
Emil Cioran nasceu em 8 de abril de 1911, em Răşinari, pequeno vilarejo dos Cárpatos, uma região montanhosa na Transilvânia. Era o segundo de três filhos, tendo uma irmã mais velha (Virginia) e um irmão caçula (Aurel. Seu pai, Emilian, era um pope ortodoxo ao estilo bizantino. Elvira, sua mãe (nascida Comaniciu) vinha de uma nobre família.
Tecnicamente, Cioran não nasceu na Romênia. Oficialmente, antes de ser romeno ele é transilvano. A Transilvânia (Ardeal em romeno; Erdely em húngaro) pertencia, à época do seu nascimento, ao Império Austro-húngaro, não fazendo parte do grande reino da Romênia (constituído, então, pela Moldávia e pela Valáquia, que formam, hoje, junto com a Transilvânia, as três grandes regiões da atual Romênia). A Transilvânia voltaria a integrar o grande reino da Romênia em 1920, em virtude do tratado de Trianon. Cioran é um “filho do império”, nasceu em uma região dividida entre duas, três identidades culturais e étnicas distintas (romenos, húngaros e alemães), e cujas fronteiras mudavam frequentemente. A família Comaniciu, de sua mãe, havia ascendido ao título de nobreza transilvana graças ao avô de Cioran, Gheorghe Comaniciu, que era notário público sob o império austro-húngaro. Seus pais, que estudaram em escolas magiares (húngaras), amiúde falavam entre eles, em casa, o húngaro.

Aos dez anos, ele se muda, por decisão de seu pai, determinado a dar-lhe a melhor educação, para a cidade vizinha, a capital do judet (“condado”, “estado”) homônimo de Sibiu, para estudar no liceu Gheorghe Lazar, um dos primeiros liceus de língua romena da Transilvânia desde sua reintegração à Grande Romênia. Lá, viveria numa pensão alemã, junto com outras crianças, para aprender o idioma mais influente naquela parte da Europa.
Um dos temas centrais das entrevistas de Cioran é a sua infância excepcionalmente feliz, em contraste com “tudo o que veio depois”, a partir da mudança obrigatória para Sibiu, para começar os estudos escolares. Em Răşinari, ele passa os dias livre para brincar no riacho atrás de casa ou nos bosques aos pés dos montes Cárpatos. Uma de suas atividades prediletas era conversar com os camponeses e pastores, mas também com os bêbados e “fracassados” na taverna local. Mas o “paraíso terrestre” não era tão paradisíaco assim.

Setembro de 1916 (Cioran com 5 anos de idade) – Emilian, seu pai, é levado pelas autoridades húngaras. No início do ano seguinte, a sua mãe tem o mesmo destino, sendo levada para uma prisão diferente, onde ficaria apenas três meses. A razão: a Romênia entra em guerra ao lado da Entente contra o Império Austro-húngaro, e o pai de Cioran, como muitos outros padres e intelectuais romenos da Transilvânia, será acusado de separatismo. Durante o tempo em que seus pais estiveram presos, as três crianças ficaram sob os cuidados da avó.
Aos quatorze anos (1925), Cioran, que pratica o violão diariamente, por longas horas a fio, abandona subitamente o instrumento, passando a devorar os livros como um leitor precoce e insaciável. Seus cadernos de estudos a partir de então revelam, por citações no original ou em romeno, uma leitura atenta de Diderot, Balzac, Tagore, Soloviev, Lichtenberg, Dostoiévski, Flaubert, Schopenhauer e Nietzsche.

