Alegremo-nos de que na confusão possamos alcançar a totalidade, de que possamos atualizar, em um instante, todos os planos espirituais e todas as divergências. Os estados de admirável confusão interna, que não implicam em absoluto a confusão das ideias, estão mais próximos de nosso centro subjetivo do que todas as mudanças de planos nas quais normalmente vivemos. Por que estar ora triste, ora alegre e, sucessivamente, tenso, contente, desesperado ou exaltado? Por que viver em fragmentos de tempo, fragmentos de vivências, quando com um esforço louco poderia em qualquer instante ser tudo, ser atual graças a todas minhas realidades e possibilidades? A confusão que mistura a tristeza com a alegria é voluptuosa, e o é tanto mais porque se trata de uma confusão de lágrimas.
Fazer caretas pela dor e pelo prazer que nos invadem ao mesmo tempo, e ficar estupefato por não entender nada do que se está saboreando com um entusiasmo perverso e sacudido por um tremor total. Essa confusão não tem nada a ver com esse tipo de vivência total cuja profundidade nos leva até a essência de um fenômeno, como por exemplo penetrar na essência do sofrimento universal; e se diferencia por sua capacidade de fundir em uma convergência inexplicável nossa diversidade e nossa estrutura multipolar. Essa confusão admirável é uma das alegrias da vida, mas é, antes de tudo, a alegria dos homens tristes. Como não se sentir total nesse êxtase da alegria e da tristeza? Então temos vontade de arrancar pedaços de nós-mesmos, de expulsar os órgãos que vibram, de nos atirar na confusão geral e, orgulhosos por ter-se realizado em nós mesmos a confusão universal até o paroxismo, nada pode mais deter-nos no caótico impulso de vibrar e de ferver em meio a uma efervescência total.
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A desgraça do homem é que ele não pode definir-se em relação a algo, que sua existência carece de um ponto estável e de um centro que a determine. Sua oscilação entre a vida e o espirito o leva a perdê-los a ambos e a converter-se assim em um nada que aspira à existência. Esse animal, indiretamente, deseja o espírito e lamenta a vida. O homem não pode encontrar equilíbrio algum no mundo, porque o equilíbrio não se ganha negando a vida, mas vivendo. Esse nada que aspira à existência é o resultado de uma negação da vida. Por isso o homem tem o privilegio de poder morrer a qualquer momento, de renunciar à ilusão de viver, existente em si mesmo. Não é revelador para a essência do homem sua inclinação para a decadência? A maioria dos homens decai; só muito poucos se elevam. E nada é mais entristecedor do que assistir a esse desmoronamento. Pois o que nos entristece não é somente o fato de que em seu destino podemos ver nosso futuro, mas constatar a contínua presença de uma podridão na essência do homem.
Todo o seu processo de decadência é apenas um sucessivo distanciamento da existência, mas não um distanciamento por meio da transcendência, da sublimação ou da renúncia, mas por uma fatalidade parecida com a que faz cair na terra o fruto apodrecido de uma árvore. Toda decadência é uma deficiência na existência e uma perda de existência, de modo que a solidão do homem é ao mesmo tempo solidão do nada e solidão do ser.
Quando pensas detidamente no homem, em sua condição particular no mundo, és tomado de uma infinita amargura. Dar-te conta a cada instante de que tudo quanto fazes é fruto de tua condição particular; que todos os gestos absurdos, sublimes, arriscados ou grotescos, todos os pensamentos, as tristezas, as alegrias e os desmoronamentos, todos os ímpetos e os fracassos são apenas o resultado de tua forma particular de existência, que se tivesses sido qualquer outra coisa que não fosse homem, não o terias feito; ser consciente sempre da particularidade de tua condição, ser obcecado pelo absurdo da forma humana de existência implica sentir tanto asco pelo fenômeno humano que desejas converter-te em qualquer coisa menos em homem. Essa obsessão permanente com o absurdo humano torna a existência duplamente insuportável: como vida concebida biologicamente e como vida desviada em forma humana. Esta forma é um paradoxo no mundo. E os homens pagaram caro pelo caráter paradoxal de sua forma de existência: com muitos sofrimentos, inadmissíveis em um mundo que, já em si mesmo, é inadmissível.
CIORAN, Emil, O Livro das Ilusões. Trad. de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.