“Acedia” – CIORAN

Esta estagnação dos órgãos, este embotamento das faculdades, este sorriso petrificado não te recordam muitas vezes o tédio dos claustros, os corações desertos de Deus, a secura e a idiotia dos monges execrando-se no arrebatamento extático da masturbação? És apenas um monge sem hipóteses divinas e sem o orgulho do vício solitário.

A terra, o céu, são as paredes de tua cela e, no ar que nenhum hálito agita, só reina a ausência da oração. Prometido às horas ocas da eternidade, à periferia dos estremecimentos e aos desejos embolorados que apodrecem ao aproximar-se a salvação, tu te moves na direção de um Juízo sem fausto e sem trombetas, embora teus pensamentos, por toda solenidade, só imaginaram a procissão irreal das esperanças.

Graças aos sofrimentos, as almas se arremessavam outrora até as abóbadas: tu te chocas contra elas. E tornas a cair no mundo como em uma Trapa sem fé, arrastando-te pelo Bulevar, Ordem das mulheres perdidas – e de tua perdição.

CIORAN, “Acedia”, Breviário de decomposição. Trad. de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2011, p.99-100.


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