“Silogismos de Cioran operam entre filosofia e poesia” – Régis BONVICINO

Folha de S. Paulo, 2 de março de 1991

SILOGISMOS DA AMARGURA de E. M. Cioran. Tradução de José Thomaz Brum. Editora Rocco (rua da Assembléia, 10 gr3101. Rio de Janeiro. CEP 20011. fone 021 2245859. Lançamento previsto para segunda semana de março.

Em “Silogismos da Amargura”, escrito em 1952, o filósofo heterodoxo E. M. Cioran opera, em pensamento e linguagem, entre a filosofia e a poesia em prosa. O ceticismo, que o próprio filósofo considera “a elegância da ansiedade”, aparece, neste livro, sob a forma de aforismos, frases curtas. pequenos trechos em prosa.

Cioran, nascido em 1911 na Romênia, pátria de Mircea Eliade e do dramaturgo Ionesco, vive em Paris desde 1937, escrevendo em francês. “Sylogismes de l’Amertume”, no original, é o livro imediatamente seguinte à “Précis de Decomposition” (1949). Depois de “Silogismos” vieram: “La Tentation d’Exister” (1956), “Histoire et Utopie” (1960) e “La Chute dans le Temps” (1964).

Dedicou-lhe um ensaio interpretativo a norte-americana Susan Sontag em “A Vontade Radical” (1966). “Silogismos” chega, portanto, ao Brasil – como geralmente acontece – com quase 30 anos de atraso. Este fato faz com que o livro perca em impacto e cor, embora não o desfigure nem lhe retire a importância – já um tanto “histórica”.

Susan Sontag vê em Cioran características convulsas do raciocínio neofilosófico alemão, cujo lema –segundo a ensaísta norte-americana – era “aforismo ou eternidade”.

O aforismo, em harmonia com o ceticismo, é adotado em oposição às idéias iluministas sistêmicas e à toda ordem do conhecimento – vista pelo filósofo como uma espécie de farsa. Sontag vê Cioran como mais um “recruta na parada melancólica dos intelectuais europeus em revolta contra o intelecto – a rebelião do idealismo contra o idealismo – cujas maiores figuras são Nietzsche e Marx”.

Integridade do pensamento, um tanto à la Sammuel Beckett, é a preocupação central de Cioran. Em “Silogismos da Amargura”, dividido em dez curtos capítulos, essa preocupação aparece observando a poesia, o verbo, o Ocidente, o tempo, a religião, o amor etc. Há tiradas cortantes, que ainda podem ferir a atenção, ao lado de frases que o tempo talvez tenha banalizado. “Só nos interessa o que um escritor calou, o que poderia ter dito, suas profundidades mudas” é ainda uma sentença legível. O que não se dá, por exemplo, com “O cético gostaria de sofrer, como o resto dos homens, pelas quimeras que fazem viver. Não consegue: é um mártir do bom senso” ou, então: “Petulante, mergulhei no absoluto; emergi troglodita”.

“Silogismos da Amargura” correu o risco do fragmentário num momento histórico adequado – o pós-Segunda Guerra Mundial. Sua fragmentariedade, anti-sistêmica, pode, hoje, parecer mais um “sistema”, obsoleto. É Cioran, ele mesmo. quem adverte: “Só cultivam o aforismo os que conheceram o medo no meio das palavras, esse medo de desmoronar com todas as palavras.”


CINCO AFORISMOS

Nada seca tanto o espírito como a repugnância a conceber idéias obscuras

Prolixa por natureza, a literatura vive da pletora de vocábulos, do câncer da palavra

Há mais honestidade e rigor nas ciências ocultas do que nas filosofias que atribuem um “sentido à história”

Neste universo provisório, nossos axiomas só têm um valor de notícias do dia

Para quem respirou o Morte, que desolação o odor do Verbo!

Extraído de “Silogismos da Amargura”

RÉGIS BONVICINO é poeta, autor de “33 Poemas” (ed. Iluminuras)


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