“O conceito de antinatalismo em Emil Cioran” – Ingresson Oliveira de JESUS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Campus Vitória da Conquista como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciatura em Filosofia, novembro de 2021.

RESUMO: Tendo algumas das obras do filósofo romeno Emil Cioran como objeto, este trabalho parte de uma análise crítica cujo objetivo é compreender o conceito de antinatalismo na perspectiva cioraniana e estabelecer um direcionamento ético nessa conduta. Dessa forma, a partir deste estudo, buscamos compreender mais acerca do conceito de antinatalismo presente nas obras de Cioran. Para isso, analisamos os diversos aforismos e reflexões que estão presentes no trabalho desse filósofo. A partir dessa análise, abordamos algumas aproximações do conceito com filmes e obras de arte, bem como abordagens de comentadores do filósofo. Feito isso, o trabalho estabelece uma postura ética na perspectiva do filósofo Emil Cioran. Ademais, diante das reflexões feitas pelo supracitado autor, sustentamos um ponto de vista ético de que na sua perspectiva a procriação é um ato moralmente ruim.

Ingresson Oliveira de Jesus é graduando em Filosofia pela Universidade Estadual Do Sudoeste da Bahia (UESB), campus de Vitória da Conquista. Uma versão mais completa do presente texto foi apresentada no formato TCC, tendo como orientador o professor Roberto Roque Lauxen, como requisito parcial para a obtenção de Licenciado em Filosofia. E-mail: ingressonoliveira@outllook.com


ÍNDICE:

  1. INTRODUÇÃO
  2. O CONCEITO DE ANTINATALISMO
  3. CIORAN E A FILOSOFIA DESTRUTIVA
  4. ASPECTOS DESTRUTIVOS DA PROCRIAÇÃO E MISANTROPIA
  5. O PROBLEMA ÉTICO DO ANTINATALISMO
  6. CONCLUSÃO
  7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

A discussão sobre ter ou não ter filhos sempre esteve presente ao longo da humanidade. Analisar esse fenômeno existencial acarreta pensar também em outras questões como, por exemplo, a natureza humana e o próprio sentido da vida. Neste contexto, analisando as obras do filósofo Emil Cioran, percebe-se um discurso contra a geração de novas vidas, permeado por um expurgo de dor, lamentação e desespero. Mas quem foi Emil Cioran?

Cioran foi um filósofo que nasceu no dia 8 de abril de 1911 em Rasinari, povoado da Transilvânia, na Romênia. Seu pai, Emilian, era um padre ortodoxo; sua mãe, Elvirei, era uma descendente de uma família da pequena nobreza rural. Um acontecimento que marca o fim de uma infância feliz e o início de um sofrimento quase insuportável são suas crises de insônia. (PECORARO, 2004). Ao perceber o martírio do filho, Elvirei, mãe de Cioran, declara num sentimento de comiseração que se soubesse desse infortúnio o teria abortado. (CIORAN, 1994, p.19). Assim, a insônia serve como um fio condutor de seu pensamento e produção filosófica.

Destarte, o presente trabalho busca investigar o conceito de antinatalismo na visão de Cioran, uma vez que seus escritos permitem categorizá-lo como um exemplo de filósofo antinatalista. Se de um lado perguntamos qual reflexão Cioran possui sobre a negativa de procriar, de outro lado, lançamos a hipótese de saber se é possível estabelecer uma postura ética na perspectiva antinatalista desse filósofo.

Para elucidar esse problema, iniciamos nossa análise a partir do conceito geral de antinatalismo. Em seguida, no segundo capítulo, depuramos o pensamento e a perspectiva filosófica de Cioran.

No terceiro capítulo abordamos obras do filósofo como Do inconveniente de ter nascido, Silogismos da amargura, Breviário de decomposição e Nos cumes do desespero. Com base no estudo dessas obras, buscamos estabelecer uma perspectiva na qual o antinatalismo, permeado por bases existencialistas e misantrópicas, aparecerá como uma posição ética.

No capítulo seguinte analisamos o conceito de antinatalismo de Cioran desde a perspectiva da “ética negativa” sustentada pelo filósofo argentino Julio Cabrera. Dessa forma, analisamos o pensamento deste referido autor com vistas à produção e perspectiva filosófica de Cioran.

Além de abordagens de comentadores do pensamento de Cioran, utilizamos exemplificações de obras cinematográficas e artísticas, como complementos imagéticos deste trabalho, que podem ajudar a expor os conceitos trabalhados.

1. O CONCEITO DE ANTINATALISMO

Através de uma valoração moral negativa atribuída ao nascimento, o antinatalismo é uma postura filosófica que rejeita a reprodução. Desse modo, os assim chamados antinatalistas sustentam que a humanidade deve parar de procriar. O motivo de tal conduta é respaldado por alguns fatores, como por exemplo: os desastres naturais que afetam a humanidade, a violência e o sofrimento intrinsecamente ligado ao fenômeno do existir.

