“Iluminismo, Romantismo e Misticismo a partir da obra de Kant” – André Luiz Pinto da Rocha

Revista Terceira Margem – Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da UFRJ,  v. 20, n. 33 (2016).

Resumo: O objetivo desse artigo é analisar a instauração da filosofia contemporânea tendo como enfoque dois movimentos, a Ilustração e o Romantismo. A filosofia kantiana será levada em conta, em especial, a analítica do Belo. A tese então defendida é mostrar que um ponto que distingue o contemporâneo dos períodos anteriores é a associação feita entre universalidade e comunicabilidade, o que explica parte do rechaço do kantismo à mística cristã.

Palavras-chave: Belo; Mística; Ilustração; Romantismo.

Abstract: The aim of this article is to analyze the establishment of contemporary philosophy, focusing on two movements, Enlightenment and Romanticism. The Kantian philosophy will be taken into account, especially the analytic of beauty. The thesis then defended is to show that a point that distinguishes the contemporary from the previous periods is the association between universality and communicability, which explains part of the rejection of Kantianism to the Christian mystique.

Keywords: Beauty; Mystique; Enlightenment; Romanticism.

1 :: Rascunhos de uma vida moderna

O império da razão e a verdade da revelação serão tão díspares como a princípio se mostram? Não haverá um teor comum que os unifique numa experiência sólida e originária? Que confluências as separam e que outras as estreitam? Uma característica da modernidade entre os séculos XVI e XVII é o de ter sido um preparativo em que se abolira, ou, pelo menos se pretendia abolir, a febre da ignorância, a clausura da fé. O racionalismo e o empirismo culminaram na derrocada de um passado supersticioso. A crença no oculto foi substituída por uma crença não menos desmedida no progresso. Outros deuses se ergueram e ditaram as suas regras. O século das Luzes foi o principal representante dessa mudança que se deu inicialmente na Europa. Um discurso cada vez mais teórico, abstrato e impessoal, leis cada vez mais fundadas em princípios do que na tradição, e mesmo uma teologia cada vez mais simbólica do que histórica, como no catolicismo do Padre Drewermann ou no judaísmo de Emmanuel Lévinas, colocam em xeque a ideia de verdades inabaláveis que não se sujeitassem aos modismos da hermenêutica. Mas esta foi uma mudança que encontrou seus entraves. O integrismo trata-se de “um fenômeno único e inquietante” que se encontra espalhado nas mais diversas designações religiosas: no “islã de Khomeini”, no “cristianismo do reverendíssimo Lefebvre ou o judaísmo da extrema direita israelense”1. O fundamentalismo tem sido no mínimo preocupante para quem defende o liberalismo e a democracia; mesmo o conservadorismo de João Paulo II nas encíclicas Fides et ratio e Veritatis splendor guardam alguma reserva à laicização. Há receio de que a própria teologia acabe reduzida a uma psicoteologia, numa psicanálise do fenômeno da fé, na degradação da narrativa dos Evangelhos à mitologia, dos êxtases a apenas mais um gozo ou jorro do inconsciente, e da iconografia católica a apenas mais uma exposição dos arquétipos; trata-se de situação mais perigosa do que as vociferações do luteranismo, pois, pior do que o ódio que se deposita a uma religião acontece quando a iconografia e a mitologia são tidas como triviais. O século das Luzes foi determinante para mudar de uma transcendência vertical, “antigamente” reservada “à divindade” e mesmo durante as revoluções liberais a “entidades superiores aos homens, como a Pátria ou a Revolução”, para uma transcendência cada vez mais horizontalizada. Depara-se na filosofia contemporânea, em diferentes feições, com o mesmo dilema: o místico agora se realizava no indivíduo e em nome do indivíduo, como que a lhe preencher o vazio da existência. Os pretendentes a substituírem a religião propõem uma solução terapêutica: ora se dirige à pessoa, como na psicanálise, ora ao coletivo, como nos arquétipos de Jung, e mesmo em doutrinas a princípio contra individualistas como o marxismo, ingressa-se o elemento religioso da conversão… [+]

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