Recepção crítica da obra de Cioran na imprensa brasileira

Reconstituiremos aqui a história da recepção de Cioran no Brasil, tanto no âmbito acadêmico quanto fora dele: trata-se de mostrar como, desde o início da segunda metade do século XX, Cioran é citado, comentado e apresentado ao público brasileiro por escritores, artistas e intelectuais das mais variadas áreas, nas páginas dos jornais. Para isso, teremos como objeto principal de análise as inúmeras referências a Cioran na imprensa brasileira, desde a primeira ocorrência, em 1949, até as produções mais recentes sobre o filósofo romeno, na universidade e fora dela.

Consultando o acervo de periódicos digitalizados da Biblioteca Nacional, foi possível mais de 200 ocorrências de “Cioran” (às vezes confundido pelo leitor ótico de caracteres com Cibran, uma companhia brasileira de antibióticos): desde menções irrelevantes, a título de mera citação en passant, até matérias inteiras dedicadas a ele (uma página, duas páginas inteiras, até longos dossiês temáticos no interior de suplementos culturais). Reuniremos as mais relevantes, o que não se pauta primeiramente por um critério quantitativo. A relevância pode se encontrar numa pequena nota de jornal, que merecerá nossa atenção tanto quanto um longo texto num caderno de cultura.

Foram consultados os acervos históricos de jornais de todas as regiões, com ênfase no sudeste e sul do Brasil. Pouco se encontra sobre Cioran nos periódicos de outras regiões, como o nordeste, à exceção do Diário de Pernambuco. A maioria dos jornais que contêm menções a Cioran são cariocas e, em segundo lugar, paulistas (há também alguns paranaenses). É possível que haja muitas outras menções e a presença histórica da figura de Cioran na imprensa brasileira seja muito mais ostensiva do que pudemos averiguar.

De todas as ocorrências do nome “Cioran” encontradas nos jornais brasileiros, e que ultrapassam o número de 200, descartamos muitas de antemão, por serem menções sem nenhuma relevância, além do dado quantitativo a mais no saldo total, no sentido de acrescentar algum conhecimento qualitativo a respeito da recepção de Cioran pelo público brasileiro. Mantidas apenas as ocorrências significativas do ponto de vista qualitativo, dispomos de um arquivo de 147 itens de jornal contendo uma ou mais ocorrências do nome “Cioran”.

Será feita uma leitura cronológica dos mesmos e, tendo em vista o elevado número de itens, uma divisão segundo a década da publicação: 1949-1959, 1960-1969, 1970-1979, 1980-1989, 1990-1999, 2000-2009, 2010-2019/20. São 70 anos, mais de meio século, de uma história pouquíssimo conhecida (sobretudo no início), a narrativa da presença simbólica do enigmático filósofo de origem romena em terras brasileiras, e seu diálogo intercultural com personagens importantes na paisagem cultural brasileira da segunda metade do século XX, como o poeta José Lins do Rêgo (1901-1957).

Cioran pertence a um seleto grupo de intelectuais e artistas romenos exilados ou expatriados ao redor do mundo, e particularmente na capital francesa, onde formariam o assim-chamado exílio romeno em Paris. Não fosse pela consagração literária em território linguístico francês, por ser um autor romeno de língua francesa, e um bastante singular, aliás, talvez nunca tivéssemos ouvido falar nesse tal de Cioran. É sem dúvida a partir do Précis de décomposition, o Breviário de decomposição, escrito e reescrito diversas vezes, até chegar à versão final e ser publicado, pela prestigiada editora Gallimard, em 1949, que o desconhecido e enigmático pensador, o meteco romeno expatriado em Paris, se tornaria E.M. Cioran, o premiado escritor, prosador e estilista de língua francesa, comparado por alguns a Paul Valéry.

O autor do Breviário de decomposição é hoje estudado e debatido na universidades brasileiras, nos departamentos de Filosofia e outros, e peças de teatro são montadas sobre ele, graças a sua tradução, publicação e inserção acadêmica pelo diligente José Thomaz Brum, filósofo e professor da PUC-RJ, tradutor e amigo do autor (ainda que, cumpre notar, a produção e a pesquisa acadêmica no Brasil em torno a Cioran são ainda incipientes em comparação à Europa ou mesmo aos países latino-americanos de língua espanhola, sem falar no fato de que nem toda a obra publicada de son vivant está traduzida ao português). Os primeiros livros de Cioran começam a aparecer em português ao final da década de 1980. A partir de então, Cioran passa a ser associado, no Brasil, e não sem justiça, a José Thomaz Brum, seu tradutor, esquecendo-se ou ignorando-se que a história da recepção brasileira de Cioran remonta a muitíssimo antes.

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