Não obstante, o conceito de antinatalismo é oposto ao conceito de natalismo, que, por sua vez, enquadra-se em uma postura filosófica que incentiva e encoraja a reprodução. A escolha pela abstenção de ter filhos faz parte de correntes de pensamento que sempre estiveram presente na história humana.

Na Bíblia, encontra-se no livro de Eclesiastes reflexões que tecem elogios ao não viver em função dos males e as tribulações da vida:

Depois voltei-me, e atentei para todas as opressões que se fazem debaixo do sol: e eis que vi as lágrimas dos que foram oprimidos e dos que não tem consolador; e a força estava da banda dos seus opressores; mas eles não tinham nenhum consolador. Pelo que eu louvei os que já morreram, mais do que os que vivem ainda. E melhor do que uns e outros é aquele que ainda não é; que não viu as más obras que se fazem debaixo do sol. (ECLESIASTES, 4:1-3).

No referido trecho do livro de Eclesiastes é apresentado um valor negativo à vida e a própria humanidade composta por opressores. Na perspectiva cristã, apesar de encontrarmos passagens nas escrituras sagradas que evocam aspectos negativos da existência, a conduta antinatalista é vista como um ato inconsistente, pois entra em choque com o pacto de Deus com Noé: “Mas vós frutificai e multiplicai-vos; povoai abundantemente a terra, e multiplicai-vos nela.” (GÊNESIS, 9:7). Assim Deus ordena Noé, e a todos os seres da terra, a reproduzirem-se. Fica destacada essa passagem do livro do Gênesis que contradiz todas as postulações pró antinatalistas.

Em vista dos aspectos mencionados da perspectiva cristã podemos observar que a doutrina religiosa tem visão oposta à postura antinatalista. Vejamos o que diz o parágrafo 2366 do documento do Catecismo da Igreja Católica , aprovada e promulgada pelo papa João Paulo II, em 11 de outubro de 1992:

§ 2366. A fecundidade é um dom, uma finalidade do matrimónio, porque o amor conjugal tende naturalmente a ser fecundo. O filho não vem de fora juntar-se ao amor mútuo dos esposos; surge no próprio coração deste dom mútuo, do qual é fruto e complemento. Por isso, a Igreja, que «toma partido pela vida», ensina que «todo o acto matrimonial deve, por si estar aberto à transmissão da vida». «Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério, funda-se sobre o nexo indissolúvel estabelecido por Deus e que o homem não pode quebrar por sua iniciativa, entre os dois significados inerentes ao acto conjugal: união e procriação».

Portanto, o Magistério da Igreja Católica estabelece que o ato da procriação não pode ser deliberadamente quebrado pelo ser humano visto que, para a doutrina cristã, a fecundidade é um dom concedido por Deus.

Já na Grécia antiga, por exemplo, existiam pessoas que julgavam o nascimento como a fonte de todas as dores. Hegesias de Cirene (283 a.C) “[…] era um filósofo cirenaico famoso por sua defesa do suicídio.” (NAVIA, 2009, p. 252). Todavia, para Hegesias, a humanidade deveria se extinguir através da abstenção de filhos e do suicídio.

Segundo ele, ao nascer o corpo vira objeto, encontra-se à disposição do devir. Ao nascer o homem permanece sob as inconveniências do mundo, isto é, as dores, as doenças e a todo tipo de sofrimento que se pode imaginar, seja físico, psicológico, entre outros. Desse modo, para o pensador, a raça humana deveria ser extinta da terra.

Para desenvolver sua apologia do suicídio, Hegesias escreveu textos polêmicos nos quais incentivava as pessoas à supressão da própria vida. Esse incentivo era sustentado pela seguinte tese: a felicidade é impossível de ser alcançada; o objetivo da vida deve ser evitar a tristeza e a dor; portanto, sendo a dor condição sine qua non do ser, a única via de livrar-se desses infortúnios seria a supressão da própria vida. Assim a morte acaba sendo mais desejável que a vida.

Conforme aponta Navia (2009, p. 86), “As leituras de seus escritos em Alexandria causaram, segundo relatos, uma onda de suicídios, razão pela qual foi banido da cidade.” Dessa forma, o suicídio tem reflexos no contexto da vida, que, irremediavelmente, estará por vezes permeada pelo sofrimento.

Na modernidade, destacamos a anedota Crueldade sagrada de Friedrich Nietzsche:

Um homem que trazia nos braços um recém-nascido se aproximou de um santo. “Que devo fazer desta criança — perguntou ele — É miserável, indesejada e não tem vida bastante para morrer”. —“Mata-a — Exclamou o santo com voz terrível — mata-a e guarda-a durante três dias e três noites em teus braços para te criar uma memória: — assim, nunca mais gerarás um filho enquanto não tiver chegado a hora.” — Ao ouvir estas palavras o homem foi embora desapontado; e muitos criticavam o santo pela crueldade de seu conselho, pois havia mandado matar a criança. — “Mas não é mais cruel deixá-la viver?” — respondeu o santo. (NIETZSCHE, 2017, p. 87).

