“Consciência do tempo: atentado contra o tempo” – CIORAN

Consciência do tempo: atentado contra o tempo…

Silogismos da amargura

Acumulo o passado, não paro de fabricá-lo e de precipitar nele o presente, sem lhe proporcionar o lazer de esgotar a sua própria duração. Viver é experimentar a magia do possível; mas quando se percebe no possível mesmo o passado por vir, tudo se torna virtualmente pretérito e não há mais presente nem futuro. O que eu distingo em cada momento é a sofreguidão, o estertor, não a transição para um outro momento. Elaboro tempo morto, chafurdo na asfixia do devir.
Os outros caem no tempo; eu caí do tempo. À eternidade que se erigia por cima dele sucede essa outra que situa abaixo, uma zona estéril onde só experimentamos um único desejo: reintegrar o tempo, elevar-se a ele custe o que custar, apropriar-se de um pedacinho dele para aí se instalar, dar-se a ilusão de um chez-soi. Mas o tempo está cerrado, o tempo está fora de alcance: e é da impossibilidade de adentrá-lo que é feita essa eternidade negativa, essa eternidade.
O tempo se retirou de meu sangue; eles se sustentavam reciprocamente e escoavam juntos; agora que estão congelados, é de se admirar que nada mais devenha? Só eles, se se pusessem em marcha, poderiam recolocar-me entre os viventes e libertar-me desta sub-eternidade na qual definho. Mas eles não querem, eles não podem. Devem ter sido vítimas de um feitiço: não se mexem, são de gelo. Nenhum instante é capaz de penetrar em minhas veias. Um sangue polar por séculos!

La Chute dans le temps

Ontem à noite, ou melhor, esta manhã, na cama, pensei que deveria escrever um ensaio sobre atenção ao tempo. Pois a doença de todos os meus dias se reduz à exasperação, ao aguçamento dessa atenção. Esta manhã, então, a primeira sensação que tive, quando acordei, foi a do escoamento das horas, das horas independentes de todo ato, de toda referência externa ao escoamento enquanto tal. Essa consciência desesperada do tempo me atormentou por toda a minha vida. Desde a minha infância, percebo a disjunção do tempo em relação a tudo o que não é ele, desde a infância eu sinto a existência autônoma do tempo, o seu estatuto separado do ser, o seu próprio reinado. O reino, o reinado, o império do tempo. Lembro-me perfeitamente daquela tarde de verão – devia ter uns cinco ou seis anos – quando tudo à minha volta se esvaziou, e fiquei apenas com a sensação de uma passagem sem conteúdo, de uma fuga em si, de um escoamento que me apavorou. O tempo se descolava do ser à minha custa. Não havia mais mundo, só havia tempo. Desde então, eu não vivo no acontecimento senão acidentalmente; não vivo senão na ausência de acontecimento, em um tempo que não se rebaixa ao acontecimento. O inferno talvez seja apenas a consciência do tempo.

Cahiers: 1957-1972

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