Toda inspiração procede de uma faculdade de exagero: o lirismo – e todo o mundo da metáfora – seria uma excitação lamentável sem esse ardor que incha as palavras até fazê-las estourar. Quando os elementos ou as dimensões do cosmo parecem demasiado reduzidos para servir de termos de comparação a nossos estados, a poesia só espera – para superar sua fase de virtualidade e de iminência – um pouco de claridade nas emoções que a prefiguram e a fazem nascer. Não há verdadeira inspiração que não surja da anomalia de uma alma mais vasta que o mundo… No incêndio verbal de um Shakespeare e de um Shelley, sentimos a cinza das palavras, resíduo e traço da impossível demiurgia. Os vocábulos se incrustam uns nos outros, como se nenhum pudesse alcançar o equivalente da dilatação interior; é a hérnia da imagem, a ruptura transcendente das pobres palavras, nascidas do uso cotidiano e alçadas milagrosamente às alturas do coração. As verdades da beleza nutrem-se de exageros que, ante um pouco de análise, revelam-se monstruosos e ridículos. A poesia: divagação cosmogônica do vocabulário… Já se combinou mais eficazmente o charlatanismo e o êxtase? A mentira, fonte das lágrimas!, esta é a impostura do gênio e o segredo da arte. Ninharias infladas até o céu; o inverossímil, gerador de universos! É que em todo gênio coexiste um marselhês e um Deus.
CIORAN, “O equívoco do gênio”, Breviário de decomposição. Trad. de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.