Podemos mencionar ainda uma concordância da referida anedota nietzscheana com a tragédia de Édipo rei, na qual, devido todo sofrimento de sua trajetória de vida, seria melhor ter sido morto, abandonado no deserto, como afirma o personagem da tragédia: “Antes morrera quem meus pés – seja quem for! – livrou das duras travas, no ermo campo. O que ele fez não foi favor. Morto, tamanha dor eu evitaria aos amigos e a mim.” (SÓFOCLES, 2015, p. 104). Na tragédia, se Édipo não tivesse nascido não viria a concretizar a profecia do oráculo: assassinar o pai e desposar a mãe.

Na contemporaneidade, por volta da década de 1980, nos Estados Unidos e Canadá, inicia-se um movimento contrário à geração de filhos. Traduzindo para o português por “livre de crianças”, o movimento Childfree não teve como ponto central a abstenção de filhos por conta das mazelas da existência. Os adeptos ao movimento sustentam a negação de filhos simplesmente por não gostar de crianças, ou por receio da ocupação decorrente do papel de ser pai/mãe. O movimento foi impulsionado com objetivo de apoiar aqueles que não desejavam ter filhos e, por esse motivo, se sentiam rejeitados na sociedade. (IDIOETA, 2017).

Nesse ínterim, um intelectual que se debruçou sobre a existência no contexto do antinatalismo foi o filósofo romeno Emil Cioran, sua filosofia era fruto de um desespero irreparável pelo fato de sua própria existência. Inconveniência de vida que veio a propiciar sua teoria pessimista sobre a história, a humanidade e, sobretudo, a procriação.

2.  CIORAN E A FILOSOFIA DESTRUTIVA

Compreender o fenômeno da vida é um trabalho essencialmente filosófico. Essa compreensão se dá na desconstrução, aspecto próprio da filosofia. Partindo desse pressuposto, as obras de Cioran trazem reflexões por vezes controversas e polêmicas por sustentar uma visão cética sobre as teorias tradicionais e uma visão pessimista sobre as coisas.

No seu primeiro livro, Nos cumes do desespero, Cioran produz um trabalho carregado de ódio a tudo e a todos. Escrito quando o filósofo contava com 22 anos, a obra foi concluída após o termino dos estudos de filosofia. Contudo, essa obra foi determinante na vida e no pensamento do filósofo. A obra marcou o início de uma profunda rejeição ao pensamento dogmático.

Portanto, o trabalho filosófico de Cioran passa a ser constituído como uma repulsa às tradicionais escolas filosóficas, aos dogmas e às doutrinas essencialistas. Em entrevista, o filósofo destaca: “Estava apaixonado por meus estudos, confesso mesmo que andava intoxicado pela linguagem filosófica, a qual considero agora como uma verdadeira droga.” (CIORAN, 2001, p. 13).

Passando a nutrir um grande desprezo pelos filósofos e acadêmicos, Cioran declara guerra às produções filosóficas. Sempre mantendo uma postura cética e pessimista nos seus escritos. Ademais, o ceticismo se torna um marco do seu pensamento.

Refletindo sobre a insignificância da vida e a inutilidade do conhecimento científico; rejeitando as pretensões da filosofia, as utopias existentes e os enganos da razão; Cioran se habilita como o arauto do pessimismo, em outras palavras, o cético aniquilador que, com o auxílio de um punhal, desfigurou as pseudo verdades sobre a existência.

Uma postura pessimista e cética, contextualizada como o martírio da própria vida, foi o estopim para as elucubrações do filósofo. A partir de seus devaneios corrosivos, Cioran denunciava os falsos absolutos, as ideologias, o fanatismo, o derramamento de sangue ocorrido ao longo da história e a questão da crueldade e do egoísmo intrinsecamente ligados à natureza humana.

Para Cioran o homem é visto como um ser fanático por natureza, e esse fanatismo é testemunhado na história, a partir dos mais diversos extremismos ideológicos que, por consequência, desaguaram em crueldade e aniquilação. Portanto, Cioran passa a adquirir essa postura de filósofo pessimista e, sobretudo, cético.   

Tendo em vista essa perspectiva cética do filósofo, surge a questão: Por que ler Cioran? Segundo Petean (2015, p. 23): “Ler Cioran, seus aforismos e anátemas não é construir uma nova verdade ou buscar nos seus escritos uma verdade escondida nos escombros da demolição.” Logo a filosofia deste pensador pessimista serve como um remédio contra o fanatismo, contra as utopias e os excessos empreendidos em nome da razão.

Segundo aponta Tapado (2011), Cioran não obtém grande destaque como um dos filósofos mais estudados no Brasil por conta de sua escrita subversiva. Como também, devido ao seu pessimismo, sua posição filosófica assistemática e seu enquadramento teórico pautado pelo ceticismo.

Outro fator que contribui para estranheza e provocação que seu pensamento suscita é o fato de Cioran pensar contra si próprio. Através de uma filosofia esquartejadora, o filósofo passa a nutrir um autodesprezo como forma de atacar o próprio conhecimento e as convicções adquiridas ao longo da vida.

