«Erfahrung», «Erlebnis», História e Narração em Walter Benjamin: entrevista com Jeanne-Marie GAGNEBIN

Revista Redobra, UFBA, no 14, ano 5, 2014. [PDF]

Entrevista realizada por:
Fabiana Dultra Britto
Paola Berenstein Jacques

I – Experiência e transmissão

1. Em seu livro História e narração em Walter Benjamin, ao tratar de história e narração, duas outras noções surgem também relacionadas, experiência e transmissão. Alguns autores contemporâneos, como Agamben, insistem na questão da impossibilidade da experiência hoje. Não poderíamos pensar que a principal questão – ao invés de não ser mais possível fazer experiências – ainda seria, como em Benjamin, a sua dificuldade de transmissão? A necessidade de se buscar outras formas de narração, de se compartilhar experiências, de se escrever a história?

2. Em Benjamin, a questão da experiência está relacionada à infância, mas também à grande cidade, a um tipo de experiência urbana moderna, seja de Berlim, seja de Paris, ou ainda nas várias outras cidades visitadas e comentadas por Benjamin: Moscou, Weimar, Marselha, Nápoles… Estas experiências, da infância e da cidade, estariam relacionadas entre si? E qual a importância destas para o pensamento do autor, em particular da experiência da cidade na modernidade?

Devemos partir da distinção que vocês conhecem bem, entre Erfahrung e Erlebnis, que podemos traduzir, respectivamente, por experiência e vivência ou experiência vivida. O primeiro conceito, Erfahrung, é o mais antigo; ele remete no seu núcleo etimológico (fahren, viajar, atravessar um país) às errâncias e provações de Ulisses, esse primeiro viajante de nossa tradição ocidental. Aliás, as provações de Ulisses, em grego, seus sofrimentos e suas vitórias, são ditas no radical grego “peiran” que, depois, passando pelo latim, dá nossa palavra “experiência”. Se a Odisseia pode ser dita o paradigma do caminhar da vida e do pensamento, ela também é o modelo de uma narração bem sucedida, aquela de Homero (mesmo que esta figura singular nem tivesse existido enquanto tal) e, sobretudo, a do próprio Ulisses que conta suas aventuras, nos cantos centrais do poema, a seus anfitriões na ilha da Feácia. Essa cena demonstra não só a aptidão narrativa do herói, mas, também, a vontade, o desejo de ouvir histórias dos seus ouvintes. Eles preferem passar uma noite em branco a perder essas belas histórias. E Ulisses, por sua vez, aceita de bom grado postergar sua partida para Ítaca e continuar narrando durante vários dias.

O que nos diz este episódio? Que a faculdade de contar e de ouvir histórias é intimamente ligada a uma temporalidade pré-capitalista, para dizê-lo de maneira sucinta. A evocação da produção ligada ao artesanato no ensaio O narrador, de Benjamin, não significa uma nostalgia retrógrada, mas assinala que o ritmo da narrativa tradicional, popular e transmitida pela épica, segue o ritmo de uma produção na qual a matéria trabalhada (madeira, pedra ou mesmo voz) impõe certos ritmos específicos. Com o advento da industrialização e do capitalismo, o tempo da produção se torna um fator essencial da obtenção da mais-valia e, portanto, do lucro. Essa aceleração se torna universal, também em relação aos processos de narração, de escrita (Twitter!), de transmissão e de experiência: a vivência (um termo introduzido no fim do século XIX) designa uma experiência individual, não mais ancorada numa experiência coletiva, geralmente ligada a um presente fugidio, não mais ancorado numa tradição comum. Portanto, uma experiência vivida, certamente real, mas evanescente e difícil de ser realmente transmitida como um bem comum. Aliás, quem ainda tem tempo para ouvir de maneira gratuita, pelo simples prazer de ouvir? Esse ritmo acelerado transforma a comunicação cotidiana e as formas artísticas de comunicação e de pensamento. Elas continuam existindo, mas são outras: ensaio efêmero, romance, filme, conto curto, videoclipe! E também são menos duráveis porque seguem a lei das novidades mercadológicas. Nesse sentido, também duram menos na memória do público que são muito mais consumidores do que ouvintes pacientes e curiosos… [PDF]

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