Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. Trata-se de jogos; é preciso primeiro responder. E se é verdade, como quer Nietzsche, que um filósofo, para ser estimado, deve pregar com o seu exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, porque ela vai anteceder o gesto definitivo. São evidências sensíveis ao coração, mas é preciso ir mais fundo até torná-las claras para o espírito.
CAMUS, O Mito de Sísifo (1942)
Camus, o grande escritor franco-argelino, tem um livro em que começa dizendo que o único problema filosófico realmente sério é o do suicídio. O suicídio é uma coisa muito grave: a pessoa avalia o mundo, avalia a si própria e acha que não vale a pena. Mas apesar dessa frase ser muito bonita, Camus, a meu ver, estava errado. O problema filosófico na verdade não é o do suicídio, que é apenas um aspecto dele. Mais grave, para mim, é o problema do mal e do sofrimento humano. Então, sinto que Leandro Gomes de Barros formulou muito melhor que Camus essa questão. Essa é a pergunta mais séria que as pessoas que não acreditam em Deus podem fazer às que acreditam. Repare:
Se eu conversasse com Deus
iria Lhe perguntar
por que é que sofremos tanto
quando viemos para cá?
Que dívida é essa
que o homem tem de morrer para pagar?
Perguntaria também
como é que Ele é feito
que não come, que não dorme
e assim vive satisfeito.
Por que foi que Ele não fez
a gente do mesmo jeito?
Por que existem uns felizes
e outros que sofrem tanto,
nascidos do mesmo jeito,
criados no mesmo canto?
Quem foi temperar o choro
e acabou salgando o pranto?
Veja que coisa linda! Isso coloca em questão a própria existência de Deus. É como se Deus tivesse querido temperar o choro e acabou errando na mão, como se Deus fosse capaz de dar um erro, e infringido um sofrimento terrível ao ser humano… Então, para mim Deus é uma necessidade. Então, repito: se eu não acreditasse, seria um desesperado. (Ariano Suassuna)