Além de pensar contra si mesmo, também é característica desse filósofo a descrença nas ideologias. Ademais, valorizando a dúvida e se armando com a negação, Cioran não estabelece um sistema lógico conceitual. O seu fazer filosófico é puramente negativo, demolidor de idolatrias e ideais. Para Cioran, todas as elucubrações filosóficas não passam de ilusões.

Em outras palavras, de acordo com o filósofo romeno, tudo o que a grande parte dos filósofos modernos fizeram foi sustentar uma perspectiva consoladora de progresso para o futuro. Suprimir as convicções tradicionais da humanidade foi alguns dos feitos do filósofo cético. Assim, “Cioran exalta os céticos que preservam o bom-senso, a preguiça, pois estão livres da tentação da idolatria.” (PETEAN, 2015, p. 27). Sua escrita era carregada de violência e de um humor corrosivo. No entanto, eram amenizadas pelo lirismo.

Diante disso se faz necessário o estudo da obra do filósofo como também, cabe ao leitor dos escritos de Cioran buscar uma compreensão dessa filosofia que parte da crítica, da negação e do pensamento esquartejador para demonstrar que os sistemas filosóficos e os valores morais que obtiveram domínio na humanidade carecem de sentidos.

Para tanto, esse ódio generalizado e essa exaltação cética presentes na obra de Cioran possibilitam adentrar no conceito de antinatalismo permeado por uma perspectiva misantrópica.

3. ASPECTOS DESTRUTIVOS DA PROCRIAÇÃO E MISANTROPIA

A paternidade implica uma série de eventos que para muitas pessoas pode ser uma experiência dolorosa. Tal hipótese pode ser analisada a partir do longa-metragem Eraserhead (1977)do cineasta estadunidense David Lynch. O filme, de teor surrealista e simbólico, retrata a trajetória de um casal: Henry e Mary X.

Em dado momento, surge a grande notícia: Mary X esteve grávida, e a criança do casal já nasceu. Logo, o desespero, a angústia e o medo diante da responsabilidade de uma criança indesejada imperam no casal. Todavia, o filho indesejado é apresentado, metaforicamente, como uma figura repulsiva que chora compulsivamente. Destarte, a aparência da criança reflete o modo de como o casal enxerga a paternidade.

 Não obstante, Mary X abandona Henry para cuidar sozinho da criança. Logo, não suportando o peso da paternidade, Henry esfaqueia seu filho como um ato de libertação.

Partindo desse contexto, observa-se na vida cotidiana o sentimento desesperador do momento em que ocorre o famigerado acidente, a gravidez indesejada. Logo, impera o abatimento e a estranheza de ter a vida pessoal comprometida por conta das responsabilidades, o cansaço cotidiano devido aos cuidados da procriação, entre uma série de peculiaridades.

Para Cabrera a abstenção está vinculada ao sentimento moral que consiste em evitar os fenômenos negativos para aquele que ainda não nasceu. Tais fenômenos estão intrinsecamente ligados à vida como, por exemplo, a dor, a doença, a miséria e a morte. Em Cioran o conceito de antinatalismo é conduzido por um viés misantrópico, que clama a supressão da vida humana na terra por meio da abstenção. Diz Cioran (2011d, p. 30):

A multiplicação de nossos semelhantes beira a imundície; o dever de amá-los beira o absurdo. Isto não impede que todos os nossos pensamentos estejam contaminados pela presença do humano, que exalem o cheiro do humano e que não consigam desembaraçar-se dele. Que verdade podem atingir, a qual revelação podem elevar-se, se esta pestilência asfixia o espírito e o torna impróprio para pensar em outra coisa que não seja esse animal pernicioso e fétido de cujas emanações está contaminado? Aquele que é fraco demais para declarar guerra ao homem nunca deveria esquecer, em seus momentos de fervor, de rezar pela vinda de um segundo dilúvio, mais radical que o primeiro.

De outra parte essa misantropia é produto de um pessimismo agressivo. Na definição de Redyson (2011, p. 53):

O pessimismo é a forma mais clara e mais radical de se pensar o pior, é no pensamento pessimista que podemos encontrar a perspectiva de que neste mundo é impossível a felicidade, é impossível pensar a alegria, mas é inevitável o sentimento de que neste mundo nada está resolvido, tudo ainda está por ser construído.

Em Cioran o pessimismo ganha forma e solidez. E, apesar de não promover um sistema filosófico positivo, o pessimismo cioraniano é capaz de corroborar com um esboço crítico para as propostas filosóficas, sobretudo as teorias da pós-modernidade. Para o filósofo romeno, não há nada na existência que seja digno de ser amado. Segundo Piva (2002, p. 18):

[…] o pessimismo de Cioran deve ser entendido, como um pessimismo cínico, ou seja, como uma perspectiva arrasadora constituída por um desdém rancoroso, por uma melancólica ironia e por um riso misantrópico, amoral, banalizador e autofágico, os quais reduzem a razão, o homem e a vida a uma grotesca e nadificante anedota. Trata-se, portanto, de um pessimismo sem evasivas, consolos e hipóteses criadoras de sentido. A filosofia de Cioran é, em suma, um pessimismo sem auto-ajuda. 

