Muitas vezes o reacionário é apenas um sábio habilidoso, um sábio interesseiro que, explorando politicamente as grandes verdades metafísicas, vasculha sem fraqueza nem piedade os segredos do fenômeno humano, para revelar seu horror. Um aproveitador do terrível, cujo pensamento — coagulado pelo cálculo ou pelo excesso de lucidez — minimiza ou calunia o tempo. Mais generoso, porque mais ingênuo, o pensamento revolucionário, associando ao desenrolar do devir a ideia de substancialidade, distingue na sucessão um princípio de enriquecimento, uma fecunda ruptura da identidade e da monotonia, e um aperfeiçoamento nunca desmentido, sempre em marcha. Um desafio lançado à ideia do pecado original: este parece ser o sentido último das revoluções. Antes de proceder à liquidação da ordem estabelecida, elas querem libertar o homem do culto das origens a que o condena a religião. Só conseguem isso minando os deuses, enfraquecendo seu poder sobre as consciências. Porque são eles, os deuses, que, nos acorrentando a um mundo anterior à história, nos fazem desprezar o Devir, fetiche de todos os inovadores, do mero resmungão ao anarquista.
Nossas concepções políticas nos são ditadas por nosso sentimento ou nossa visão do tempo. Se a eternidade nos obseda, que importam as transformações que se operam na vida das instituições ou dos povos? Para se preocupar com isto, para se interessar por isto, seria necessário acreditar, com o espírito revolucionário, que o tempo contém potencialmente a resposta a todas as indagações e o remédio para todos os males, que seu desenrolar comporta a elucidação do mistério e a redução de nossas perplexidades, que ele é o agente de uma metamorfose total. Mas eis o mais curioso: o revolucionário só idolatra o devir até a instauração da ordem pela qual se batera. Delineia-se depois, para ele, a conclusão ideal do tempo, o sempre das utopias, momento extratemporal, único e infinito, suscitado pelo advento de um período novo, inteiramente diferente dos outros, eternidade aqui na Terra, que encerra e coroa o processo histórico. A ideia da idade de ouro, a própria ideia de paraíso, persegue igualmente crentes e descrentes. No entanto, entre o paraíso primordial das religiões e aquele, final, das utopias, existe todo o intervalo que separa uma nostalgia de uma esperança, um remorso de uma ilusão, uma perfeição alcançada de uma perfeição irrealizada. Percebe-se facilmente de que lado se encontram a eficácia e o dinamismo: quanto mais um momento for marcado pelo espírito utópico (que pode muito bem ostentar um disfarce “científico”), mais terá chance de triunfar e permanecer. Como prova a sorte do marxismo, ganha-se sempre, não no início, mas no fim do tempo. Como todos os reacionários, Maistre situou-o no passado. O qualificativo de satânico, que atribuía à Revolução Francesa, poderia estendê-lo da mesma forma à totalidade dos acontecimentos: seu ódio a qualquer inovação equivale a um ódio ao movimento enquanto tal. O que visa é prender os homens à tradição, afastá-los da necessidade que têm de interrogar-se sobre o valor e a legitimidade dos dogmas e das instituições. “Se ele (Deus) colocou certos objetos além dos limites de nossa visão, é certamente porque seria perigoso, para nós, percebê-los nitidamente.” “Ouso dizer que o que devemos ignorar é mais importante do que o que devemos saber.”
Partindo da ideia de que sem a inviolabilidade do mistério a ordem se desmorona, ele opõe os interditos da ortodoxia às indiscrições do espírito crítico, o rigor de uma verdade única à abundância das heresias. Mas vai longe demais, delira quando nos quer convencer de que “toda proposição metafísica que não provém inteiramente de um dogma cristão só e só pode ser uma extravagância condenável”. Como fanático da obediência, acusa a Revolução de ter deixado exposta a essência da autoridade e de ter revelado o seu segredo aos não iniciados, às massas: “Quando se dá a uma criança um desses brinquedos que executam movimentos por meio de um mecanismo interno, incompreensíveis para ela, após ter se divertido por um momento, ela o quebra para ver o que existe dentro.” Foi assim que os franceses trataram o governo. Quiseram ver o que havia dentro: puseram a descoberto os princípios políticos, abriram os olhos do povo para objetos que ele nunca teria ousado examinar, sem compreenderem que existem coisas que são destruídas quando reveladas.
Palavras de um insolente, de uma agressiva lucidez, que poderiam ser sustentadas pelo representante de qualquer regime, de qualquer partido. No entanto, jamais um liberal (nem um “homem de esquerda”) ousaria fazê-las suas. A autoridade, para se manter, deve repousar sobre algum mistério, sobre algum fundamento irracional? A “direita” o afirma, a “esquerda” o nega. Diferença puramente ideológica. Na realidade, toda ordem que pretenda durar só é bem-sucedida nisso através de uma certa obscuridade de que se cerca, por um véu que estende sobre seus propósitos e sobre seus atos, por uma gota de “sagrado” que a torna impenetrável para as massas. Esta é uma evidência de que os governos “democráticos” não poderiam orgulhar-se mas que, em contrapartida, é proclamada pelos reacionários que, indiferentes à opinião e ao consentimento das massas, proferem, sem escrúpulos, truísmos impopulares, banalidades inoportunas. Os “democratas” se escandalizam com isso, percebendo que a “reação” traduz muitas vezes suas segundas intenções e dá expressão a algumas de suas desilusões secretas, a muitas certezas amargas que não pode assumir publicamente. Acossados por seu programa “generoso”, não lhes será permitido demonstrar o menor desprezo pelo “povo”, nem mesmo pela natureza humana. Não tendo o direito ou a felicidade de invocar o Pecado original, são obrigados a tratar com indulgência e adular o homem, a querer “libertá-lo”: otimistas desesperados, dilacerados entre seus entusiasmos e seus sonhos, simultaneamente arrebatados e paralisados por um ideal inutilmente nobre, inutilmente puro. Quantas vezes, em seu foro íntimo, não devem invejar o desembaraço doutrinal de seus inimigos! O desespero do homem de esquerda é combater em nome de princípios que lhe proíbem o cinismo.