Expresso, Portugal, 13 de março de 2021
Ainda que o negrume seja quase idêntico ao dos livros posteriores, o tom poético-diarístico, exaltado e enojado, contrasta com a elegância e a contenção que fariam de Cioran um dos grandes estilistas de língua francesa
Emil Cioran não conseguia dormir. Tinha 22 anos, concluíra os estudos universitários em Bucareste e supostamente trabalhava numa tese sobre Bergson. Mas na sua cabeça a tese que ganhava forma era a da “inanidade da filosofia”. Várias inquietações o conduziam a essa conclusão, de um pessimismo profundo quanto à existência de um “sentido”, de uma “verdade”, de “valores”, à circunstância biográfica de sofrer de insónias graves. A “vigília ininterrupta” condenava-o a uma “consciência exasperada” e a uma “lucidez vertiginosa”, mergulhando-o numa pura interioridade, como se fosse um “escafandrista do nada”.
Os tormentos de juventude, a melancolia romena e algumas leituras nacional-decadentistas (o livro saiu em 1934) justificavam o acentuado niilismo. Mas se “Nos Cumes do Desespero” é uma boa introdução às ideias de Cioran, transmite uma impressão errada, porque limitativa, acerca do seu estilo. Ainda que o negrume seja quase idêntico ao dos livros posteriores, nomeadamente os que escreverá em França, e em francês, a partir de “Précis de décomposition” (1949), o tom poético-diarístico, exaltado e enojado, contrasta com a elegância e a contenção que fariam de Cioran um dos grandes estilistas contemporâneos de língua francesa (com Gide, Valéry, Gracq ou Debord)… [+]