Tais características de pensamento, apesar de serem tratadas desde um ponto de vista pejorativo, foram aportes necessários para a especulação dos fenômenos bem como as elucubrações metafísicas feitas pelo filósofo. Outra idiossincrasia presente nos escritos antinatalistas de Cioran é a linguagem e a postura depreciativa em face de todos os seres vivos:

O grande erro da natureza foi não se ter sabido limitar a um único reino. Comparado com o vegetal, tudo parece intruso, inoportuno. O sol deveria ter amuado com a chegada do primeiro insecto e mudado de casa com a irrupção do chimpanzé. (CIORAN, 2010, p. 47).

Tomemos a coletânea de aforismos da obra Silogismos da amargura (2011b) para explicitar o conceito de antinatalismo associado à misantropia. Na referida obra Cioran expurga pensamentos sobre a humanidade, a história e a religião. Aí podemos ler os seguintes pensamentos: “Aquele que, por distração ou incompetência, detiver, ainda que só por um momento, a marcha da humanidade, será seu salvador.” (CIORAN, 2011b, p. 54) — “Se Noé tivesse possuído o dom de prever o futuro, teria certamente naufragado.” (CIORAN, 2011b, p. 91) — “O homem segrega desastre” (CIORAN, 2011b, p. 93). — “Se os impotentes soubessem como a natureza foi maternal com eles, abençoariam o sono de suas glândulas e o louvariam nas esquinas das ruas.” (CIORAN, 2011b, p. 86).

Portanto, em Cioran, percebe-se que tais reflexões pessimistas nos permitem associar o conceito de antinatalismo com a misantropia. Logo, esse pensamento rejeita qualquer ideia positiva da procriação e justifica o ataque à humanidade através do antinatalismo.

Partindo desse ponto de vista, é inverossímil acreditar que se pode viver sem provocar algum dano. Ao se comparar com os demais seres vivos o homem é o ser mais destruidor, pois busca de forma desenfreada a vontade de viver absorvendo o máximo que for possível da natureza e, por consequência, contribuindo cada vez mais para a destruição e o embrutecimento do mundo.

A pergunta que devemos fazer é se todo este processo destrutivo tem algo que possa apontar para uma concepção ética, ainda que negativa, que possa ressurgir das cinzas desta destruição, ou seja, em que medida a posição antinatalista de Cioran traria consigo uma perspectiva de salvação do mundo a partir da aniquilação do humano ou ao menos do antinalismo.

Tomando por base a potência destrutiva do ser humano, será que a hipótese antinatalista contribuiria para o renascimento da natureza, livre do homem, como um critério ecológico de regeneração das espécies ameaçadas? Como pudemos verificar, esta hipótese é descartada por Cioran. Na perspectiva de Cioran não é possível identificar qualquer postura romântica no sentido rousseauniano, ou seja, uma volta a uma visão paradisíaca onde a natureza pudesse restituir sua harmonia. Cioran parece se colocar numa posição semelhante à de Nietzsche (2007) no seu opúsculo Verdade e mentira no sentido extra-moral na qual o filósofo apresenta uma metáfora onde encontramos a história de seres astuciosos que, a partir de um astro, inventaram o conhecimento e, desse modo, pensavam que tinham o controle do mundo, tal como as moscas que voavam em torno de si sentindo como centro do mundo. No entanto, este astro congela, os seres astuciosos morrem e fica constatado que tudo não passava de uma mera ilusão.

Portanto, Cioran não sustenta o ressurgimento de um novo homem, de uma nova existência ou de uma ideia de progresso para o mundo. Como também, não acredita nos valores e nos sistemas metafísicos concebidos pela humanidade. Por fim, tudo está direcionado ao fracasso e isso reflete a completa ausência de esperança para as gerações futuras.

 Quiçá, o ideal do antinatalista para Cioran seria a estagnação e o quietismo. Análogo à conduta de Diógenes[1], o cínico, filósofo que vivia em um tonel, como um animal, saciando somente as necessidades imprescindíveis à vida. Filósofo que, assim como Cioran, nutria desprezo pela humanidade e pela procriação. De acordo com Navia (2009), o filósofo helenístico era misantropo ao sustentar que não haveria mais lástima caso a humanidade deixasse de existir. “Sua advertência preferida para seus contemporâneos era “enforcai-vos!” (NAVIA, 2009, p.56). Destarte, Diógenes também se configurava como um exemplo de antinatalista:

Seu celibato não nasceu, portanto, de aversão ou desdém por mulheres em particular, mas, provavelmente, e, parte, de seu menosprezo para com todos os seus semelhantes, fossem homens ou mulheres – razão pela qual é difícil associá-lo a discípulos ou, mesmo, a amigos. (NAVIA, 2009, p. 57)

Consoante ao cínico Diógenes, Cioran destaca: “Para o animal, a vida é tudo; para o homem, é um ponto de interrogação.” (CIORAN, 2011a, p. 129). Sobre a salvação da humanidade, o filósofo comenta com ironia: “Acredito na salvação da humanidade, no futuro do cianureto […]” (CIORAN, 2011, p. 100).

