JORNAL DA UNICAMP, 19 de dezembro de 2022
“Toda coisa material tem o seu lado celestial”, afirmava o escritor norte-americano Ralph Waldo Emerson em “Da utilidade dos grandes homens”, texto de abertura de Homens representativos (1850). Essa intuição, que atravessa sua ampla obra, inspira também reflexões sobre a escrita. Ao final de “Goethe, ou o escritor”, capítulo que conclui o livro, ele diz: “Também nós devemos escrever Bíblias, unir de novo os céus e o mundo terreno”.
Em Emerson, o aspecto espiritual da escrita abrange as dimensões da reflexão e da ação. O autor manteve uma intensa atividade de conferencista e ensaísta após abandonar o ministério religioso, ou direcioná-lo a um plano mais intelectual. Devoto da natureza, seu evangelho deriva de uma revelação, aquela testemunhada pela existência dos grandes homens, que orientam um nosso desejo inato de elevação. “A natureza parece existir para a excelência”. Mas esses homens bons, “que tornam a terra salutar”, estão acessíveis. “O que é bom é efetivo, generativo […]. O que eles sabem, sabem para nós.”
Formulações certeiras podem desencadear percepções do incomensurável: “uma sentença num livro ou uma palavra insinuada em uma conversa libera nossa fantasia e instantaneamente nossas cabeças são banhadas pelas galáxias”. Tais lampejos, porém, não nascem do vazio. Um espírito elevado se beneficia da grandeza pressentida por outros. Anotações sobre o processo criativo são recorrentes nos diários de Emerson, como mostra Robert D. Richardson… [+]