“Não se pode eludir a existência com explicações, só se pode suportá-la, amá-la ou odiá-la, adorá-la ou temê-la, nessa alternância de felicidade e de horror que exprime o ritmo mesmo do ser, suas oscilações, suas dissonâncias, suas veemências amargas ou alegres.”
Breviário de decomposição
A vida tem um ritmo e está em constante movimento. Nas tribos Malinke, a palavra para designar “ritmo” é “Foli”: uma palavra que abrange muito mais do que percussão, danças e sons. “Foli” encontra-se por toda parte da vida cotidiana. Neste filme, não apenas escutamos e sentimos o ritmo, mas também podemos vê-lo. Uma combinação extraordinária de imagem e som que alimenta os sentidos, lembrando-nos o quão essencial é, para a vida, o ritmo.
Admirável ubiquidade do ritmo entre as tribos Malinke, de tal maneira que não separam a música dos afazeres diários, em seus mínimos detalhes. Cantando e dançam trabalhando, produzindo ritmo continuamente. A linguagem e suas palavras mesmas não são meramente funcionais e utilitárias: são absolutamente poéticas e musicais, rítmicas. Até os passos entre a casa e o campo, e de volta para casa, são ritmados, marcando um compasso vital. Tudo é pretexto para a música, até o que lhe pareceria mais alheio.
Alan Watts faz uma reflexão bastante oportuna acerca da integração entre vida, espírito e música. Ele questiona: “Quando você esteve absorvido num som, onde estava você? Isto poderia chamar-se um estado de consciência no qual experimentamos uma forma primitiva de samadhi. Isto é, ficamos tão alegremente absorvidos no que no que estamos fazendo que nos esquecemos de nós mesmos. Não se pode experimentar isto e preocupar-se ou pensar nada seriamente.” Segundo Watts,
É por isso que os antigos povos descobriram o canto e o cantarolar, e todos cantavam enquanto trabalhavam. Mas você notará que hoje muito poucas pessoas cantam. É preciso fazer disso algo especial. As pessoas têm medo de suas vozes – pois a sua voz melódica é distinta da sua voz falada. Eu conheço um número enorme de pessoas que nunca cantaram. Por que é que quando as escrituras, os Upanishads, os Sutras são lidos, eles são invariavelmente cantados? Porque uma dimensão suplementar é adicionada à voz assim que nela se introduz uma nota. Este é o elemento divino, entende? O som da nota, o som visto – falando simbolicamente…
Alan WATTS, “Still the mind“
OBS: Curiosamente, a palavra “Foli” não carece de semelhança morfológica com folie e folle: “loucura” e “louca”, em francês.