Tendo em vista os aspectos mencionados do pensamento do filósofo, como elemento elucidativo, percebe-se a autodestruição do homem no premiado filme italiano Feios, Sujos e Malvados (1976). No referido longa metragem fica explícito o impacto da procriação desmedida e do consumo exacerbado. O filme, dirigido pelo italiano Ettore Scola, conta a história de uma família desestruturada que “sobrevive” numa comunidade periférica de Roma.

A família em questão é constituída por um casal, dez filhos e uma quantidade absurda de parentes. Todos convivendo juntos num ambiente bem pequeno, sem cômodos, sujo e degradante. O filme apresenta as condições desumanas para uma vida digna, tais como: falta de infraestrutura, poluição dos mais diversos tipos, pobreza extrema, etc.

Enquanto isso, não muito distante, se vê a grande metrópole dissipando as riquezas, as grandes construções para poucos, os condomínios de classe média e, sobretudo, a desigualdade social.

O filme termina com a seguinte cena: a única personagem que evocava empatia no filme, uma criança de botas amarelas, não sendo estereotipada como epíteto do título “feios, sujos e malvados”, aparece gestante, demonstrando que a pobreza, o sofrimento e a miséria continuaram a existir. Em outras palavras, a cena final apresenta a desesperança de um futuro melhor e o ciclo iminente da miséria que é proveniente da degradação, da pobreza, do ambiente corrompido e da procriação desmedida.

Uma obra artística que através de uma releitura pode servir como retrato imagético dessa condição é a Criança morta,do artista brasileiro Candido Portinari (1903-1962).

Em resumo, podemos dizer que a tragédia e o marasmo da pintura, bem como a referida obra cinematográfica de Ettore Scola, possuí a essência da filosofia cioraniana: o desespero, a repulsa e o desvario perante o sofrimento da vida. Uma filosofia pessimista que destaca: “Não nascer é, sem sombra de dúvida, a melhor fórmula que existe. Ela não está, infelizmente, ao alcance de ninguém.” (CIORAN, 2010, p. 187).

Para o filósofo, a miséria é um componente ligado à própria condição da existência humana. Diz Cioran (2011a, p. 111): “Ao constatar que a miséria está intimamente ligada à existência humana, não consigo mais aderir a nenhuma teoria ou a nenhuma doutrina de reforma social. Todas me parecem igualmente estúpidas e inúteis.” Portanto, para o filósofo, o homem é digno de desprezo e a humanidade não deveria continuar a existir.

4. O PROBLEMA ÉTICO DO ANTINATALISMO

Tendo em vista a reflexão existencial do filósofo romeno, surge a questão: Seria possível estabelecer uma ética na conduta antinatalista de Cioran?

Para responder essa questão voltamos para o mencionado filme de Ettore Scola que ilustra um ambiente distópico onde se verifica, além de todos os problemas já mencionados, a falta de civilização. O pensamento de Cioran reverbera este cenário, porque para ele o homem acata seus instintos mais primitivos, isento de qualquer moral pré-estabelecida, como um selvagem, conduta que faz parte da sua existência.

Partindo desse pressuposto imagético, podemos destacar que o antinatalismo de Cioran pode ser estabelecido por uma ética. Uma ética negativa voltada para desconstrução, que possui como característica o desprezo à humanidade que, além de destruir tudo em sua volta, se autodestrói.

Nesse sentido, a filosofia de Cioran aponta para a exclusão do homem no universo. A perspectiva de Cioran tem reflexos em uma ética negativa que não está direcionada no resgate de uma espécie de bem no sentido antropológico ou ecológico.

Para Cioran (2011c, p. 117) o homem é caracterizado como: “Um gorila que perdeu seus pelos e os substituiu por ideais”. Em outras palavras, o homem para Cioran é caracterizado como um gorila dogmático por excelência que sofrerá e levará sofrimento à sua espécie enquanto ainda existir.

Diante dessa reflexão, podemos estabelecer em Cioran uma ética depreciativa que considera o homem como o verdadeiro problema da natureza. Por esse motivo, para ele, do ponto de vista moral, a humanidade deve ser suprimida. Como essa ética negativa prescreve a supressão? Através da piedade à geração futura, ou seja, com a abstenção de filhos.

Tendo em vista a observação dos problemas advindos do existir, passamos para a análise do problema ético do antinatalismo: enquanto os seres humanos estão fadados ao devir, o não ser ainda não sofreu a queda no tempo, isto é, o nascimento.

Logo, todo homem é responsável pela dor e angústia do novo ser. Martírio que acomete a todos que estão vivos, tal como a famosa pintura trágica de Edvard Munch (1863-1944). A referida obra apresenta uma imagem andrógina num momento de ápice do desespero gerado pela existência.

 Tal como a pintura trágica de Munch, a filosofia de Cioran esboça o grito de dor causado pela prisão sem muros da existência, bem como o sentimento de repulsa da realidade que o cerca. Como suportar tal martírio?