Excelente aluno, matricula-se na seção de Humanidades, aprendendo o latim, o alemão e o francês. Vivendo em Sibiu (para onde sua família havia se transferido 1924, em razão de Emilian ter sido nomeado protopope e conselheiro metropolitano da catedral local), frequentará a biblioteca Astra e a biblioteca do palácio Brukenthal, onde conhecerá o filósofo Erwin Reisner.
Pelas circunstâncias politicamente instáveis dos anos que marcaram sua infância, Cioran terá seus documentos de identidade desatualizados até 1928, quando os regularizará para obter cidadania romena e ir estudar na universidade da capital, Bucareste. Em 1928, matricular-se-á no curso de Letras na Universidade Nacional de Bucareste, com especialização em Filosofia. É por volta dessa época, entre seus últimos anos vivendo com a família, em Sibiu, e os primeiros anos universitários em Bucareste, que a insônia entrará em sua vida.
O começo da produção intelectual de Cioran coincide com o começo de sua insônia, vivendo sozinho e estudando em Bucareste. Costuma-se referir à Tânăra Generaţie (“Jovem geração”) de 1927, grupo de estudantes romenos promissores da Universidade de Bucareste: Mircea Eliade, Constantin Noica, Mihail Sebastian, Mircea Vulcănescu, Petre Tuţea, entre outros. Cioran participa do grupo Criterion, reunido em torno de Eliade. Conhece, ademais, a efervescência cultural da capital, fazendo-se presente nos cafés e salões onde conheceria Eugène Ionesco e Benjamin Fondane.
A essa época, Cioran dorme muito poucas horas a cada noite, vivendo com os nervos à flor da pele, num mal-estar permanente. Aos poucos, passará a se desinteressar pela vida universitária, pelos cursos e atividades acadêmicas, tanto por conta de sua condição fragilizada quanto por certo desdém em relação ao intelectualismo predominante no meio universitário, que ele considerava pedante. Seus estudos se concentram predominantemente na filosofia e na história da arte alemãs: Schopenhauer, Nietzsche, Simmel, Wölfflin, Kant, Fichte, Hegel, Husserl, além de Bergson e Chestov. Os registros de seus trabalhos universitários a que temos acesso, direta e indiretamente, apresentam autores e temas como: Kant (“Considerações sobre o problema do conhecimento em Kant”), Max Stirner, Bergson (“Bergson e o sentimento da vida”), o protestantismo, “o teísmo como solução do problema cosmológico”. Obtém seu diploma de licenciatura em Filosofia, com uma tese sobre Bergson e o “intuicionismo contemporâneo”, em janeiro de 1932.
A partir de 1932, ano em que conclui seus estudos superiores, Cioran começa a escrever massivamente para diversos jornais e revistas romenos, sobre temas como “o intelectual romeno”, “indivíduo e cultura”, “a perspectiva pessimista da história”, “o sentido da cultura contemporânea”, “o tempo e o relativismo”, “a cultura e a vida”, “a Romênia diante do estrangeiro”, “o culto à força”, além de figuras como Jaspers, Kokoschka, Hokusai, Rodin, Greta Garbo, Dürer e Hegel. A partir de 1933, Cioran e muitos de sua geração, até então apolíticos, passariam por um rápido processo de politização, uns à extrema-direita, outros à extrema-esquerda. “Esse processo de intensa politização da vida cultural da Romênia, de que Schimbarea la faţă a României (“Transfiguração da Romênia”) é tanto um sintoma quanto um símbolo, reflete o clima político cada vez mais radical do país na década de 30”. Segundo sua biógrafa, Ilinca Zarifopol-Johnston,
Transfiguração da Romênia é, assim como o primeiro livro de Cioran, Nos cumes do desespero, o resultado de muitas noites de insônia. Cioran fala com a autoridade pessoal de quem passou “muitas noites em claro meditando sobre o destino da Romênia”. […] As questões que impediam Cioran de dormir eram perguntas que continuariam atormentando-o pelo resto de sua vida: Quem sou eu? O que significa ser romeno? Ou, “como se pode ser romeno?”, conforme ele a formula posteriormente em La tentation d’exister, aludindo à pergunta de Montesquieu, “como se pode ser persa?”
Ilinca ZARIFOPOL-JOHNSTON, Searching for Cioran
Os primeiros livros de Cioran são escritos em um ambiente de solidão, em um clima de fuga mundi em meio às montanhas, onde ele se isolará, no chalé de um tio, para pôr no papel todo um “acúmulo de experiências interiores que precisam ser explicadas”, conforme atesta sua carta de 5 abril de 1932 ao amigo Bucur Ţincu. Em 8 de abril de 1933, quando completa vinte e dois anos, escreve, isolado nessa cabana de montanha, a seguinte frase, ao final de um dos textos de Nos cumes do desespero:

“(Escrito hoje, 8 de abril de 1933, dia em que completo 22 anos. Sou invadido por uma estranha sensação ao imaginar que me tornei, nessa idade, especialista na questão da morte)”.
Nos cumes do desespero, seu primeiro livro, será agraciado, em 1934, na ausência de Cioran (então na Alemanha), pela Fundação para Literatura e Artes do Rei Carol II, com o prêmio do Jovem Escritor (entre os jurados, Eliade, Ionesco e Noica). A mesma fundação publicará o livro.
Em Bucareste, cidade que não lhe agrada muito, Cioran não cessa de cogitar diferentes maneira de sair não apenas da capital, mas do país. Inicialmente, pleiteará uma bolsa de estudos para ir à Espanha, com a intenção de estudar com José Ortega y Gasset, mas seus planos serão frustrados por conta do prenúncio de eclosão da guerra civil espanhola (que seria efetivamente deflagrada em 1936). Desistindo da Espanha, conseguirá, então, uma bolsa de estudos, junto à fundação Humboldt, para ir à Alemanha. Partirá de trem para Berlim na manhã de 24 de outubro de 1933.
Cioran escreverá mais dois livros enquanto ainda vive na Romênia: Cartea amărgirilor (O livro das ilusões) e Lacrimi şi sfinţi (“Lágrimas e santos”), intercalados por “Transfiguração da Romênia”, publicados em 1936 e 1937 (ano de sua partida para a França), respectivamente.

Antes de retornar à Romênia da Alemanha, no início de 1935, Cioran visita Paris pela primeira vez, onde encontra seu amigo de infância, Bucur Ţincu. O jovem estudante fica encantado com a Cidade das Luzes. Lá, onde fica por pouco mais de um mês, frequenta a biblioteca Sainte-Geneviève e redige um texto intitulado “Mozart sau melancolia îngerilor” (“Mozart e a melancolia dos anjos”). De volta à Romênia, onde deve cumprir o serviço militar, é destinado à artilharia de Sibiu. A experiência lhe é tão desagradável que Cioran logo pede transferência para a administração.
Em 1936, de licença do serviço militar, encontra em Bucareste seus amigos armênios, Arşavir Acterian e sua irmã Jenny Acterian, com quem visitará um asilo de loucos. Enquanto isso, já começa a providenciar outra bolsa de estudos para sair novamente da Romênia. Após o serviço militar, entre 1936 e 1937, terá sua única experiência como professor, e ademais sua única ocupação assalariada: lecionará filosofia no liceu Andrei-Şaguna, na cidade de Braşov. Consumido pela insônia, não poderá dedicar-se ao ensino, chegando ao extremo de provocar os alunos dizendo coisas como “a moral não existe”, “o princípio de identidade é uma doença”, “a vida sobrevive aos cancros”, entre outros absurdos.
1937 – Publicação, em Vremea, de um artigo intitulado “Crima bătrânilor” (“O crime dos velhacos”), no qual Cioran defende Eliade, acusado de pornografia por causa de seu romance Senhorita Christina, e por isso ameaçado de ser expulso da universidade. Após a desistência de ir para a Espanha por causa da guerra civil, começa a planejar a obtenção de uma bolsa de estudos tendo Paris como destino. Elabora então um projeto de pesquisa de doutorado – que nunca concluirá – sobre “as condições e os limites da intuição”, mais precisamente, sobre “a função gnosiológica do êxtase” e “o sentido da filiação Plotino-Eckhart-Bergson”. No projeto, destaca o interesse em seguir os cursos de Édouard Le Roy, Henri Delacroix e Jean Baruzi. Em novembro deste ano, obtém a bolsa, concedida pelo Ministério de Assuntos estrangeiros da França, por intermédio do Institut français des hautes études de Bucareste. No mesmo mês, parte de Bucareste com destino a Paris, com uma parada em Florença, na Itália. Em Paris, hospeda-se no hotel Marignan, no Quartier latin, e se matricula na faculdade de Letras da Universidade de Paris-Sorbonne. Em dezembro, assiste à aula inaugural de Paul Valéry no Collège de France.
Você precisa fazer login para comentar.