram excessivamente taciturno e pessimista, completamente fora de sintonia com o otimismo obrigatório da cultura europeia do pós-guerra. Outros o elogiaram justamente pelas mesmas razões (em sua resenha do livro, Maurice Nadeau se refere a Cioran como “aquele cuja chegada fora preparada por todos os filósofos do vazio e do absurdo, prenúncio de más notícias por excelência”). O impacto original do livro de Cioran pode ser sentido ainda hoje com leitura de A Short History of Decay. Como Nietzsche, Cioran pretende expor as hipocrisias da condição humana; mas, ao contrário de Nietzsche, nunca oferece uma saída, um novo horizonte ou mesmo palavras de inspiração. E, no entanto, há um entusiasmo na prosa de Cioran que transparece, apesar de sua predileção pelo pessimismo e pelo desespero: “It is because it rests on nothing, because it lacks even the shadow of an argument that we persevere in life. [É porque não se apoia em nada, porque falta até mesmo a sombra de um argumento que perseveramos na vida]”; “How invent a remedy for existence, how conclude this endless cure? And how recover from your own birth? [Como inventar um remédio para a existência, como concluir essa cura sem fim? E como se recuperar do seu próprio nascimento?]” Há uma espécie de êxtase do pior na escrita de Cioran que se manifesta em suas muitas vozes – às vezes filosóficas, às vezes poéticas, às vezes políticas, sempre polêmicas. A Short History of Decay é ao mesmo tempo uma obra de filosofia e uma espécie de canção, um testamento conflituoso e agonístico da “magnífica futilidade” que é a humanidade – e a ambivalência que este livro expressa é, indiscutivelmente, cada vez mais relevante hoje, em nossa própria era de mudanças climáticas, pico do petróleo, desastres naturais e artificiais.
Embora seus livros tenham uma boa acolhida hoje, e embora tenham recebido muitos prêmios literários (quase todos recusados), Cioran sempre se manteve à distância do mundo da literatura e da filosofia. A seu obstinada experimentação com o estilo evitou que seu trabalho fosse facilmente reconhecido [from being easily recognized]: nem filosofia, nem poesia, nem ensaio, nem romance, nem manifesto, nem confissão. Talvez ele mesmo tenha preferido assim. Claro, em nossa era digital é muito fácil encontrar os livros de Cioran. A verdadeira questão é: por que alguém iria lê-los? Neste sentido, talvez a única maneira de encontrar Cioran seja topando com ele, por acidente ou destino.
THACKER, Eugene, prefácio à edição inglesa de Précis de décomposition: E.M., Cioran, A Short History of Decay. Transl. by Richard Howard. New York: Skyhorse Publishing, 2012. Tradução do inglês de Rodrigo Inácio R. Sá Menezes.