Destarte, de acordo com o antinatalista Cabrera, temos de superar essa realidade, porém aquele que ainda não existe não deve passar por isso, isto é, aquele que ainda não nasceu não deve ser condenado a tal sofrimento. Reflexão que se alinha ao pensamento de Cioran por sustentar que a tragédia humana se apresenta na incapacidade de regressar no tempo, de voltar ao vazio da consciência, ou na possibilidade de não ter nascido.

Destarte, uma vez que se está presente no mundo, e essa permanência é permeada por sofrimento e desgosto, como superar a inconveniência da vida?

Segundo Cioran, a superação da existência, da realidade martirizante dos que existem e sobrevivem no mundo, está na diminuição da consciência proporcionada pelo esquecimento:

Sem a faculdade de esquecer, o nosso passado pesaria de tal maneira que não teríamos forças para abordar nem mais um único instante, e muito menos para entrar nele. A vida só parece suportável às naturezas superficiais, a essas que, justamente, não se lembram. (CIORAN, 2010, p.38).

Sendo assim, para Cioran, o que resta é a estagnação humana e o quietismo cognitivo. Ainda reitera: “Deixo por escrito, para todos os que vierem depois de mim, que não tenho em que acreditar neste mundo e que a única escapatória é o esquecimento absoluto” (CIORAN, 2011, p. 64). Logo, a aniquilação do pensamento é sustentada como estratagema de vida, pois de acordo com o filósofo, todo movimento é nefasto[2]. Ainda declara Cioran (1988, p. 158):

À consciência, fenômeno provisório entre todos, cabe ao homem impeli-la até ao ponto de explosão e desfazer-se em pedaços com ela. Destruindo-se, ergue-se-á até à sua essência e cumprirá a sua missão: tornar-se o seu próprio inimigo.

Em vista disso, aqui o esquecimento não deve ser compreendido no sentido literal da palavra. O esquecimento cioraniano deve ser interpretado como uma atitude cética que tem como característica a resignação e o quietismo diante das teorias do conhecimento.

Na sociedade, em geral, é disseminado a ideia de que a vida é sublime e, uma vez existindo, podemos desfrutar os prazeres que a vida pode proporcionar mesmo que esta vida seja permeada pelo sofrimento, ou seja, o amor-fati como possibilidade de viver.

Conforme Cabrera (2011), essa posição filosófica está contida na Ética afirmativa que conduz o pensamento a sustentar que a vida, apesar do sofrimento intrínseco, é melhor do que nada. Segundo o autor, a Ética afirmativa reside na afirmação de que o pai é um ser benevolente, e essa benevolência está no fato de que o pai salva o filho das garras da não existência. Em analogia com a bondade do pai, está a bondade de Deus:

Um pressuposto fundamental da Ética afirmativa é que o sofrimento é melhor do que o nada. Sempre nos mantendo dentro do esquema filosófico voluntarista (Deus quer criar um mundo, o homem quer gerar um filho), é possível dizer (e o tem sido inúmeras vezes) que Deus cria um mundo por bondade, pois, apesar de não ser necessário para ele, acha “bom” que os outros aproveitem do “bem de ser”. (CABRERA, 2011, p. 32)

Tal como Deus cria o mundo, o homem dá vida a um novo ser por uma imposição característica de sua natureza. A Ética negativa proposta por Cabrera rompe a ideia de obrigação e faz uma análise sistemática da não procriação como algo essencialmente bom. Logo, a Ética negativa concebe o amor pelo próximo como um sinal negativo que deve ser buscado em outro lugar.

Nesse ínterim, a Ética depreciativa de Cioran também rejeita a crença em que todo homem tem, como dever, o propósito de gerar uma vida. Como um ato bondoso, a humanidade, por equívoco, concebe o nascimento como uma dádiva. Em contrapartida, Cioran (2010, p. 89) esclarece:

As crianças viram-se, e devem virar-se contra os seus pais, e os pais nada podem fazer em relação a isso, pois estão submetidos a uma lei que rege as relações dos seres vivos em geral, segundo a qual cada um de nós gera o seu próprio inimigo.

Incorporando os preceitos da tragédia de Édipo Rei e produzindo esboços pessimistas sobre a humanidade, a filosofia de Cioran sustenta que a vida é composta por dor e sofrimento, logo o nascimento é tido como fatalidade e aprisionamento.

Aponta Cioran (2010, p. 187), “Nascimento e cadeia são sinônimos. Ver o dia, ver as algemas”. Destarte, pode-se conjecturar a grandeza do sentimento de comiseração na conduta antinatalista. Em geral, poucos dão importância para o sofrimento do semelhante. Como afirma o filósofo romeno: “Neste mundo até hoje ninguém morreu por causa do sofrimento alheio. E, quanto àquele que disse que morreu por nós, ele na verdade não morreu­—ele foi morto.” (CIORAN, 2011a, p. 77, grifos do autor). Como compadecer-se com a dor de quem por ventura virá fazer parte da existência?

