Eis por que os Mistérios antigos, pretensas revelações dos segredos últimos, não nos legaram nada em matéria de conhecimento. Sem dúvida, os iniciados estavam obrigados a não transmitir nada. No entanto, é inconcebível que em tão grande número não se tenha encontrado um só tagarela; o que há de mais contrário à natureza humana que tal obstinação no segredo? O que acontece é que não havia segredos; havia ritos e estremecimentos. Uma vez afastados os véus, o que podiam descobrir senão abismos sem importância? Só há iniciação ao nada – e ao ridículo de estar vivo.
CIORAN, Breviário de decomposição (1949)
… E eu sonho com uma Elêusis de corações desiludidos, com um Mistério claro, sem deuses e sem as veemências da ilusão.
Algumas considerações metodológicas sobre o minicurso on-line Filosofia, Literatura e Gnose, ministrado por Juliano Garcia Pessanha e Rodrigo Menezes. A abordagem deste minicurso é eminentemente filosófica, sem qualquer pretensão apologética e/ou doutrinária que seja. Trata-se, pois, de uma abordagem crítico-filosófica, e culturalmente secular, de conteúdos provenientes de tradições religiosas e místicas, como a gnose cristã.
Em segundo lugar, é importante demarcar a diferença entre a nossa abordagem e outras abordagens correntes, até mesmo em voga, do fenômeno gnóstico: temos em mente certa perspectiva esotérica (new age) do gnosticismo, a qual coincide com a visão religiosa tradicional pela ânsia dogmática, pela vontade de crer, não importa em quê, nem como, e erigir sua crença em verdade absoluta.
Não há verdades absolutas, “congeladas na eternidade”: a historicidade é a condição do ser humano, esse “animal cujo tipo não foi ainda fixado, determinado” (das noch nicht festgestellte Tier), nas palavras de Nietzsche, citado por Cioran (no original alemão). Uma “metamorfose ambulante”, diria o grande Raul (curiosamente, “O Mal”, em romeno, é Răul, já com o artigo). Enfim, vivemos na era da interpretação, o que significa que fatos, acontecimentos e o mundo mesmo se tornam radicalmente incertos e ambíguos (o “mundo verdadeiro” tornou-se “fábula“, no dizer de Nietzsche).
A hermenêutica filosófica, aliada à fenomenologia, é o método adotado neste minicurso on-line sobre Filosofia, Literatura, Religião e Mitologia, ou, mais especificamente, Existencialismo, Niilismo e Gnose. Se parte do labor filosófico (a pars destruens) é de finalidade crítica, nossa intenção é, mais do que tudo, crítica e desmistificadora (não apologética nem mistificadora). Há muito de ceticismo nessa abordagem, mas não apenas; apostamos também no concurso da intuição (filosófica e poética).
O que também não quer dizer que sejamos simpáticos ao cientificismo, ao fundamentalismo científico ou a esse ateísmo racionalista e dogmático, tão militante quanto irritante, igualmente em voga (como o esoterismo new age) no mundo atual. Segundo Cioran, “os ateus, que manejam tão bem a invectiva, provam que visam a alguém. Deveriam ser menos orgulhosos; sua emancipação não é tão completa quanto imaginam: eles se fazem de Deus exatamente a mesma ideia que os crentes”, escreve o filósofo romeno em Le mauvais démiurge (1969), seu livro gnóstico par excellence. Em sintonia com Cioran, John Gray escreve:
É um equívoco tomar o monoteísmo como modelo para religião. Desse modo, não se deixa de fora apenas o animismo e o politeísmo. Também são ignoradas as religiões não teístas. O budismo nada diz a respeito de uma mente divina, e rejeita toda ideia de alma. As invectivas e diatribes dos “novos ateus” só fazem sentido em um contexto especificamente cristão e, mesmo assim, dentro de alguns poucos subsistemas da religião cristã.
John Gray, Sete tipos de ateísmo
Dito isso, nosso propósito é seguir, intuitivamente, uma espécie de “caminho do meio”, evitando reducionismos e extremismos, dogmatismos e essencialismos. Segundo Gianni Vattimo, filósofo italiano (ainda vivo) que tem muito a contribuir para o debate em torno das questões deste minicurso, “a hermenêutica não é uma filosofia, mas a enunciação da própria existência histórica na época do fim da metafísica.” Vattimo reitera uma afirmação compartilhada pelos autores contemplados no minicurso: “O cristianismo introduz no mundo o princípio da interioridade, com base no qual a realidade ‘objetiva’ perderá pouco a pouco o seu peso dominante. A frase de Nietzsche ‘não há fatos, apenas interpretações’ e a ontologia hermenêutica de Heidegger não farão mais que levar tal princípio às suas consequências extremas.” (G. Vattimo, “A idade da interpretação”, in O Futuro da Religião)
Sobre essas consequências extremas, como o niilismo implicado na “morte de Deus”, entre outras questões filosóficas tão atuais quanto incontornáveis, trataremos neste minicurso on-line, a realizar-se em 2 encontros (2 quartas-feiras), 30/11 e 7/12, das 20h às 22h. Os encontros virtuais serão na plataforma do Google Meet (o link será enviado na véspera).
Se você se interessa por esse conjunto de temas, numa abordagem transdisciplinar, veja como inscrever-se. Venha explorar conosco uma variedade de horizontes de pensamento da modernidade ou pós-modernidade. Venha debater sobre as questões implicadas na temática deste minicurso: Filosofia, Literatura, Religião e Mito, Existencialismo, Niilismo e Gnose (ou Gnosticismo).
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