“Precisamos falar sobre o textão” – Alexandre Soares CARNEIRO

Jornal da UNICAMP, 17 de novembro de 2022

“Em poucos traços” é uma coluna assinada por Alexandre Soares Carneiro, professor assistente doutor do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). alex@unicamp.br

Em “O antiprofeta”, o escritor romeno Emil Cioran sentenciava: “Em todo homem dorme um profeta e, quando ele acorda, há um pouco mais de mal no mundo…”.  Décadas depois, em uma auto-avaliação pouco complacente, o autor destacaria esse capítulo como um dos mais representativos do Breviário de Decomposição, de 1949, sua primeira obra em língua francesa. Com variantes, o fenômeno que então descrevia pode ser observado ainda hoje. É o que me ocorre ao ler passagens como as transcritas abaixo:

Cada um espera seu momento para propor algo: não importa o quê. Tem uma voz: isto basta.

Dos esfarrapados aos esnobes, todos gastam sua generosidade criminosa, todos distribuem receitas de felicidade, todos querem dirigir os passos de todos.

Se tivéssemos o justo sentido de nossa posição no mundo, se comparar fosse inseparável de viver, a revelação de nossa ínfima presença nos esmagaria. (…) Quem, com a visão exata de sua nulidade, tentaria ser eficaz e erigir-se em salvador?

Por mais eloquentes que possam soar tais avisos, é decepcionante verificar que não há apelo à lucidez capaz de inibir a proliferação de salvadores ruidosos, ou dos denunciadores inquietos que levaram adiante sua tocha missionária. Conhecendo o autor, sabemos que ele invocava uma forma oposta de redenção, sem ilusões a seu respeito: “Não há salvação possível fora da imitação do silêncio. Mas nossa loquacidade é pré-natal. Raça de tagarelas, de espermatozoides verbosos, estamos quimicamente ligados à Palavra” – como lemos em Silogismos da Amargura, de 1952… [+]