Quiçá, o ser humano é o ser que mais sofre diante do devir. Tal posicionamento pode vir a ser interpretado como uma fatalidade do vir a ser homem. Ninguém têm a escolha de nascer ou de escolher o que ser. Para o filósofo romeno: “Somos todos farsantes: sobrevivemos a nossos problemas.” (CIORAN, 2011b, p. 26, grifos do autor). A vida não confere opção e o único meio de abster-se dela é através da última tentação, isto é, do suicídio.

No entanto, Cioran não considera o suicídio como estratagema de escape da vida, visto que: “Só suicidam os otimistas, os otimistas que não conseguem mais sê-lo. Os outros, não tendo nenhuma razão para viver, por que a teriam para morrer?” (CIORAN, 2011b, p. 68). Ainda declara: “Não vale a pena matarmo-nos, visto que nos matamos sempre demasiado tarde”. (CIORAN, 2010, p. 32).

Portanto, Cioran não sustenta o suicídio como subterfúgio da inconveniência da vida. Como vimos, sua filosofia é tangenciada pelo ceticismo e é essa uma das posturas que o impede dessa ação.

Nesse sentido, para Cioran os mais adeptos ao suicídio seriam os otimistas, visto que estes poderiam se frustrar com o choque da realidade ou com o fracasso de suas ideologias. Ao passo que o pessimista cioraniano já estaria resignado com o fracasso e a inutilidade das utopias confortantes.

Cioran considera a paternidade como uma das piores condições buscada pelo ser humano, aponta: “Ter cometido todos os crimes, excepto o de ser pai.” (CIORAN, 2010, p. 8). A necessidade do excesso em todos os níveis, o que inclui a reprodução da vida, encaminha o homem para sua destruição.

Conforme aponta Pecoraro (2014, p.149), “O amor, o sexo, a necessidade egoísta de procriar, os gemidos de prazer que transbordam em um grito primitivo, em umas gotas de suor e, às vezes, no gerar assassino de ‘novas vidas’”.

Ademais, o prazer proporcionado pelo ato reprodutivo é um modo em que a natureza tem de ludibriar a espécie para estimular a reprodução humana.  Através de uma análise crítica, refletir sobre a ideia de conceber um novo ser humano para que ele exista e sobreviva em um mundo que inevitavelmente lhe causará dor e sofrimento identifica-se como uma atitude inconsistente e reprovável do ponto de vista moral.

Dado o exposto, se faz necessário analisar as idiossincrasias decorrentes da procriação. A procriação é um ato que deve ser pensado com cautela, pois gerar uma vida implica consequências e impactos negativos para o mundo, bem como para o ser que vem ao mundo.

CONCLUSÃO

Ao observamos as considerações de Cioran, além dos demais autores, constatamos, por meio de suas ideias, o problema ético referente à geração de um novo ser. A humanidade não é benevolente, a própria natureza possuí um caráter egoísta e esse caráter é disseminado entre todos os seres vivos.

Em vista do que foi apresentado ao longo do trabalho, podemos obter novos elementos para pensar no conceito de antinatalismo e refletir com base nas perspectivas do filósofo estudado, concebendo a ética na sua proposta contrária à procriação.

O fatalismo presente na filosofia de Cioran nega qualquer afirmação positiva da vida e da história. Nesse sentido, conforme o que foi observado ao longo dos capítulos é imoral continuar com o ciclo da vida humana.

No entanto a questão de ter ou não ter filhos, tópico conceitual que centraliza toda a nossa discussão, pode vir a ser aceita ou negada, pois, a priori, temos a liberdade de decisão. Não há nenhuma obrigação em ser pai/mãe, isso quer dizer que o “devo ser pai/mãe” pode ser substituído por “quero ser pai/mãe”. Em contrapartida, a partir de uma compreensão ampla da vida e da história, fomentar o ciclo da vida humana acaba resultando em um mal não só para o mundo, mas também para o futuro ser, isto é, para aquele que ainda não nasceu.

Por fim, concluímos que refletir sobre esse assunto nos possibilita olhar com mais cautela para as nossas próprias condutas. Desse modo, através de uma análise rigorosa sobre a realidade cotidiana, o comportamento dos seres humanos e a vida em geral, podemos vislumbrar a ética antinatalista nos escritos de Cioran.


NOTAS:

[1] Diógenes foi um filósofo helenístico, expoente da escola cínica, que viveu por volta de 413 a 323 a.C.

[2] Por ironia do destino, embora tenha suportado a lucidez corrosiva da insônia, Cioran conviveu nos últimos dias de vida com o mal de Alzheimer, com sintomas de esquecimento, de desconhecimento das próprias palavras e, por fim, com a diminuição gradativa da consciência. Desse modo, vindo a falecer aos 84 anos em um hospital de Paris.


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FILMOGRAFIA

ERASERHEAD. Direção de David Lynch. Estados Unidos: David Lynch Doreen G. Small. 1977. 1 DVD (88 min).

FEIOS, SUJOS E MALVADOS. Direção de Ettore Scola. Itália: Ettore Scola. 1976. 1 DVD. (113 min).


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